Onde estão as empresas de tecnologia durante o combate ao coronavírus?

Apesar de ações pontuais, ainda não foi visto um movimento conjunto do setor para auxiliar o governo durante a pandemia. Mas esse cenário deve mudar

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8:00 am - 02 de abril de 2020

A expansão do novo coronavírus (Covid-19) segue pelo mundo. De acordo com o relatório publicado a quarta (01) pela Organização Mundial da Saúde (OMS) a doença, já classificada como pandemia, tinha um total de 823 mil casos confirmados em todo o mundo e 40 mil mortes. No Brasil, a conta já passa de 4,5 mil contagiados e 159 mortes. 

Desde o final da primeira quinzena de março, quando a doença passou a ser transmitida localmente e estava restrita a apenas aos viajantes vindos de zonas de risco, tanto governos como empresas se reuniram em esforços para implementar medidas que auxiliassem tanto na política de isolamento — essencial para não sobrecarregar o sistema de saúde público e privada — como para oferecer conteúdos e benefícios que auxiliem as pessoas nesse período de confinamento involuntário. 

Dentre todos os setores envolvidos nesse período, existem áreas que conseguem atuar de forma bem mais efetiva para ajudar a sociedade a atravessar esse momento. E o mercado de tecnologia definitivamente está nessa lista. Não apenas na liberação gratuita de soluções, iniciativa já adotada por algumas marcas, mas também no oferecimento de capital humano e uma participação mais ativa em conjunto com o governo.  

Caminho aberto 

Essa possível parceria, que em outras situações de fato levaria mais tempo para ser executada, ganhou mais agilidade devido ao momento vivido pelo país. “A partir do momento em que é declarado o estado de emergência, você tem a possibilidade de contratação de área de pública com dispensa de licitação, já é uma facilitação para aproximar iniciativas públicoprivadas”, explica Patrícia Peck, advogada especializada em Direito Digital. 

Não é preciso uma grande pesquisa para entender o impacto que as companhias do setor de TIC poderiam causar com uma participação maior na gestão dessa crise. Tanto na parte de hardware, com fabricação e doação de equipamentos, como especialmente na questão de software, utilizando suas ferramentas de análise para dar inteligência ao amontoado de dados gerados por hospitais e municípios. 

“Tem muito espaço para tentar entender esse assunto que chegou aqui já pouco mais de trinta dias. Será que a curva do Brasil é igual a dos outros países? Como está se disseminando?”, exemplifica o especialista em tecnologia e inovação Arthur Igreja. E continua “Estamos vendo alguns esforços com fabricação de alguns equipamentos por impressão 3D, mas de fato acredito que o grande ativo está na gestão dos dados” 

A junção de trabalhos entre público e privado se mostra ainda mais válida quando se pensa no tipo de crise que estamos vivendo agora, como foi ressaltado por Peck. “Como estamos vivendo é uma crise de saúde e não financeira, como foi o que sempre aconteceu. As ferramentas que estamos acostumados a utilizar são recursos aplicados especificamente para crise econômicas, que não ajudam agora. 

Então as empresas de tecnologia nascidas ou que atuam no Brasil, mesmo com um ativo capaz de fazer a diferente nesse momento, não se colocaram à disposição para auxiliar no combate ao Covid-19?  

A resposta é: muito pelo contrário. Muitos dos nossos entrevistados relataram durante entrevistas terem ouvido ou mesmo presenciado diversas companhias se comprometendo a ajudar o país durante essa fase. 

Mas então você pode perguntar: “Mas por que as iniciativas que divulgadas se referem apenas a medidas pontuais?”. Acontece que organizar esse esforço em escala nacional, mesmo que à toque de caixa, não é uma tarefa simples. 

Ordem e método 

O ecossistema de startups também está reunindo esforços para auxiliar tanto hospitais como profissionais de saúde durante o período crítico de expansão do vírus, previsto para ocorrer nos meses de abril e maio. A Abstartups, entidade da área, está se organizando com associadas para entender quais contribuições as marcas estão realizando e ordenar as competências, de forma a distribuir os serviços e produtos oferecidos de forma mais igualitária. 

E o mesmo movimento, só que em maior escala, está sendo realizado pelas empresas de tecnologia de médio e grande parte. A Associação Brasileira das Empresas de Software (Abes), está em contado com representantes do governo — como o secretário Especial de Produtividade, Emprego e Competitividade (Sepec), Carlos Alexandre Da Costa e o Secretário Nacional de Governo Digital, Luís Felipe Monteiro — para realizar um mapeamento de ofertas feitas pelas empresas da área e centralizá-las em um único local. 

“Essa coordenação é muito importante”, explica Rodolfo Fücher, presidente da Abes. “Tem muita gente falando, muita gente se colocando à disposição, mas não havia um ponto central para que tudo o que está sendo oferecido seja visto de forma integrada e se torne útil para o governo”. 

De acordo com Fücher, esse movimento faz parte do programa Todos por Todos, criado pelo Governo Federal para reunir todas as iniciativas de empresas em prol do combate ao coronavírus. No final de março, a entidade teve uma reunião com o Secretário Luis Felipe para identificar quais associados da Abes poderiam contribuir com soluções. 

O presidente da associação explicou que as prioridades do Governo estão em soluções que auxiliem os seguintes temas: 

  • Otimização de logística de distribuição (para capilarizar a oferta de produtos como máscaras e protetores); 
  • Ferramenta para traçar o perfil da população infectada; 
  • Software que apresente em tempo real disponibilidade de leitos; 
  • Software para mensurar a propagação da Covid-19 por município. 

A Abes terminará o mapeamento nesta semana, quando ele será apresentado ao Secretário para avaliação. A ideia é que essas soluções sejam empregadas por um período inicial de três a quatro meses, período em deve compreender o pico de contágio da doença. 

Após a escolha de parceiros, as empresas precisarão passar por processo de adaptação para interligar todas as bases de dados. Atuando como consultor para a IDC no mercado de tecnologia, Pietro Delai explica como o processo de implementação de tecnologias de ponta não consegue ser feito de forma tão rápida quanto desejada, devido a questões como tempo de implementação e experiência dos profissionais envolvidos no projeto, 

“Um elemento desafiador está em como implementar [as iniciativas de análise de dados sobre o Covid-19]. Quando você fala em tecnologias como data analytics e inteligência artificial, mesmo em uma situação normal você enfrenta problemas como não ter tanta gente no mercado para implementar um projeto desses. Tanto do lado de fornecedor, como do usuário que irá operar o sistema”, explica. 

Uma nova economia 

Além do uso para auxiliar o combate à pandemia, as soluções tecnológicas já estão sendo vistas como aliados para reduzir os impactos causados pelas políticas necessárias para a preservação da saúde das pessoas. 

A consultoria americana Enterprise Technology Research (ETR) acabou de concluir uma pesquisa com 1,3 mil CIOS e executivos de TI, estimando para até 4,1% a redução de investimentos. O percentual é baixo porque muitas empresas pretendem concentrar esforços na área, tanto para facilitar os processos de trabalho remoto como para auxiliar a organização no momento pós-crise. 

A tecnologia vai ser útil no estudo das correlações que dizem respeito à doença propriamente dita, mas também será ferramenta muito poderosa para dar suporte ao reflexo dessa doença, que é o impacto na economia”, avalia André Miceli, coordenador do MBA de marketing digital da FGV e Diretor Executivo da Infobase. 

Na percepção do profissional, companhias utilizarão soluções como automação e inteligência artificial para aumentar a eficiência operacional e reduzir custos. Nessa linha, Miceli acredita que as discussões sobre programas de renda mínima ganhem força. 

“[A pandemia] forçou uma mudança cultural que a resistência humana impediu durante muito tempo, que é a utilização de tecnologia em diversas esferas e a reconstrução das relações de trabalho. Agora, a gente vai olhar mais a tecnologia como aliada à medicina, mas vai olhar cada vez mais como aliada da economia”, finaliza.

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