Migração para SAP S/4HANA no Brasil evolui a passos lentos, apesar do deadline
Em 2027, a SAP encerra o suporte ao ECC 6 em favor do S/4HANA, mas taxa de adoção permanece na casa dos 30%
Mais um ano se encerrou e a data limite para o término do suporte da SAP ao Business Suite 7, que inclui o ERP ECC 6.0, se aproxima. A migração de organizações para a versão mais recente do software de gestão da empresa, o S/4HANA, ainda não acelerou conforme suporiam aqueles de olho no deadline, marcado para o dia 31 de dezembro de 2027.
Dados globais divulgados pelo Gartner no segundo trimestre de 2023 indicam que cerca de 33% dos usuários SAP que ainda possuem o ERP legado da companhia já adquiriram licenças para começar sua transição para o S/4HANA. No ano anterior, a mesma consultoria havia estimado o número em 30%.
O cenário é bem similar ao do mercado brasileiro. “Nós temos aproximadamente 30% da base já migrada para o S/4HANA ou em processo de migração”, disse Rodrigo Susaki, vice-presidente de Rise with SAP e S/4HANA Cloud da SAP Brasil, em entrevista ao IT Forum sobre o avanço da base de clientes da gigante de software alemã rumo ao novo ERP.
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Susaki vê o cenário com alguma preocupação. O principal motivo, segundo o executivo, é que clientes não tenham tempo hábil para fazer uma migração de qualidade no futuro. “Hoje, a gente ainda vê um ecossistema de parceiros bastante ávido”, disse. “Mas a gente vem avisando que os recursos são finitos e que vão entrar em concorrência – vão acabar as capacidades de pessoas, recursos e tempo. Então começa-se a adicionar riscos para as migrações”.
Rodrigo Susaki, vice-presidente de Rise with SAP e S/4HANA Cloud da SAP Brasil (Imagem: Divulgação/SAP)
Lançado em 2015, o S/4HANA é a versão mais recente do ERP SAP para o mercado de software de gestão. Além das capacidades de nuvem, a solução é tida como mais eficiente e intuitiva quando comparada ao seu antecessor. Ela também entrega tecnologias não suportadas anteriormente, como inteligência artificial e aprendizado de máquina, que prometem ajudar as organizações a automatizar processos e a tomar decisões baseadas em dados em tempo real.
“O tempo de vida do ECC foi de quase quinze anos”, explicou Susaki. “A tecnologia evolui a passos largos. O ERP que atendia à realidade de empresas de quinze anos atrás, hoje não tem como fazer isso com a mesma agilidade e capacidades. A SAP, assim como toda empresa de software, fez a evolução da tecnologia”, completou.
Sem nova flexibilização
Originalmente, a SAP havia estabelecido o fim do suporte do ECC 6.0 para 2025. Entretanto, a pressão de clientes e a preocupação da própria companhia com a maturidade do ecossistema S/4HANA levou a companhia a esticar o deadline em dois anos.
Agora, a companhia insiste que uma nova flexibilização não acontecerá – ainda que alguns clientes ainda apostem nisso. “Nosso board global reforça que não haverá qualquer nova mudança de data”, anotou Susaki. O S/4HANA tem suporte previsto até 2040.
Vale ressaltar, no entanto, que existe alternativa para companhias que optarem continuar com o ECC 6.0 em produção – ao menos por ora. A SAP oferecerá suporte estendido aos clientes que quiserem manter o sistema até 2030, por um acréscimo de 4% ao valor da licença. Isso dará acesso às manutenções de segurança e correções de bugs encontrados.
Ainda assim, é preciso atenção: nem todos os sistemas legados ECC são elegíveis para o suporte estendido. Isso porque, ao longo dos anos, a SAP lançou múltiplos pacotes de expansão que entregavam novas funcionalidades, capacidades e atualizações ao ECC – os chamados Enhancement Packages (EHP). O suporte estendido é válido apenas para as versões EHP 6, 7 ou 8. Para a versão EHP 5 ou anteriores, a manutenção expira dois anos antes do deadline, em 2025.
Mercado se prepara para migrações
Ainda que o percentual de clientes migrados permaneça na casa de um terço do total da SAP, o mercado já está se movimentando para suportar a alta demanda que é esperada para os próximos anos.
“Nos últimos anos, a migração para o SAP S/4HANA tem sido um dos principais impulsionadores de transformação digital para empresas em todo o mundo e o mercado brasileiro não é exceção”, disse Cássia Camargo, diretora de Alianças Estratégicas da Capgemini. A consultoria francesa é uma das que tem atuado ajudando clientes na migração para o S/4HANA e se estruturou para o processo. Até hoje, já foram mais de 1,6 mil projetos S/4HANA no mundo e 8,5 mil recursos certificados no sistema.
Cássia Camargo, diretora de Alianças Estratégicas da Capgemini (Imagem: Reprodução/LinkedIn)
Para Cássia, apesar do “investimento considerável” que o processo de migração exige em termos de recursos financeiros, de tempo e de pessoal especializado, a ida para o novo ERP tem gerado oportunidades de inovação e ganhos de eficiência para as companhias que o adotam. Entre os clientes que têm obtido melhores resultados, ela destacou, estão aqueles que também investiram na capacitação de seus times.
“A ênfase na transformação cultural e no treinamento de equipes são fundamentais para o sucesso após a migração. Organizações visionárias têm investido não apenas em tecnologia, mas também na capacitação e no engajamento de suas equipes para que possam aproveitar ao máximo os recursos avançados do S/4HANA”, apontou.
Multinacional brasileira do segmento de serviços de tecnologia, a Tivit também está se preparando para o movimento do mercado. Em janeiro de 2023, a empresa inaugurou uma nova linha de negócios dedicada a todo o portfólio SAP. Antes, os temas como infraestrutura, sistemas e sustentação SAP eram tratados em unidades isoladas. Agora estão sob um mesmo guarda-chuva, liderado por Sérgio Iannicelli, diretor de Digital e Negócios SAP da Tivit.
A empresa também ampliou em 20% sua capacidade produtiva em novas contratações focadas em SAP, inclusive de estagiários, e investiu na capacitação de seus colaboradores: R$ 2 milhões voltados para treinamentos e certificações para os funcionários da companhia, dos quais “boa parte”, segundo Iannicelli, foram direcionados para SAP. “A gente acredita que 2026 será o pico da procura”, explicou o executivo. Já em 2024, no entanto, a expectativa é que a unidade de SAP cresça 40% em relação ao ano anterior.
Sérgio Iannicelli, diretor de Digital e Negócios SAP da Tivit (Imagem: Divulgação/Tivit)
A própria SAP tem agido para tentar alavancar o processo. Um dos esforços empenhados pela SAP Brasil é na capacitação de mais profissionais para seu ecossistema, com o objetivo de acomodar a demanda que virá até 2027. Uma destas parcerias foi com o Centro Paula Souza (CPS), através do programa “Minha Chance”, que já disponibilizou mais de 730 vagas em Fatecs para preparar estudantes para atuar como consultores especializados em tecnologias de gestão empresarial.
Outro caminho para a aceleração foi o Rise with SAP. A oferta, lançada em 2021, empacota diferentes soluções da empresa, incluindo a migração para S/4HANA. De acordo com Rodrigo Susaki, da SAP, só em 2021, a organização Brasil adicionou mais clientes ao S/4HANA através do Rise do que nos dois anos anteriores. Em dezembro de 2023, a companhia registrava 267 clientes da oferta no Brasil. “A oferta do Rise with SAP tem acelerado o programa de migração”, disse. “Em 2024, essa aceleração vai continuar de forma exponenciada.”
Desafios da migração
Os motivos para a migração ainda não ter acelerado em ritmo mais rápido são diversos. Segundo os consultores ouvidos pelo IT Forum, a complexidade do processo é uma das principais razões apontadas pelos clientes. “No cenário brasileiro, as empresas têm enfrentado desafios substanciais ao abraçar essa transição. A complexidade da migração se destaca como um dos obstáculos primários, exigindo um planejamento minucioso, reconfiguração de processos e alocação de recursos específicos”, disse Cassia, da Capgemini.
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O caminho tem sido ainda mais complexo para aqueles clientes que já usam o ECC há muitos anos e trabalham uma customizações especiais ao software. É a chamada “armadilha da customização”: o ambiente customizado se torna tão complexo que o esforço de mexer é muito grande, atravancando a atualização.
“Os clientes com maior dificuldade são os clientes com uma customização muito antiga”, disse Sérgio Iannicelli, da Tivit. “Com uma migração destas [para o S/4HANA], você tem que voltar ao padrão. Quanto mais programas customizados, mais complexo fica o processo para quem está fazendo a migração e também para o usuário – que vai ter que reaprender como trabalhar”, contou.
O Grupo Casas Bahia, no entanto, resolveu enfrentar esse desafio. A empresa realizou a migração para o S/4HANA de alguns de seus sistemas em setembro de 2022, em uma implantação que levou entre treze meses. “O fator alavancador da decisão de irmos para o SAP S/4HANA foi o fim da licença ECC que nós rodávamos no grupo”, contou ao IT Forum o diretor de TI da Casas Bahia, Leandro Dantas de Araujo.
Leandro Dantas de Araujo, diretor de TI da Casas Bahia (Imagem: Reprodução/LinkedIn)
O processo foi implementado ainda durante o período de lockdown da pandemia, quando muitos dos colaboradores da empresa ainda estavam em casa. A Deloitte foi escolhida como parceira de implementação. “Diante da necessidade e do desafio que nós temos de inovação, além da busca por escalabilidade para a operação e por resultados com maior eficiência e menor custo, optamos por antecipar essa implantação para não correr o risco da alta demanda que deve existir”, disse Dantas.
A transição não foi completa. Como o grupo é formado por múltiplas empresas – além do varejo, há também a fintech Banqi e a Bartira, de móveis -, a organização decidiu migrar apenas uma parte do seus sistemas. A companhia manteve parte de seu legado no ECC.
“Como é on premise, não precisamos de suporte”, explicou o diretor de TI. “Estamos mantendo ele somente como consulta. Mas sabemos que isso tem prazo”. Ainda segundo ele, a decisão de manter a estrutura legada veio por conta de custos. “Teríamos que gastar um tempo grande de downtime para fazer a migração”, explicou.
No segundo semestre de 2024, no entanto, a companhia deverá tomar uma decisão sobre o futuro da estrutura. “As empresas do varejo são as primeiras a sentirem impactos do mercado, mas também são as primeiras a acelerar quando têm um vento a favor. A gente tem que se preparar para essa virada”, finalizou o executivo.
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