A revolução da saúde: medicina preventiva, a era dos dados e o Open Health

Personalização, digitalização e prevenção geram medicina capaz de antecipar doenças e garantir um estilo de vida mais saudável

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9:15 am - 16 de agosto de 2022
médico, medicina, consulta Imagem: Shutterstock

A medicina normalmente é associada ao tratamento de doenças ou queixas preexistentes; estar doente e ir ao médico sempre foram padrões quase indissociáveis. No entanto, esse cenário vem mudando: enquanto a medicina reativa possui um CAGR de apenas 3% até 2030, a medicina preventiva tem um CAGR previsto de 10 a 12% para o mesmo período, criando um valor de mercado de até 3,5 trilhões de dólares, conforme dados divulgados pela Strategy&, braço de consultoria estratégica da PwC.

O CAGR ou Compound Annual Growth Rate, por sua vez, mede a taxa de retorno do investimento em determinado período e é ideal para comparar investimentos ou setores variados – dessa forma, reflete adequadamente a diferença de crescimento entre as duas vertentes da medicina.

Essa “nova” medicina personalizada ou de previsão tem como principal objetivo a criação de soluções de saúde únicas que previnam complicações futuras por meio de uma abordagem holística do indivíduo. Ao combinar personalização, digitalização e prevenção, gera soluções cotidianas para antecipar eventuais doenças e garantir um estilo de vida mais saudável. A ótica é bastante fundamentada: nos Estados Unidos, calcula-se que mais de um quarto das doenças estariam ligadas a riscos evitáveis, segundo informações do The Lancet.

Além disso, o foco da medicina preventiva é total no cliente – em vez do paciente – e a única forma de oferecer as melhores soluções é pelo mapeamento constante de diversos setores de sua vida, como realização de atividades físicas, nutrição, sono, aspectos genéticos, mobilidade, batimentos cardíacos, período menstrual, dentre outros. Esses fatores normalmente são mapeados por meio de wearables, como smart watches, e aplicativos.

Em decorrência do imenso volume de dados coletados, a segurança e privacidade são preocupações constantes tanto das empresas do setor de saúde – especialmente das healthtechs – quanto dos consumidores.

A LGPD, embora inclua na definição de dados pessoais sensíveis aqueles relativos a saúde, vida sexual e dados genéticos, não fala especificamente sobre os tipos de informações que efetivamente estariam incluídos nessas categorias, levantando dúvidas a respeito da classificação e tratamento de certos dados, como sono e exercício. Entretanto, a lei determina que o artigo que fala sobre o tratamento de dados sensíveis também será aplicável a qualquer tratamento de dados pessoais que revele dados pessoais sensíveis e que possa causar dano ao titular. Ou seja, na medida em que informações como sono e exercício sejam diretamente utilizadas para traçar perfis de saúde de um indivíduo, elas podem ser consideradas como dados pessoais sensíveis, dependendo do contexto.

A lei ainda estabelece uma série de restrições em relação ao uso de dados pessoais sensíveis referentes à saúde, principalmente com objetivo de obter vantagem econômica, sendo imprescindível que as empresas que pretendem trabalhar com esses dados avaliem se seus processos estão, de fato, em conformidade com a LGPD.

Além da adequação à LGPD, é de suma importância compreender que o tratamento de dados de saúde pressupõe a adequação às resoluções da Agência Nacional de Saúde (ANS) e do Conselho Federal de Medicina (CFM), além de normas internacionais de padronização – as ISOs – focadas no tratamento de dados pessoais de saúde.

A necessidade de observância de normas diversas aumenta os custos e riscos para os players do setor de saúde, principalmente em decorrência do rápido avanço tecnológico que promove a dinamização de informações e acesso à saúde.

Nesse sentido, convém destacar o esforço da Confederação Nacional de Saúde em garantir a conformidade dos hospitais e laboratórios com a LGPD; para tanto, foi lançado em 2021 o “Código de Boas Práticas: Proteção de Dados para Prestadores Privados em Serviço de Saúde”. O Código busca trazer mais segurança à preservação de dados de modo a operacionalizar normas regulatórias e de proteção de dados na esfera das healthtechs. Ademais, além da proteção de dados em si, a adoção do código de boas práticas representa um diferencial de competitividade às empresas. Com efeito, a geração de maior valor e a segurança dos consumidores são fatores determinantes nas dinâmicas de mercado e na escolha do usuário.

Outro movimento bastante recente relacionado ao cenário de data privacy no setor é o Open Health. Assim como o Open Banking e o mais recente Open Insurance, o Open Health teria a função de “ampliar a concorrência no setor de saúde suplementar”, conforme afirmou o atual ministro da Saúde, Marcelo Queiroga. O projeto está ainda sendo estudado pelo Ministério.

Atualmente, a empresa que coleta determinado dado de saúde é a única que tem acesso direto a ele, podendo mapear o estado de saúde do cliente e, inclusive, oferecer produtos baseados nesses dados. Com o Open Health, o cenário muda completamente: o cliente pode passar a ter mais controle sobre seus dados, podendo escolher com quem, quando e quais dados compartilhar para obter melhores ofertas no setor de saúde.

Por outro lado, os players de saúde, ao terem acesso a mais dados daquele cliente (sem precisar passar meses ou anos os coletando), podem oferecer soluções personalizadas e mais eficientes para cada pessoa.

Consequentemente, espera-se que o Open Health de fato aumente a competição entre as empresas do setor, uma vez que o cliente passará a ter ofertas alinhadas com seu perfil em diversas instituições e não somente naquela que antes era a única que tinha acesso àqueles dados específicos.

A LGPD e as outras normas de proteção de dados de saúde, por sua vez, continuarão permeando as relações; no entanto, como o usuário passará a dispor livremente de seus dados via API, podendo transportá-los para onde e como quiser, espera-se que o elemento consentimento fique ainda mais claro e as relações mais delimitadas. À vista disso, ficaria mais fácil afirmar objetivamente quando determinado player desrespeitou as regras que o próprio usuário impôs para o uso de seus dados. Esse mecanismo confere maior segurança para todos.

Frente às mudanças trazidas pela virtualização dos serviços e crescimento das startups no segmento de saúde, o Open Health aproxima-se a cada dia. Para os players de saúde, é momento de entender as mudanças e adequar-se ao mercado que está por vir.

* Carla do Couto Battilana é sócia na área de Cybersecurity & Data Privacy de TozziniFreire Advogados

** Marco Aurélio Torronteguy é sócio na área de Ciências da Vida e Saúde de TozziniFreire Advogados

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