Tempos de incerteza exigem revisão de habilidades dos líderes de tecnologia

Transformação digital ganha impulso com covid-19. Ambidestria organizacional deve orientar revisão das competências e estratégias

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12:00 pm - 01 de maio de 2020

Não é de hoje que os CIOs passaram a ter uma vocação de maior protagonismo nas corporações para além da infraestrutura de tecnologia. Entretanto, assumir esse papel nem sempre soa como uma etapa natural para muitos executivos. Se a cobrança pela transformação digital aumenta de todos os lados e de níveis hierárquicos, a pressão para entregá-la, com sucesso, pode transbordar rumo ao desgaste. Afinal, o que os líderes de tecnologia precisam ter em mente para entregar infraestrutura em dia e inovação a longo prazo em tempos de instabilidade? Sensibilidade e ambidestria são o caminho.

Norberto Tomasini Jr., sócio da PwC Brasil, endossa o termo que ficou conhecido como ambidestria organizacional. Em resumo, para inovar e manter a operação no dia a dia em um mundo de incertezas e imprevisibilidade como o de hoje é preciso usar o “lado esquerdo e direito do cérebro”, uma representação não só do equilíbrio, claro, mas da simultaneidade do uso da lógica e criatividade. “Como se vai conseguir fazer alteração de tecnologia, lidar com hierarquia, manter o SLA (Service Level Agreement) funcionando, a luz acesa, e ao mesmo tempo os squads rodando?”, questiona Tomasini. “Ele ou ela precisam ter a capacidade de analisar as coisas que não são tão materiais, entregar o futuro e ao mesmo tempo entregar o presente”, completa.

Olhando para sua trajetória profissional que soma cerca de 30 anos na indústria de tecnologia, John Abel, CIO global da Veritas, avalia que a evolução no papel do CIO seria “a de número três ou quatro” que já testemunhou. “Quando eu estava evoluindo na minha carreira, o CIO tinha um papel no departamento de infraestrutura, porque era quem conhecia dos servidores, do data center. E isso gradualmente evoluiu para se tornar um papel mais próximo aos negócios a medida que as aplicações migravam para a nuvem. Há ainda outra evolução, ao mesmo tempo que a segurança assume importante função no negócio”, analisa o executivo.

Para praticar habilidades essenciais é preciso tempo

Fale sobre posições em liderança de tecnologia e o senso comum te apontará para um histórico técnico. Mas para além das competências em tecnologia, tem ficado claro que as habilidades sociais são fundamentais para guiar estratégias e obter resultados. As chamadas soft skills – relacionadas ao comportamento humano – ganharam a luz da importância corporativa nos últimos anos e a atenção dos Recursos Humanos – e não à toa. “Agora são chamadas de essential skills, pois são essenciais”, sinaliza Tomasini. Esse tipo de bagagem é cobrada para criar um sentimento de propósito entre as equipes. “Se ele [líder de tecnologia] não der um propósito para cada squad, o squad se perderá”, destaca o sócio da PwC.

O conselho pode parecer, à primeira vista, óbvio, mas as lideranças precisam, reforça Tomasini, dedicar tempo para alinhar discussões estratégicas. “Duas horas no dia para conversar com as pessoas e entender com a equipe o que está acontecendo com o esquadrão”, indica. A inovação cobrada pela diretoria, por exemplo, também deve se encontrar na autonomia dos colaboradores para testarem e também segurança para quando se errar. “O CIO precisa também saber que, quando o lado da criatividade errar, ele terá de ir junto para fazer uma análise para entender e resolver”.

A agenda como um símbolo da reflexão da estratégia também deve ser levada para o nível da diretoria. “O CIO costumava a ser demandado, a fazer a gestão da demanda. Agora, ele tem de ir lá e gerar a demanda, influenciar e não ficar esperando. Antes, ele ficava esperando, pois não tinha agenda e perderia o prazo. Mas ele precisa resolver isso, precisa ser capaz de demonstrar que pode manter a luz acessa e gerar demanda para inovar. Agora, o ambiente de negócio é tão incerto, que esse cara vai ter de começar a pensar como ele alavanca a inovação dentro a empresa”, aconselha Tomasini.

A luz no fim do túnel: dados

Para John Abel, CIO da Veritas, o próximo passo na evolução do papel do CIO diz respeito à vocação e compreensão orientada aos dados. “As empresas estão buscando pessoas que conseguem entender que isso é um aspecto da transformação digital e os dados assumem um aspecto extremamente importante nisso”, pontua.

Dados oferecem um panorama do comportamento humano, do consumo, de tecnologia e esse tipo de conhecimento permite a tomada de conclusões perspicazes. Tome uma decisão sem baseá-las em dados e há chances de você falhar miseravelmente, aconselham em uníssono os executivos. Mas o discurso soa mais romântico na teoria do que na prática.

Para Abel, nesse sentido as empresas com modelos de negócio orientados para o público consumidor B2C – ele recorre aos exemplos da Netflix, Amazon e Apple – têm conseguido se sair melhor no uso de dados.

“Usar dados que você tem para enxergar as oportunidades e realmente transformar os negócios. A Netflix é um negócio totalmente diferente hoje do que era quando começou. A Amazon e a Apple são empresas totalmente diferentes hoje. Eu acredito que elas mudaram ao ler dados entendendo o comportamento do consumidor e respondendo a esse comportamento no mercado. Então, hoje, o CIO, é sobre entender como alavancar o uso de dados. E quais são as novas possibilidades em novos modelos de negócio ou novos fluxos de receita baseado no que eles já viveram”.

Para Abel, os projetos de transformação digital tendem a falhar em diferentes indústrias, pois as companhias não estão buscando filtrar os dados “certos”. “A tecnologia parece ótima, funciona bem, é fácil de operar, mas você tem conseguido bons dados? Você está alimentando as soluções com bons dados? A ênfase na qualidade dos dados está apenas começando a chegar. E isso é chave e diferencia as empresas que terão sucesso daquelas que vão falhar”.

“Fale a língua deles”

Para além dos conhecimentos em dados e outras tecnologias emergentes, Tomasini lembra que os CIOs mais visionários são aqueles que reconheceram a importância do conhecimento de finanças dentro da operação. “Falta ainda no CIO uma coisa básica que não é o Design Thinking. É o conhecimento básico do financeiro, saber o que é margem, margem bruta, imposto, são coisas que o C-Level precisa saber”, alerta. Para ele, líderes de tecnologia mais visionários se atentam para uma pós-graduação em administração de negócios e não tecnologia. “Tem de se buscar mais visão estratégica do negócio”.

André Andriolli, CTO da VMware Brasil, também sinaliza para a importância de CIOs e CTOs estarem “atentos ao contexto”. “A principal mudança, ao meu ver, de três anos para cá, um CTO poderia ser uma pessoa extremamente técnica e nada mais. Hoje não mais. você tem de entender o contexto da indústria onde você está, senão você não consegue tomar as decisões certas do negócio”. Para o executivo, a partir do momento que a economia se torna mais digital, assim como o comportamento das pessoas, é preciso não saber só de tecnologia – “mas como ela se interage com a área do negócio e as áreas da nossa vida”.

Estar atento ao outro

Se o mundo está mais complexo, ele também reflete nos diferentes papéis corporativos e nas interações. As companhias hoje lidam com a coexistência de, pelo menos, três diferentes gerações de clientes e de funcionários. “As gerações mais novas não entendem como as coisas no trabalho podem não ser tão abertas como aquelas fora do ambiente do trabalho”, compara Abel, CIO da Veritas, que acredita que a chave para uma boa cultura corporativa reside na interação e comunicação entre as diferentes gerações. “Eles”, diz sobre os jovem talentos, “trazem nova energia e especialidades em tendências que rondam as universidades”. Esta “coabitação”, segundo Abel, é um dos compromissos da Veritas, inclusive, como diferencial competitivo.

Segundo o executivo, jovens talentos também são uma espécie de filtro para apontar os novos fluxos de comportamento do consumidor seja ele corporativo ou final. A importância da experiência do consumidor hoje deve pautar também as soluções de tecnologia na ponta B2B. “Se não for fácil de entender, nós estamos falhando no que fazemos. É um desafio constante, especialmente devido ao alcance de tecnologias que oferecemos. Um exemplo que eu te daria, os CIOs tradicionais são experientes em aplicativos-chave que fazem muitas coisas, mas você tem que trabalhar para entender o que cada aplicação faz para maximizar o seu uso. Hoje às gerações mais novas estão se perguntando ‘você quer uma aplicação que faz 30 coisas ou você quer 30 aplicações que fazem uma coisa de cada vez realmente bem?’ A gerações mais antigas querem o primeiro cenário. E há uma diferença aí quando falamos sobre engajamento, esse é um dos desafios que CIO encontram hoje”.

Para Andriolli, líderes de tecnologia também devem buscar investir em inteligência emocional. “Entender e estudar tecnologia é fundamental, mas 90% do trabalho diz respeito às pessoas, compreender como elas se movem e se comportam, este é o grande trabalho”, finaliza.

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