Sustentabilidade: ‘foto do Brasil é boa, o filme é ruim’

Fabio Alperowitch, CFA da Fama Investimentos, afirma que parte das empresas não se preocupa com o meio ambiente e situação poderá ser irreversível

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2:30 pm - 03 de junho de 2022
Fabio Alperowitch, CFA da Fama Investimentos Fabio Alperowitch, CFA da Fama Investimentos

No Dia Mundial do Meio Ambiente, comemorado no próximo domingo (5), apesar de um esforço maior por metas de sustentabilidade, as notícias ainda não são boas. De acordo com Fabio Alperowitch, CFA da Fama Investimentos, se a sociedade – e as empresas – não se atentarem, poderemos entrar em um momento irreversível e com consequências sociais e ambientais aterrorizantes.

“Em continuando o caminho que estamos, até o final do século a gente está falando de um aquecimento entre 3 e 5 graus no planeta (dependendo das grandes economias como a China) e isso traz uma série de consequências. Por exemplo, a produção de grãos do mundo cai em um terço. Com isso, há escassez de alimento e, consequentemente, o aumento do alimento. Então aqueles que já têm dificuldade de comprar comida, vão ter dificuldade ainda maior porque terá menos alimentos e custarão mais caro”, alerta o especialista.

O executivo fundou a Fama em 1993 com seu sócio Mauricio Levi e se tornou uma referência em ESG no Brasil. A empresa foi uma vice-campeã do prêmio ESG Investment Awards de 2022 na categoria “Melhor Fundo de Investimento ESG: Ações de Mercados Emergentes”.

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Em entrevista exclusiva ao IT Forum, Fabio é bastante duro sobre ações empresariais e governamentais para o meio ambiente e frisa a importância das companhias de tecnologia. “O papel da tecnologia é fundamental em vários aspectos, desde desenvolvimento de tecnologia para sequestro de carbono, para retirar carbono da atmosfera, para reduzir a quantidade de emissão de carbono. Dá para usar, por exemplo, blockchain para mapear processos e cadeias de suprimentos, entendendo se determinado produto veio de área de desmatamento ou de violação de direitos humanos. Dá para usar tecnologia para desenvolver economia circular e com isso ter menos uso de materiais primários”.

Confira os melhores momentos da entrevista abaixo:

IT Forum: As empresas realmente estão levando sustentabilidade a sério?

Fabio Alperowitch: As pessoas, muitas vezes, têm percepções sobre o mundo empresarial vendo meia dúzia de empresas e esquece que o Brasil é composto de 20 milhões de companhias de vários tamanhos. As pequenas, médias e até grandes fazem nada com essa pauta e entre as empresas maiores – que são poucas, mas eventualmente são as que têm mais emissões de gás de efeito estufa – fazem mais do que faziam antes, mas ainda bastante insuficiente. São pouquíssimas as que estão fazendo o trabalho alinhado com as necessidades.

IT Forum: O que falta para as companhias focarem?

Fabio Alperowitch: Essa é uma questão coletiva, mas falta consciência, falta senso de urgência e falta maturidade.

IT Forum: Quem está fazendo realmente pensa que a sustentabilidade é importante ou faz por pressão, como de investidores?

Fabio Alperowitch: Eu acho que existem pressões que não são só de investidores, tem pressões da mídia, de consumidores, do publico interno, de clientes e fornecedores. Os investidores fazem pouca pressão, talvez alguma, mas acho que tem uma cobrança institucional que cresceu nos últimos anos.

IT Forum: Qual a urgência do tema de preservação ambiental?

Fabio Alperowitch: Urgentíssimo! O mundo está muito próximo do não retorno. Passando esse ponto, não tem solução nenhuma. Nem se as pessoas se conscientizarem ao extremo, passa a ser irreversível.

IT Forum: O que seria esse ponto de não retorno?

Fabio Alperowitch: Em continuando o caminho que estamos, até o final do século a gente está falando de um aquecimento entre 3 e 5 graus no planeta (dependendo das grandes economias como a China) e isso traz uma série de consequências. Por exemplo, a produção de grãos do mundo cai em um terço. Com isso, há escassez de alimento e, consequentemente, o aumento do alimento. Então aqueles que já têm dificuldade de comprar comida, vão ter dificuldade ainda maior porque terá menos alimentos e custarão mais caro.

IT Forum: Qual o papel da indústria de TI nesse movimento? Eles estão fornecendo ferramentas para isso?

Fabio Alperowitch: O papel da tecnologia é fundamental em vários aspectos, desde desenvolvimento de tecnologia para sequestro de carbono, para retirar carbono da atmosfera, para reduzir a quantidade de emissão de carbono. Dá para usar, por exemplo, blockchain para mapear processos e cadeias de suprimentos, entendendo se determinado produto veio de área de desmatamento ou de violação de direitos humanos. Dá para usar tecnologia para desenvolver economia circular e com isso ter menos uso de materiais primários.

Está muito claro que existe uma demanda muito grande para soluções nos assuntos ESG e, portanto, há empresas que estão usando soluções – algumas já lançadas e outras ainda estão na garagem. Há muito dinheiro buscando soluções tecnológicas para endereçar problemas ambientais e sociais.

IT Forum: Muitas empresas falam de metas de ESG. Mas, por outro lado, essas podem ser promessas vazias?

Fabio Alperowitch: Muitas empresas que não querem ser cobradas pelo mercado colocam metas folgadas no ponto de vista temporal ou frouxas do ponto de vista da maturidade das metas. E como o mercado ainda é muito cru nesse assunto, acaba aceitando e a companhia ganha um tempo para continuar transgredindo sem ter algum tipo de pressão do mercado.

IT Forum: Há pouco, o Bolsonaro assinou um decreto sobre o mercado de carbono. Porém, a ação foi bastante criticada. Por que o mercado não olhou com bons olhos?

Fabio Alperowitch: Primeiro porque o formato foi de decreto, que é um formato frágil. Segundo que não houve uma discussão ampla com a sociedade civil sobre isso. Já estava tramitando no Congresso um projeto que contemplava uma discussão ampla e ele foi atropelado por um decreto. O decreto também não diz nada, ele traz um monte de “jabuticabas” completamente na contramão do que está acontecendo no mundo. Coloca alguns critérios e mecanismos que não funcionam em outros lugares do mundo e provavelmente não vão funcionar aqui.

Por último, ele é muito abstrato. Ele não tem nenhuma obrigatoriedade, metas, setores envolvidos. É algo como: se você quiser, você pode ir por esse caminho. E isso não vai acontecer. Se for uma coisa voluntária, não precisa de governo. A regulação do carbono deveria ser uma conversa mais ampla com a sociedade civil, ter um modelo que funciona já em outros países e ter metas mais claras.

IT Forum: Foi quase como um conselho…

Fabio Alperowitch: A gente está em uma época eleitoral, então na lista de ações o governo poderá falar “regulei o mercado de carbono” – o que é uma mentira. O ministro do meio ambiente coloca no currículo de realizações feitas. Mas, para o Brasil, não tem nenhuma vantagem.

IT Forum: Quais iniciativas de outros países poderiam ser usados como exemplo para o Brasil?

Fabio Alperowitch: 70% do PIB mundial o carbono já é regulado. No Brasil a gente acha que esse é um tema novo, mas é bem difundido fora daqui. Cada país tem um mecanismo porque até a COP26, que aconteceu em novembro, tinha um artigo que ainda não tinha sido pactuado e falava sobre o comércio de crédito de carbono entre países. Como isso não tinha sido ainda estabelecido, cada país fez o seu próprio mecanismo. A união europeia tem um mecanismo, Canadá, Inglaterra, etc. A tendência é que isso seja algo mais global, mas não é o que acontece hoje.

O modelo mais comum é o cap and trade, onde cada empresa tem um limite de emissões. Vamos supor que a companhia pode emitir 100. Se ela emitir 120, terá que pagar pelos 20 adicionais. Se emitir 80, tem esses 20 de créditos que deixou de emitir e consegue vender esse crédito. Esse é um incentivo para que as empresas sejam remuneradas pelos seus esforços.

IT Forum: A partir de exemplos como esse de emissão de carbono, o Brasil é atrasado em relação a outros países?

Fabio Alperowitch: Essa é uma pergunta não tão fácil de responder. Quando a gente olha para um retrato, o Brasil está bem. O Brasil tem uma matriz energética fundamentalmente limpa, tem florestas, não tem muito carvão comparado com outros países. A foto do Brasil é boa, o filme do Brasil é ruim. O Brasil tem florestas, mas tem cada vez menos florestas; não tem muito carvão, mas tem cada vez mais; não tem um mercado de carbono regulado. Os outros países, embora estejam saindo de uma situação pior, eles são cada vez mais verdes. A China é o país com mais reflorestamento no mundo, a Europa tem cada vez menos carvão, entre outros exemplos. A gente sai de um patamar muito bom, mas estamos ladeira abaixo.

IT Forum: Olhando para o seu mercado, você acha que cada vez mais as empresas de investimento vão olhar para isso?

Fabio Alperowitch: Essa é uma dúvida que eu tenho também. Esse era um assunto quase que proibido dentro do mercado financeiro. Até três anos atrás, falar de direitos humanos ou sustentabilidade era muito malvisto. É um assunto que chegou recentemente e não sei que chegou por consciência ou por oportunidade uma vez que o mundo todo está cada vez mais investindo nisso. Aqueles que estão tratando o assunto agora, não sei se entenderam o problema que a gente vive ou se estão vendo de uma maneira oportunista. Se passarem alguns anos, o fluxo não vier para essas pessoas e elas continuarem falando de ESG, eu acho um ótimo sinal.

IT Forum: Quem não olhar para sustentabilidade vai perder espaço e se prejudicar financeiramente?

Fabio Alperowitch: Eu não tenho a menor dúvida. A geração Z não vai consumir produtos de racistas, homofóbicos, desmatadores, de quem não tem consciência climática. Também não vai investir ou trabalhar para empresas que não tenham essas questões endereçadas. Então eu acho que as empresas que estejam na contramão disso, vão acabar tendo dificuldade de reter e atrair talentos, de vender seus produtos, ser alvo de investimentos e assim sucessivamente.

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