Conexis: telcos celebram chegada do 5G, mas temem desafios regulatórios

Presidente do Conexis pede por mudanças regulatórias que permitam ao segmento de telecom monetizar o 5G após altos investimentos em infra

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3:07 pm - 08 de julho de 2022
Conexis, 5G, marcos ferrari Marcos Ferrari. Foto: Divulgação

O 5G chegou oficialmente ao Brasil nesta semana. Na última quarta-feira (6), Brasília foi a primeira cidade do país a ter o sinal liberado para a rede 5G.

O lançamento aconteceu após a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) ter flexibilizado o calendário original de lançamento do 5G no Brasil. Antes, o edital do leilão previa a chegada do 5G a todas as capitais brasileiras até o dia 31 de junho. A nova data limite é 29 de setembro, em um lançamento que será cascateado.

Na avaliação de Marcos Ferrari, presidente do Sindicato Nacional das Empresas de Telefonia e de Serviço Móvel, Celular e Pessoal (Conexis) – entidade que representa as principais operadoras do país -, a mudança de cronograma é positiva. “Foi a melhor decisão do ponto de vista regulatório”, avaliou, em entrevista ao IT Forum. “Não adiantava correr o risco de prejudicar a população que ainda usa as TVs parabólicas.”

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Esse, é claro, é só o primeiro passo do 5G no país. Com o desembarque da nova geração de conectividade móvel no mercado brasileiro, novos serviços, produtos e possibilidades de negócio se abrem nos segmentos B2B e B2C da economia nacional. No centro disso, as empresas de telecomunicações comemoram – mas também enxergam um cenário em que mudanças regulatórias seriam necessárias para garantir a rentabilidade dos investimentos do 5G.

“Não é viável, ou saudável, um setor fazer todo investimento de infra e outro setor usufruir dessa rede para prestar serviços e ter alto rendimento. Quando nós observamos os grandes ocupantes das redes, entendemos que eles poderiam participar dos investimentos”, disse Ferrari. Confira a entrevista completa abaixo:

IT Forum: Como a Conexis avaliou a decisão da Anatel de flexibilizar o lançamento do 5G no país?

Nós avaliamos como adequada a decisão da Anatel porque nós acreditamos que é melhor fazer a implantação do 5G com mais segurança. Não adiantava correr o risco de prejudicar a população que ainda usa as TVs parabólicas. Foi a melhor decisão do ponto de vista regulatório, previsto no edital, que garante a implantação segura do 5G e, ao mesmo tempo, a política pública colocada dentro do edital. Do nosso lado, nós estamos otimistas que até o dia 29 de setembro nós vamos ligar o 5G em todas as capitais. Começamos nesta semana com Brasília e à medida que foram liberadas as faixas em outras capitais nós iremos ligar de maneira rápida, uma vez que já estamos preparados para colocar nas capitais do país.

ITF: Algum aspecto negativo?

Não. Quando estamos falando de ligar o 5G, de ligar antenas, parece que é uma coisa trivial, mas não. São investimentos elevadíssimos, quase R$ 40 bi por ano, que envolve toda uma estrutura que será levantada ao longo do tempo. As coisas não acontecem da noite para o dia, esse cronograma de oito anos para implantar o 5G no Brasil leva em conta toda complexidade e dificuldade para levantar uma estrutura deste porte em um país continental.

ITF: Falando sobre o cronograma: já foi considerada pela Anatel a ideia de antecipar as metas do 5G. Uma contrapartida seriam benefícios e políticas de incentivo para as operadoras. Qual a visão da Conexis sobre essa possibilidade?

Nós iremos buscar antecipar a implantação do 5G no máximo possível onde onde houver condições para isso, condições físicas – de liberação de faixa –, condições técnicas e condições econômico-financeiras. Existe um cronograma previsto até 2029, mas isso é o mínimo a ser investido – não quer dizer que não se possa investir mais e antecipar o cronograma. Isso vai depender da dinâmica de oferta e demanda. Se a gente for levar em conta o que foi o 4G, que havia no edital inicialmente uma previsão obrigatória para 1,6 mil cidades e hoje já estamos em quase 5,5 mil cidades, pode ser que a gente antecipe o cronograma de investimento. Mas isso depende do futuro, depende do comportamento da demanda, que a gente não sabe ainda como vai ser.

ITF: Qual a avaliação da Conexis da atual implementação da infraestrutura de 5G no país?

O cenário é bem preocupante. É sempre bom colocar essa questão sob dois prismas. O primeiro é a limpeza da faixa, que é a condição física para que se libere a ligação do 5G – é isso que aconteceu agora em Brasília. Nesse estamos otimistas. O segundo prisma é as condições nas quais a gente vai implantar a estrutura para aproveitar o sinal que a Anatel liberou. Nesse segundo prisma, a gente está com uma posição que vai de cautelosa à pessimista. Apenas 2% dos municípios do Brasil já possuem uma legislação mais moderna em relação ao tema. Quando a gente olha as capitais, que é a primeira área de investimento para colocar o 5G, a situação está melhorando, mas é preocupante. A gente está falando de 13 capitais que estão com leis adequadas, mas ainda faltam 14 capitais. E nessas 13 capitais, o fato de ter uma lei favorável não significa que nossa vida é fácil. Em São Paulo, que aprovou uma das melhores leis do país no ano passado, ainda existem gargalos. Para a gente protocolar um pedido de licença na prefeitura, muitas vezes precisamos da liberação da CETESB, que é um órgão do governo do estado ligado ao meio ambiente. Só que para protocolar na CETESB, eu preciso ter a regulação do imóvel. Só que sabemos que em bairros mais distantes não há imóveis regularizados, então a gente não consegue protocolar no estado e nem na prefeitura. Estamos fazendo um trabalho de formiguinha para convencer autoridades de que o mundo mudou.

ITF: Queria passar para o potencial de novos negócios do 5G. Em linhas gerais, como a Conexis vê o potencial de negócio do 5G levando em consideração a expansão da conectividade e da inclusão digital.

São dois pontos, um regulatório e um de negócio. Do ponto de vista regulatório, o edital do 5G foi a maior política pública de inclusão digital que o país já fez. Direcionou quase R$ 40 bilhões em investimentos para levar conectividade para o país todo. Onde não temos 4G, vamos passar a ter. Alguns trechos de rodovias federais passarão a ter cobertura. Localidades do Norte passarão também a ter conectividade. Vai levar conectividade para as escolas. O pacote do edital foi bastante inclusivo. Do ponto de vista tecnológico e de negócios, a expectativa é muito grande para que os setores se atentem à importância do 5G. Nós temos atores que já se alertaram para isso. Nós vemos muitas empresas que atuam na área de eletroeletrônicos, indústrias que já estão robotizando suas plantas produtiva, algumas fazendas que já estão também conectando. Mas eu acho que os setores produtivos não perceberam de fato a importância do 5G, não é só uma internet mais veloz no celular. O 5G permite que várias aplicações ganhem eficiência, reduzindo desperdício, reduzindo acidentes de trabalho e trazendo ganhos de produtividade. Só que isso só vai ser percebido na medida que houver aplicações para o 5G. O 5G em si é só uma plataforma de aplicações.

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ITF: Aproveitando o gancho: uma pesquisa recente do IDC apontou que empresas no Brasil ainda não estão muito familiarizadas com potenciais tecnológicos do 5G que vão além da baixa latência e alta velocidade. Por que isso está acontecendo?

É uma tecnologia nova. Quando a gente olha para o resto do mundo, percebemos que muitos países já estão implantando o 5G desde 2019, mas cujas aplicações que são conhecidas ainda são incipientes, dado o potencial que poderá ser aplicado. No Brasil, a gente vem de uma crise desde 2015 que pressiona por redução de custos e avanço de novas tecnologia. Eu acho que ao longo do tempo, conforme começar a funcionar o 5G no país, a percepção da importância da tecnologia para a saída da crise vai ficar mais clara. O agro já está bem antenado nisso. A indústria, apesar do processo de desindustrialização do país que vem desde os anos 90, pode sair fortalecida no processo de ‘catch up’ com o qual ela consiga fazer essa transição rápida para uma situação melhor. As cidades vão perceber o impacto de uma cidade inteligente, que melhora o transporte público, reduz a poluição cidade. Mas isso vai ser percebido ao longo do tempo. Isso vai ser percebido ao longo do tempo, as coisas vão evoluir ao longo do tempo em uma dinâmica que é muito comum com novas tecnologias.

ITF: Essa mesma pesquisa da IDC também apontou uma falta de entendimento dos consumidores sobre o potencial do 5G além da altíssima velocidade. Há um problema de comunicação por parte do mercado sobre o potencial do 5G?

Não acho que é comunicação. Na verdade, é o início de um processo de adoção tecnológica. Em todo o início de uma trajetória tecnológica, existe um desconhecimento das suas potencialidades, vis a vis o que ela pode oferecer. Ao longo do tempo essa distância vai diminuindo até que fique claro o potencial da tecnologia. Um exemplo claro é o 4G, quando ele foi lançado, ninguém imaginava que a gente ia viver grudado no celular. Hoje, isso é muito mais claro, já está projetado nos modelos mentais a importância de se ter um celular disponível.

ITF: Mas para a monetização do 5G também é preciso de dispositivos 5G na mão das pessoas. No contexto da crise e do alto preço de dispositivos 5G, como a Conexis enxerga que isso vai impactar o setor?

Na mão das pessoas e nas coisas, né. Esse é o ponto crucial do 5G, vai estar na mão das pessoas, mas vai estar também nos diversos dispositivos que vão estar conectados ao 5G em função da sua potencialidade nessas aplicações. A densidade de dispositivos por quilômetro quadrado é muito maior do que no 4G. Tanto é que nós prevemos chegar a 500 milhões de usuários no mundo em três anos – o 4G foi em seis anos. No sentido de monetizar as redes, vamos ter um trabalho de comunicação nosso, mas é um processo retroalimentador: a gente oferece o serviço, aparecem os aplicativos que usam nossos serviços, o que nos faz fazer mais comunicação. É um círculo virtuoso de investimento, no qual nosso investimento gera a oferta e a comunicação gera demanda, e ambos vão caminhando para o melhor uso da rede possível.

ITF: Qual a janela de tempo de rentabilidade que a Conexis enxerga para o B2C com o 5G?

Isso não vai demorar muito tempo. Hoje, o aparelho 5G está bem mais barato do que há 5 meses. A escala populariza a tecnologia. À medida que for aumentando a escala da adoção do 5G, o preço vai caindo e todo mundo vai poder acessar o 5G. Claro, nos primeiros anos temos as obrigações, há uma relação ainda a ser compensada devido a essas obrigações. Mas a maioria das obrigações são monetizáveis. Do ponto de vista setorial, tende a ser mais curto do que foi o 4G. O 4G, de 2012, começou a ficar viável quatro ou cinco anos depois. Mas nós estamos há dez anos do lançamento do 4G e ele ainda precisa ser rentabilizado frente a todos os investimentos que foram feitos no passado.

ITF: Voltando ao potencial B2B de negócios do 5G, queria falar sobre o ponto das redes privadas. Como a Conexis vê essa questão do ponto de vista da geração de novos negócios?

A gente gosta de falar em ‘redes dedicadas’. É uma fronteira do ponto de vista do uso de espectro e as operadoras estão totalmente preparadas para oferecer aplicações específicas em ambientes específicos mediante acordos comerciais. Nós achamos que é positiva essa tendência é que as operadoras estão em melhores condições para ofertar isso nos ambientes produtivos por já ter o ‘know-how’ de 25 anos atuando no setor e, dada a escala que possuem, as melhores condições econômicas para os clientes B2B.

ITF: Qual o potencial de geração de receitas do 5G para o segmento B2B?

É um desafio.  Nossa receita, em termos reais, vem caindo a cada ano. Quando a gente pega nossa série histórica, desde 2014 a gente só vê caindo a receita real, frente a uma exigência de investimento muito mais alta, proporcionalmente. Talvez a gente seja um dos setores com maior relação investimento por receita líquida do país. A gente trabalha sempre tentando melhorar a oferta do serviço com redução de custos e ganho de produtividade. Existe um ponto no qual nós acreditamos em que esse retorno pode ser mais rápido, desde que haja mais isonomia no uso das redes. Não é viável, ou saudável, um setor fazer todo investimento de infra e outro setor usufruir dessa rede para prestar serviços e ter alto rendimento. Quando nós observamos os grandes ocupantes das redes, entendemos que eles poderiam participar dos investimentos, ou ter um tratamento diferenciado para esse grupo, que é totalmente legítimo, mas acaba exigindo volume de investimento muito elevado que não é compatível com o nível de receita que estamos tendo em função deles mesmos. Então é necessário haver um equilíbrio regulatório que permita a ocupação mais racional das rezes.

ITF: Quais tipos de mudanças regulatórias?

Nossa carga tributária é de 47%, em média – sem computar o retorno do ICMS. As big techs pagam bem menos tributos do que nós. O equilíbrio tributário seria justo do ponto de vista de desoneração das redes, desonerar nossos investimentos. Do ponto de vista regulatório, um exemplo: até hoje, quando o cliente vai na loja comprar uma linha, temos que imprimir um papel, assiná-lo, escanear e guardar aquele negócio. Por outro lado, quando você assina qualquer aplicativo, você faz isso pelo celular. O custo para imprimir as folhas de papel e guardar não é compatível com o nível de investimento que a gente faz vis a vis um aplicativo, que não faz investimento nenhum, não paga tributo nenhum e tem uma alta rentabilidade. É disso que estamos falando.

ITF: Ainda sobre a questão regulatória, alguns representantes da indústria – como o CEO da TIM, Alberto Griselli – defendem a revisão da neutralidade da rede no contexto da chegada do 5G. Como a Conexis se posiciona?

Nós entendemos que a legislação existente é pacífica em relação ao ‘network slicing’. Eventualmente, caso seja necessário algum ajuste, autoridades estão avaliando essa possibilidade. O fato é: sem slicing não existe o 5G. O coração do 5G é justamente a possibilidade de se fazer ‘slicing’, através do qual diversas aplicações poderão ser ofertadas de maneira diferenciada. Esse é o ‘core’ do negócio do 5G, senão não faz sentido. A neutralidade é um ponto importante no negócio do 5G, existe um entendimento de que a atual normativa já abrange o ‘slicing’. Talvez um tratamento diferenciado em relação à compreensão correta do que seja o ‘slicing’ e o que já está previsto no decreto do Marco Civil da internet. Isso significa que estamos atentos às possibilidades de avaliação normativa e regulatória em relação ao tema, para usufruirmos e prestarmos o serviço com o máximo de segurança jurídica em relação a neutralidade da rede.

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