Prometendo mobilidade social a motoristas, Gostei quer desafiar modelos de Uber e 99

Primeiro ‘pelas beiradas’, empresa de transporte urbano lança piloto em Jundiaí e quer faturar R$ 155 milhões em 5 anos

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12:46 pm - 11 de outubro de 2022
Antonio Vieira, CEO da Gostei. Foto: Divulgação

A precarização das relações (e condições) de trabalho é uma das grandes críticas feitas ao modelo apresentado ao mundo por aplicativos de transporte como Uber e 99, para citar os dois mais famosos a operar no Brasil atualmente. A Gostei, empresa lançada oficialmente na semana passada em Jundiaí, interior de São Paulo, busca se afastar dessa imagem ao, primeiro, nascer pensando em oferecer remuneração justa aos motoristas que atuam na plataforma e, segundo, ao prometer parcerias educacionais para que eles possam inclusive ter outras carreiras.

“A gente quer fugir da ideia de exploração de mão de obra e precarização do trabalho. Desde o dia zero estávamos preocupados com isso”, diz ao IT Forum o CEO e cofundador da Gostei, Antonio Vieira. “Queremos passar a ideia de que quem está dirigindo é um empreendedor, com autonomia, e trabalhado por uma sociedade melhor. E quem sabe até dentro do carro ele faça o marketing de que é, por exemplo, um mecânico em formação.”

Segundo o CEO, a formação dos motoristas em carreiras técnicas – mecânico de automóveis uma delas, por meio de conversas adiantadas com instituições de ensino técnico como o Senai, por exemplo – faz parte de um plano de negócios estruturado, com uma grade de cursos mapeada e baseada em números e simulações. É um investimento considerado “de altíssimo retorno”, diz Vieira, uma vez que gera identificação com o público-alvo da empresa.

Os cursos serão totalmente subsidiados pela Gostei, ou seja, sem custos para os motoristas. A contrapartida é que cada trabalhador faça determinada quantidade de viagens para ter direito a eles, o que deve ocorrer a partir de março de 2023, cerca de seis meses após o primeiro piloto das operações da empresa.

Explicando o negócio

Para que o objetivo de oferecer mobilidade social aos motoristas seja possível, é necessário, evidentemente, que a Gostei seja rentável. Além de Vieira, que é engenheiro de mecânica aeronáutica e tem experiência como empreendedor e investidor, a empresa tem como sócio Ricardo Margaretic, que não está na operação. Ambos empresários experientes aplicando capital próprio no lançamento do negócio, ou até aqui cerca de R$ 2,5 milhões ao longo de um ano e oito meses.

Nesse início, a empresa tem no total 12 trabalhadores, sendo metade desenvolvedores. A plataforma está hospedada na AWS, e “tem um modelo muito sólido de desenvolvimento, teste e escalabilidade. Estamos bastante preparados [para crescer]”, diz Vieira. A aplicação roda em parceria com um banco digital (o Ekko Bank), que fica responsável pela abertura de uma conta digital e um cartão de bandeira Visa aos motoristas.

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Assim que aprovados nos critérios da startup, os profissionais recebem uma conta digital operada pelo banco, com direito a um cartão pré-pago de bandeira Visa que permite acessar o dinheiro recebido pelas corridas.

O modelo de negócios é bastante semelhante ao já praticado no mercado por grandes players como Uber e 99, ou seja, motoristas autônomos usando a plataforma da empresa para encontrar passageiros e pagando uma taxa – no caso da Gostei, 25% fixos para todas as viagens. No entanto, conforme faz questão de ressaltar Vieira, a ideia é não brigar com os gigantes diretamente – ao menos não logo de cara.

“A presença desses players é bastante intimidadora para qualquer novo entrante, mas também há uma situação de conflito aqui no Brasil. E a gente acha que tem a solução, um arranjo de negócios que pode ser vencedor”, explica o CEO. “Obviamente não é uma disputa vencida no campo financeiro, seria uma guerra perdida antes de começar.”

Essa solução, segundo Vieira, é uma proposta de equilíbrio entre motoristas, passageiros e plataforma (ou aplicativo). E passa por entender a necessidade de emprego e geração de renda do motorista, e não apenas a pressão por corridas mais baratas para os passageiros ou lucro para a provedora da aplicação.

“A gente fez entrevistas com os motoristas e os passageiros para fazer uma lista dos pontos que deveriam ser melhorados para o modelo funcionar localmente”, conta. Entre as prioridades elencadas pelos motoristas estão segurança (que gerou um sistema de checagem policial também dos passageiros, por exemplo), transparência (ou saber o destino da viagem antes de aceitá-la) e rentabilidade.

Vieira diz que a taxa de 25% fixa “não vai ser a menor nem a maior”, mas dá aos parceiros segurança por não ter variações difíceis de explicar. “É um ecossistema delicado em que falta equilibro. Se a gente valorizar o motorista dando o que ele está pedindo, vai trabalhar mais motivado e com qualidade maior”, diz.

O desafio agora, segundo Vieira, é investir em marketing digital – seja para atrair motoristas parceiros ou passageiros. O piloto foi iniciado com a meta de ter cerca de 120 motoristas parceiros rodando na região de Jundiaí.

Partindo do interior

A escolha de Jundiaí se deveu, entre outros fatores, pelo índice elevado de desenvolvimento da região, “entre os três maiores PIBs de São Paulo”, conforme ressalta Vieira, e por reunir dois públicos interessantes: passageiros particulares e corporativos. Segundo ele, a cidade também tem elevado nível de uso de smartphones, segundo pesquisa feita pela prefeitura da cidade que mostra que mais de 80% dos usuários de transporte público usam o celular para se locomoverem.

“E por último as faixas etárias, que são as ideais em Jundiaí. São pessoas que deixaram de utilizar carro”, diz o executivo. “Também é uma cidade com ordenamento urbano muito rígido. Foi difícil ser aprovado e ter as permissões para operação, mas a gente fica confortável.”

O projeto piloto da Gostei deve durar alguns meses. A empresa, diz Vieira, pretende expandir para outras regiões apenas quando tiver “plena satisfação dos consumidores locais”, com a meta de alcançar primeiro cidades com populações menores (Campinas é considerada a próxima candidata natural), e só então partir para grandes capitais.

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“Não queremos ir para uma grande cidade como São Paulo porque somos jovens ainda, vamos tomando a sopa pelas bordas. Essas cidades têm um índice de violência baixo, e a gente minimiza uma das variáveis que aflige uma operação desse tipo”, explica Vieira.

Nos próximos cinco anos, a Gostei quer estar em 30 regiões de conurbação – ou seja, áreas de união entre duas ou mais cidades, como é o caso de Jundiaí, Campinas e Valinhos, por exemplo. Segundo o CEO, é possível crescer 35% ao ano durante esse período, porcentagem estimada com base no crescimento do próprio mercado de transporte por aplicativos.

“Se a gente simplesmente surfar essa onda, estamos propensos a ter crescimento da empresa de 35%. Se a gente fizer melhor, tende a ser maior. Usamos um cálculo conservador no plano de negócio”, explica. “Com isso a gente atingiria em 2023, fim do ano que vem, R$ 11 milhões de faturamento. Em cinco anos o potencial é chegar a R$ 155 milhões.”

Os números são expressivos, mesmo para uma “startup camelo”, como define Vieira, ou seja, uma empresa “resiliente, com jornadas longas e bebendo pouca água”. A pretensão da empresa, portanto, não é ser um unicórnio de crescimento explosivo, inclusive porque esse modelo traz “demissões e problemas de fluxo de caixa”, diz o CEO. “Você vira escravo de rodadas de investimento. A gente não quer nem entrar nessa armadilha.”

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Marcelo Gimenes Vieira

Editor do IT Forum. Jornalista com 12 anos de experiência nos setores de TI, telecomunicações e saúde, sempre com um viés de negócios e inovação.

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