Conforme a adoção dos dispositivos de realidade virtual aumenta, questões de privacidade podem surgir
Pesquisadores descobriram que dados de movimento das mãos e da cabeça em realidade virtual podem ser usados na identificação de usuários
Dados de movimento da cabeça e de movimento das mãos coletados de headsets de realidade virtual (VR) podem ser tão eficientes na identificação de indivíduos quanto impressões digitais ou escaneamentos faciais, demonstraram estudos de pesquisa. Isso pode comprometer a privacidade do usuário ao interagir com ambientes virtuais imersivos.
Dois estudos recentes realizados por pesquisadores da Universidade da Califórnia, em Berkeley, mostraram como os dados coletados por headsets de VR poderiam ser usados para identificar indivíduos com alto nível de precisão, potencialmente revelando uma série de características pessoais, como altura, peso, idade e até estado civil, de acordo com um artigo da Bloomberg publicado na última quinta-feira (10).
A demanda por headsets de VR tem crescido significativamente nos últimos anos, à medida que dispositivos cada vez mais poderosos estão ficando disponíveis por preços mais baixos. As vendas de headsets de realidade virtual e realidade aumentada (AR) devem atingir 10 milhões neste ano, segundo analistas do IDC, alcançando 25 milhões em 2026.
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Apesar da rejeição ao conceito do chamado metaverso, grandes empresas de tecnologia como a Meta, Apple e HTC continuam investindo dezenas de bilhões de dólares anualmente no desenvolvimento de dispositivos de VR e AR, na tentativa de impulsionar a adoção em massa.
Esses dispositivos contêm uma variedade de câmeras e sensores que podem rastrear movimentos corporais, oculares e faciais. Eles servem como entradas para aplicativos de software de VR, permitindo que os usuários interajam com ambientes virtuais. Os dados são processados no dispositivo, mas também podem ser compartilhados com servidores externos, aplicativos de software, como games, e plataformas de reuniões virtuais, o que aumenta o risco de vazamento de dados pessoais.
Dados de movimento e identificadores únicos
Um estudo, publicado pelos autores da UC Berkeley em fevereiro, examinou como os dados de movimento gerados em dispositivos de VR podem ser usados para “identificar exclusivamente” um usuário que, de outra forma, permaneceria anônimo.
O estudo envolveu dados coletados de mais de 55 mil contas de usuários no Beat Saber, um popular jogo de realidade virtual baseado em ritmo que vendeu milhões de cópias desde o lançamento. Os pesquisadores analisaram dados públicos de 2,5 milhões de gravações de jogo usando algoritmos de machine learning e conseguiram identificar indivíduos de um grupo de 50 mil com uma taxa de precisão de 94%, usando apenas 100 segundos de dados de movimento da cabeça e das mãos.
Há décadas que sabemos que os dados de movimento podem ser usados para identificar indivíduos, mas os pesquisadores da UC Berkeley afirmam que este é o primeiro estudo a mostrar a amplitude da ameaça à privacidade. A adoção cada vez mais ampla de headsets de VR e jogos como o Beat Saber podem oferecer acesso a um conjunto de dados muito maior do que estudos anteriores, que se baseavam em grupos de participantes muito menores – o maior deles até então teve 511 usuários, conforme referenciado em um estudo de 2020.
“Este trabalho é o primeiro a realmente demonstrar até que ponto a biomecânica pode servir como um identificador único na VR, em pé de igualdade com biometrias amplamente usadas, como reconhecimento facial ou de impressão digital”, indica o artigo da pesquisa.
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A diferença é que o reconhecimento facial e de impressões digitais não são necessários para acessar os serviços de internet existentes, observam os pesquisadores em um documento em .pdf relacionado aos estudos, enquanto os dados de movimento são uma “parte fundamental” de como os dispositivos de AR e VR funcionam e devem ser compartilhados com “uma variedade de partes para permitir experiências no metaverso”.
Outro estudo, publicado em junho, envolveu uma pesquisa com mais de mil participantes que responderam a uma série de perguntas sobre 50 atributos relacionados a antecedentes pessoais, demografia, padrões de comportamento e informações de saúde. Os resultados mostraram que mais de 40 elementos poderiam ser “consistentemente e confiavelmente” inferidos quando algoritmos de machine learning e deep learning foram aplicados aos dados de movimento gerados por jogadores do Beat Saber.
O objetivo do estudo foi demonstrar que “uma ampla variedade de variáveis pessoais e sensíveis à privacidade podem ser inferidas a partir dos movimentos da cabeça e das mãos”, afirmaram os pesquisadores. Os resultados devem destacar a “necessidade urgente de mecanismos de preservação da privacidade em aplicações de VR multiusuário”.
Embora muitas pessoas estejam acostumadas à coleta de dados em plataformas de internet existentes, os pesquisadores argumentam que há pouca conscientização sobre preocupações com a privacidade em ambientes virtuais imersivos, além de uma falta de ferramentas disponíveis para preservar o anonimato.
Privacidade na realidade virtual se torna prioridade para empresas de tecnologia
Desafios de privacidade não são novos, mas dispositivos de VR/AR e ambientes virtuais apresentam uma nova fronteira.
“Como vimos, a maior digitalização introduz novos riscos na exposição de informações privadas”, afirmou Tuong Nguyen, diretor analista do Gartner. Além de criar experiências personalizadas para os usuários, os dados dos headsets de VR também podem ser “reconstruídos em um perfil comportamental – outro vetor altamente detalhado de informações privadas”, disse Nguyen.
“Como são usados no rosto dos usuários, os headsets de VR são inerentemente íntimos”, disse Leo Gebbie, analista da CCS Insight. Dispositivos cada vez mais sofisticados “veem o que o usuário vê graças às câmeras externas e podem rastrear os movimentos e comportamentos dos usuários, graças à sua variedade de sensores”, ele disse. “Isso claramente gera questões em torno dos dados do usuário e da privacidade, já que essa é possivelmente uma forma mais invasiva de tecnologia vestível do que qualquer coisa que já tenhamos visto antes”.
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Conforme a adoção cresce, os fornecedores de headsets de VR já estão trabalhando para lidar com preocupações de privacidade. Isso inclui “limitar a quantidade de dados biométricos disponíveis para aplicativos de terceiros, processar e manter dados de rastreamento adicionais no dispositivo, anonimizar e agregar quaisquer dados compartilhados, etc.”, disse Nguyen.
A questão da privacidade do usuário se tornará “extremamente importante” para a indústria de VR, disse Gebbie. “Já estamos vendo empresas intensificarem seus esforços para antecipar essas preocupações”.
Gebbie citou o headset Vision Pro, da Apple, que inclui 12 câmeras, cinco sensores e seis microfones, mas “manterá dados vitais do usuário, como rastreamento ocular e escaneamento da íris, totalmente criptografados e no dispositivo, para acalmar as preocupações dos usuários.
“Espero ver isso se tornar uma área de foco mais significativa para concorrentes como a Meta, que também estarão interessados em demonstrar que respeitam a privacidade do usuário”, disse ele.
Em uma entrevista recente, Mike LeBeau, líder de Produtos da plataforma Horizon Workrooms, da Meta, discutiu o compromisso da empresa com a privacidade do usuário em seu dispositivo premium Quest Pro.
A privacidade dos funcionários no ambiente de trabalho também é uma preocupação
Nos últimos anos, diversos fornecedores de headsets de VR têm direcionado a atenção para casos de uso empresarial, onde as taxas de adoção ainda são baixas. Até o momento, os usos comerciais envolveram principalmente treinamento de funcionários e assistência remota, embora os fornecedores esperem que a VR eventualmente seja usada para colaboração e produtividade no ambiente de trabalho também.
Preocupações com a privacidade de dados podem levar à resistência por parte dos funcionários, afirmou Gebbie. “Os funcionários podem sentir que os headsets de VR são uma invasão de sua privacidade, especialmente porque muitas pessoas agora trabalham de forma flexível e podem resistir à ideia de trazer um dispositivo com várias câmeras e sensores para suas casas”, disse ele.
A capacidade de identificar indivíduos por meio de dados de rastreamento de movimento pode apresentar uma variedade de problemas. Por exemplo, isso poderia impedir a separação de perfis de trabalho e pessoais, afirmaram os pesquisadores da UC Berkeley.
“Considere uma figura pública que usa regularmente um sistema de VR com suas credenciais corporativas para realizar reuniões e trabalhos profissionais. À noite, eles fazem login com uma conta diferente para jogar jogos multiplayer de VR (onde podem não se comportar da maneira mais profissional) e, mais tarde, à noite, eles usam uma terceira conta para experiências de VR adultas”, disseram os pesquisadores.
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“A maioria das pessoas nessa situação preferiria razoavelmente que os provedores de serviços não fossem capazes de vincular essas contas. Como está, os padrões únicos de movimento do usuário permitiriam que qualquer observador (ou grupo de observadores em conluio) vinculasse rapidamente todas essas contas juntas”.
Os usuários de smartphones e serviços em nuvem mostraram uma notável disposição para trocar privacidade por conveniência no passado. O mesmo pode ser verdadeiro para a VR.
“Antigamente, os funcionários talvez não quisessem um smartphone do trabalho, já que esse dispositivo também tem câmeras, microfones e torna as pessoas mais acessíveis fora do horário de trabalho; mas isso foi gradualmente normalizado como comportamento”, disse Gebbie. “O VR pode seguir um caminho semelhante, onde pode haver alguma resistência inicial, que relaxa ao longo do tempo”.
Do ponto de vista dos negócios, os riscos de privacidade de dados até o momento são limitados, dada a adoção discreta da VR no mundo empresarial até o momento. “O uso de VR em empresas ainda está em estágio inicial”, disse Nguyen. “Há preocupações tanto de privacidade quanto de segurança, mas no momento a escala pequena ameniza um pouco o risco potencial”.
Como exemplo, ele disse que a implantação de seis smartphones em comparação com uma implantação em toda a empresa significa níveis diferentes de risco.
“Há risco em ambos os casos, mas a magnitude do último aumenta o risco substancialmente de maneira não linear”, disse ele.
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