Neuralink: comunicação sobre cérebro-computador preocupa cientista
Segundo Nicolelis, a comunicação da empresa assume um tom de pioneirismo e banaliza uma ciência que pode ser perigosa
Em um momento de grande interesse gerado pelo implante cerebral de chips, popularizado pelo projeto da Neuralink, de Elon Musk, surge uma curiosidade pouco conhecida: essa tecnologia existe há mais de 20 anos e foi descoberta por um brasileiro.
Miguel Nicolelis é um dos grandes nomes da neurociência mundial. Doutor pela Universidade de São Paulo (USP) e Ph.D. em Fisiologia e Biofísica pela Universidade de Hahnemann, nos Estados Unidos, Nicolelis dedicou mais de 30 anos de sua carreira ao ensino e pesquisa no departamento de neurociência e engenharia biomédica da Universidade de Duke.
No Brasil, o cientista ganhou destaque durante a Copa do Mundo de 2014, liderando um projeto que permitiu a um jovem paraplégico dar o pontapé inicial na competição usando um exoesqueleto controlado por uma interface cérebro-máquina.
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Esse momento simbólico, testemunhado por mais de um bilhão de espectadores, destacou o potencial da tecnologia na reabilitação neurológica.
Recentemente, a atenção internacional voltou-se para a interface cérebro-computador quando Elon Musk, fundador da Neuralink, implantou um chip em um paciente, alegando um avanço pioneiro e significativo. No mesmo momento, diversas manchetes passaram a estampar as redes com os dizeres “Neuralink faz 1º implante de chip cerebral em humano.”
Nicolelis, no entanto, desafia essa narrativa, destacando suas próprias realizações. “Não existe pioneirismo nisso, já que nós fizemos o mesmo em 1999 com onze pacientes”.
Apesar dessa reivindicação, o doutor afirma que o maior problema é a condução sensacionalista do tema, já que se é falado sobre todos os benefícios, mas pouco se fala sobre os riscos. “É difícil pensar em uma comunicação séria quando pessoas como o Elon Musk publicam algumas frases no X sem nenhuma informação, nenhum dado e as pessoas acreditam veementemente. É uma injustiça com os verdadeiros profissionais, mas também com a população em geral, que não sabe da profundidade e risco de uma cirurgia invasiva como essa. Mas eu te pergunto: como competir com o dono do Twitter?”
Segundo o neurocirurgião, na medicina existem 3 preceitos básicos: é necessário tomar medidas para evitar ou minimizar qualquer dano que possa surgir como resultado de tratamentos ou procedimentos médicos, é essencial que seja acessível e precisa ser eficaz. Para ele, a comunicação sobre a tecnologia não está sendo bem abordada, já que os custos são extremamente elevados, a cirurgia de implementação requer assumir diversos riscos e pode não ser eficaz, já que existem medidas não invasivas para se chegar no mesmo resultado.
Além disso, outro preceito da medicina é a autonomia do paciente, princípio que enfatiza o respeito pela capacidade do paciente de tomar suas próprias decisões sobre sua saúde. Segundo Nicolelis, ao longo dos últimos dez anos, nenhum paciente queria ser implantado, por estarem inteirados dos riscos de uma cirurgia invasiva como esta.
Democratização da ciência
Percebendo a necessidade da criação de uma tecnologia mais acessível e não invasiva, o neurocirurgião dedicou os últimos anos no projeto que foi apresentado em 2014, na Copa do Mundo.
“As interfaces cérebro-máquina não-invasivas que testamos conseguiram ajudar os pacientes de modo crônico, fazendo com que eles recuperassem movimentos de forma parcial, voltassem a sentir determinadas partes do corpo, algo que nunca tinha sido feito em décadas de pesquisa e tratamentos de lesões medulares”, afirma Nicolelis.
O paraplégico Juliano Pinto deu o primeiro chute da Copa do Mundo de 2014 com o exoesqueleto desenvolvido pela equipe de Miguel Nicolelis
Após concretizar essa ideia, o neurocirurgião concentrou-se em expandir o Instituto Nicolelis de Estudos Avançados do Cérebro.
Com sede em São Paulo (Brasil), Carolina do Norte (EUA) e Milão (Itália), o instituto visa ajudar mais de um bilhão de pessoas com lesões medulares e neurológicas, coordenando e disseminando protocolos de tecnologias não invasivas em todo o mundo.
Estima-se que mais de um bilhão de pessoas em todo o mundo sofrem com algum tipo de disfunção cerebral, incluindo doenças neurológicas e psiquiátricas. O custo global para tratar esse grande número de pacientes pode chegar a seis trilhões de dólares até 2030.
Portanto, terapias e tecnologias de neuroreabilitação clinicamente seguras, eficientes e de baixo custo são essenciais para atender às necessidades em longo prazo desses pacientes.
“Planejamos no futuro criar uma rede de colaboração em todo o mundo, com métodos seguros, acessíveis e eficazes. É necessário que a ciência seja democratizada e feita com responsabilidade, é o que temos feito nos últimos 30 anos”, finaliza.
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