Paddy Cosgrave: vozes discordantes sobre IA são importantes para ‘evitar ficar cego pelo hype’

Colocamos algumas questões a Paddy Cosgrave, CEO do Web Summit

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10:00 am - 03 de maio de 2023
Paddy Cosgrave, CEO do Web Summit (Imagem: Divulgação) Paddy Cosgrave, CEO do Web Summit (Imagem: Divulgação)

Estão desde ontem abertas as portas da Web Summit – Rio de Janeiro. Foram meses de preparação e contatos com o mercado brasileiro. Colocamos algumas questões a Paddy Cosgrave, CEO do Web Summit. A força do Brasil como incrível lugar de negócios, e a beleza da “Cidade Maravilhosa” já contagiaram o irlandês, cofundador do maior evento de negócios do setor tecnológico no mundo.

Qual foi a vossa principal motivação para escolher o Rio de Janeiro como a cidade anfitriã do Web Summit deste ano?

Decidimos realizar o evento no Rio de Janeiro porque o Brasil tem se tornado um grande player no cenário mundial de startups. Nos últimos anos, vimos o número de empresas da América do Sul e do Brasil crescer de quase nada para um dos maiores grupos na nossa Web Summit anual em Lisboa.

O Brasil é agora um dos locais mais procurados pelos investidores, com mercados que anteriormente eram ignorados a receberem muita atenção. Tudo isto faz parte do crescimento dos países BRICS, e esperamos que continue durante a próxima década. As pessoas estão a começar a perceber que o Brasil é o lugar certo e estão a apanhar aviões para o visitar.

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Quando estávamos à procura de uma cidade para acolher a primeira edição fora da Europa e de Portugal, tínhamos muitas opções. Mas ficamos apaixonados pelo Rio. O cenário é fantástico e a comunidade de startups está a prosperar. Também tem ótimas ligações para fundadores e investidores internacionais. Pensamos que 5.000 participantes seria ambicioso, mas acabámos por ter mais de 20.000 no primeiro ano! É uma loucura, mas estamos ansiosos por ver onde isto nos leva.

Quais foram os principais desafios que enfrentou na organização do evento no Brasil? Houve alguma diferença significativa em relação à preparação dos eventos em Lisboa?

A construção tem sido extraordinariamente tranquila. Penso que quando já se fez o Campeonato do Mundo e os Jogos Olímpicos, é possível gerir a Web Summit. O Rio está bem habituado a receber grandes eventos mundiais.

No que diz respeito aos conteúdos, não há muitos temas que sejam exclusivos do Brasil ou do Rio, porque a tecnologia já não é um fenômeno do Silicon Valley. É praticamente um fenômeno global. Claro que existem idiossincrasias em todas as grandes regiões em que operamos e tentamos refleti-las. Devido à enorme variedade de participantes de mais de 100 países em todo o mundo, o evento é quase inteiramente em inglês, pois tentamos acomodar o maior número possível de pessoas que viajam de todos os cantos do mundo.

Como vê o cenário de tecnologia no Brasil e na América Latina em geral? Há algum setor em especial que acredita estar em ascensão na região?

Nos últimos anos, vimos a participação de empresas da América do Sul, e em particular do Brasil, passar de quase zero para um dos maiores países em termos de participação na nossa Web Summit anual em Lisboa. É o país com o maior número de empresas em fase de arranque e de participantes fora do mundo ocidental.

Portanto, é bastante claro que, pelo menos na última meia década, algo substancial tem estado a acontecer na América do Sul, mas em particular no Brasil.

E há agora uma enorme atividade em mercados que tradicionalmente eram totalmente ignorados pelos investidores, muitas vezes ignorados pelos jornalistas de negócios tradicionais em Nova Iorque ou noutros locais.

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Os BRICS são atualmente os pontos quentes do crescimento. De facto, prevê-se que seja deles que virá a maior parte do crescimento mundial na próxima década. Aqueles que antes eram céticos não o poderão negar por muito mais tempo. O Brasil, em particular, é um lugar onde é preciso estar. As pessoas estão a afluir para lá, com mais de 20.000 participantes no nosso evento no Rio – muito mais do que esperávamos. É impressionante.

Quais são os principais temas que serão debatidos na Web Summit Rio de Janeiro e por que razão foram escolhidos esses temas?

IA, IA e IA. É o que vai dominar os debates e conversas.

O burburinho em torno da IA é intenso, e é importante ouvir vozes discordantes para evitar ficar cego pelo hype. Também temos de considerar as potenciais desvantagens desta tecnologia.

No entanto, no meio de todo o barulho, estou entusiasmado com a nossa faixa IMPACT no Web Summit Rio. Esse movimento incentiva empresas e empreendedores a usar a tecnologia para beneficiar sua indústria, comunidades e o planeta, guiados pelos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU.

No Web Summit Rio 2023, estamos a celebrar os agentes de mudança que lideram estes movimentos. Estes estão a trabalhar em soluções para enfrentar as mudanças climáticas, os direitos humanos, a educação e muito mais. Uma das palestras mais populares será a da brasileira Bianca Andrade, uma influenciadora e empreendedora com milhões de seguidores, que discutirá o uso de plataformas sociais para um impacto positivo com a editora-chefe da Vogue Brasil.

O ecossistema de empreendedorismo no Brasil é enorme e muito mais dinâmico do que o europeu. Qual é o papel e o lugar da Web Summit neste ecossistema, e como pode a Web Summit contribuir para a inovação na América Latina?

Penso que por vezes é bom olhar para o passado e perguntar o que é que aconteceu com Lisboa? A razão pela qual Lisboa se candidatou a acolher a Web Summit foi porque queria mudar a perceção. E não apenas em Lisboa, Portugal, mas Lisboa em particular, que era mais do que um destino de férias, que era uma cidade de negócios séria. E quando tomámos a decisão, muitos jornalistas perguntaram “O quê? Isto não é uma grande cidade de negócios, e Paris, ou Londres, ou Berlim? Nós dissemos “não, nós vemos algo em Lisboa, achamos que é um sítio especial, achamos que é um sítio bonito, achamos que é ótimo para acolher um evento global, achamos que as pessoas querem ir para lá”. E, ao longo de meia década, Lisboa passou de nunca aparecer em nenhum ranking, ninguém queria ir para lá, ninguém queria criar uma empresa lá, para agora, se pesquisarmos no Google, entre os nômades digitais ou engenheiros de software que trabalham remotamente, Lisboa está consistentemente classificada entre os cinco primeiros, se não o primeiro local mais desejado do mundo.

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Portanto, a marca mudou, e era isso que os portugueses queriam alcançar. Claro, há benefícios para os hotéis, há benefícios para os táxis, há benefícios para os restaurantes – essa era uma boa justificativa. Claro que a cidade tem de justificar a parceria, mas de fato os líderes políticos tinham uma visão de muito mais longo prazo para Portugal e para Lisboa. E isso resultou, talvez tivesse resultado sem a Web Summit. Quer seja o New York Times ou o The Financial Times, atribuem a chegada da Web Summit a Portugal, e a Lisboa em particular, à mudança de percepções. Não se trata apenas de um destino de férias onde as pessoas vão para festejar e divertir-se. É um sítio fantástico para construir um negócio, para começar um negócio. Talvez isso aconteça com o Rio, não sei bem. Espero que construamos não a conferência de tecnologia mais importante da América Latina, mas a conferência de negócios mais importante, porque se torna uma desculpa – como se tornou a Web Summit em Lisboa – que é a maior conferência de negócios da Europa. Não são apenas as empresas tecnológicas, são todos os outros tipos de empresas – os CEO e os executivos seniores dos principais bancos europeus, das companhias de seguros, dos maiores retalhistas da Europa, de todo o mundo, todos reunidos. A desculpa é a tecnologia, mas estão todos a fazer negócios uns com os outros. Esperemos que, nos próximos três a seis anos, seja isso que aconteça no Rio.

Como vê o futuro da Web Summit na América Latina? Há planos de realizar o evento em outras cidades da região no futuro?

Vamos nos concentrar em transformar o Web Summit Rio na conferência de tecnologia mais importante da América Latina e da região nos próximos anos. Já temos 100 países viajando no primeiro ano e isso provavelmente aumentará à medida que a marca Web Summit Rio crescer na região.

Anunciámos há algumas semanas que íamos realizar a Web Summit no Médio Oriente. A Web Summit Qatar terá lugar em Doha, em março de 2024. Esperamos que, em 2026, tenhamos algo em África, mas temos de encontrar o país certo para nós. Em 2025, recomeçaremos o nosso evento em Hong Kong.

Qual é a sua opinião sobre a importância da diversidade e da inclusão no setor tecnológico? Como é que a Web Summit está a trabalhar para promover estes valores no evento e na indústria em geral?

Temos uma série de programas que ajudam grupos desfavorecidos ou minoritários a participar a um custo muito baixo ou sem custos e, por vezes, os bilhetes são gratuitos através de diferentes programas. Em alguns casos, também concedemos bolsas para cobrir os custos de participação, alimentação e outros custos associados.

Há uma lista enorme de programas e pode começar com o programa “Mulheres e tecnologia”, que oferece bilhetes com um desconto muito acentuado para mulheres executivas e empresárias, entre 10% e 20% do preço normal dos bilhetes. Depois temos bilhetes para estudantes que não têm os recursos ou os meios para participar no evento, esses bilhetes são totalmente gratuitos para 300 estudantes que aspiram a trabalhar em tecnologia ou a criar empresas.

Estabelecemos parcerias com outras organizações, como o SENAC, para trazer grupos minoritários e desfavorecidos ao evento, e também para utilizar o evento para nos envolvermos com outros grupos marginalizados no período que antecede os eventos. Estas são algumas das formas de o fazer, mas são pequenas quando comparadas com a complexidade e a escala dos problemas mais vastos da desigualdade. É apenas uma conferência de tecnologia, não vai resolver estes problemas. Temos a obrigação de fazer algo relativamente a algumas destas questões.

Que oradores está mais entusiasmado para ver na Web Summit Rio e porquê?

Eu não escolho favoritos! No passado, já chateei alguns grandes parceiros, por isso mantenho-me neutro. Contamos quais são as palestras mais favoritas na aplicação e, atualmente, a IA está a dominar, o que não é surpresa. Quer seja ou não exagerada, as pessoas querem saber como vai mudar a forma como trabalhamos e criamos empresas.

Como acredita que a Web Summit pode contribuir para o desenvolvimento econômico e social do Rio de Janeiro e do Brasil?

Espero que, quando milhares de empresários de todo o mundo aterrarem no Rio, vejam como é incrível e como é perfeito para criar uma empresa. Há um efeito colateral que vem com isso. Os investidores virão ao Rio para se inspirar nessas startups locais. É a altura de brilharem no palco global.

Portugal e o Brasil estão a sarar as feridas causadas pelo anterior Presidente do Brasil. Neste momento em que lhe escrevo, Chico Buarque recebe o Prêmio Camões, atribuído em 2019. O anterior Presidente do Brasil não concordou com a atribuição do prêmio. Como é que vê as mudanças políticas no Brasil? Que papel pode desempenhar a Web Summit nas relações Portugal-Brasil?

Está a haver uma mudança no mundo. Todos os governos europeus, quase sem exceção, têm uma delegação comercial para falhar na Web Summit Rio. Porquê? Porque, apesar de tudo o que os governos europeus estão a dizer atualmente, vão perceber que a escrita está na parede e que têm de estar no Brasil. Têm de estar na América Latina. Todo o crescimento da próxima década ou duas não virá da Europa. Virá de sítios como a América Latina. Acho que eles pensam que não está a acontecer nada.

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Haverá algum país na América Latina que passará por coisas terríveis? Sim, claro. Mas em termos de direção e trajetória nas próximas décadas, o crescimento é enorme. É muito difícil para as empresas europeias ignorarem-no.

Lula tornou-se no Presidente mais popular. O Brasil está a viver um momento. Há um sentimento crescente de estabilidade, especialmente sob Lula.

Qual é o seu comentário sobre a posição do Presidente do Brasil e as suas declarações sobre a invasão da Ucrânia pela Rússia?

É fascinante ler sobre Lula e o prefeito Paes na China. Atualmente, 19 países estão a candidatar-se a membros dos BRICS. Isto faz lembrar a história da Irlanda. Durante 700 anos, houve um império que governou o que, na realidade, era apenas uma pequena ilha chamada Irlanda, até deixar de o fazer. Sim, é interessante. Parece que o Império Ocidental persistiu durante cinco séculos, mas pode acabar por se desmoronar muito rapidamente. Muito mais depressa do que a maioria das pessoas esperava.

Acho que o mundo mudou. É claro que faz parte de uma mudança global muito maior e a mudança está a acontecer quase a todos os níveis. Talvez no setor da tecnologia as pessoas não estejam tão conscientes da mudança que está a ocorrer ou de quantas pessoas estão a criar empresas no resto do mundo e, especialmente, no gigante adormecido que é o Brasil e alguns dos seus vizinhos.

De repente, os BRICS são o espetáculo da cidade e é daí que vem todo o crescimento. É de lá que virá todo o crescimento na próxima década. As coisas estão a acontecer aqui e penso que aqueles que estão em negação não vão estar em negação por muito mais tempo. O Brasil é um sítio onde temos de estar. As pessoas estão a votar com os pés. Estão a entrar nos aviões. Os números que nós, francamente, não esperávamos (mais uma vez, pensámos que 5.000 era um número ambicioso e a cidade pensou o mesmo). Dissemos: “Vamos tentar atingir este objetivo, sabendo que podemos não o conseguir”. Depois, esgotar as vendas e ultrapassar os 20 000 participantes no primeiro ano é uma loucura.

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