Entenda o que é o Open Banking e como ele impactará clientes e empresas

Novas regras de compartilhamento de dados financeiros já começaram a valer, mas devem ser apresentas ao público e exigem cuidados de segurança

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8:00 am - 02 de fevereiro de 2021
Open Banking destaque

Após anos de discussão, começou a valer nesta segunda-feira (01) o open banking, conjunto de regras que permite que empresas do setor financeiro no Brasil compartilhem dados de seus clientes umas com as outras.

A iniciativa é parte da agenda do Banco Central (BC) para modernizar a regulamentação do mercado financeiro do país, permitindo uma maior competição entre bancos tradicionais, fintechs e outras instituições do setor.

Para clientes destas companhias, a promessa é que o compartilhamento padronizado de informações permita a elaboração de novos produtos e serviços, além de tarifas, taxas e juros menores, tudo através do uso das chamadas APIs.

“O open banking incentivará a inovação e tende a intensificar as ofertas de valor para os clientes com novos produtos e serviços, acelerando a transformação digital do mercado financeiro. A expectativa do setor bancário com sua chegada é bastante positiva”, avalia Isaac Sidney, presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), em uma nota divulgada pela instituição nesta segunda.

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Na prática, através do open banking um consumidor poderá, por exemplo, conectar sua conta bancária a um aplicativo terceiro para analisar sua vida financeira, resultando em sugestões de investimentos ou recomendações de produtos que se adaptem à sua necessidade.

Outra realidade que passa a ser possível através da nova agenda do BC é que consumidores reúnam informações de suas contas de diferentes instituições financeiras em um único aplicativo, proporcionando uma melhor visão de toda a sua vida financeira.

A chegada do open banking marca o desembarque do Brasil em uma tendência que ganha força em diferentes regiões do mundo, e que já é realidade em mercados como o Reino Unido. Por aqui, as regras também chegam com uma abordagem própria e trazem lições aprendidas com as experiências de outros países.

“Quando a gente olha o panorama de comparação com outras geografias, tem um aspecto técnico, que é os protocolos de comunicação e troca de dados e informações entre os participantes do open banking”, explica Thiago Rolli, diretor de transformação de negócios de serviços financeiros da KPMG.

“Em algumas geografias, isso ficou a cargo da definição do mercado em geral. No Brasil, com toda a estruturação da comissão do open banking, onde participam todos os bancos, outros participantes e o Banco Central, já nasce em uma estrutura onde os protocolos são mais alinhados em relação aos participantes, para realmente tracionar”, completa.

Quem participa do open banking?

A participação no open banking é obrigatória para todos os grandes e médios bancos do país classificados no segmento S1, que são aqueles com porte igual ou superior a 10% do Produto Interno Bruto (PIB), ou que exerçam atividade internacional relevante, independentemente de seu porte; e do segmento S2, que são os com porte inferior a 10% e igual ou superior a 1% do PIB. Para as demais instituições, a participação é facultativa.

As fases do open banking

Por conta de sua complexidade, a implementação do open banking acontece em quatro fases. O plano originalmente previsto pelo Banco Central era de que a primeira fase entrasse em vigência ainda no ano passado, em 30 de novembro.

Às vésperas do lançamento da agenda, o órgão decidiu pelo adiamento da ação para este mês, citando o impacto da pandemia da Covid-19 em instituições participantes como motivo por trás da nova data.

Primeira fase (1º de fevereiro): A fase inicial do open banking não envolverá consumidores diretamente, mas dá o pontapé inicial no compartilhamento de informações entre instituições financeiras. Entre elas, estão informações sobre canais de atendimento (como endereços das agências e horários de funcionamento), canais oferecidos para atender clientes (telefônicos, internet banking e mobile banking), além de características sobre produtos e serviços oferecidos, como, por exemplo, tipos de conta, empréstimos e financiamentos que cada um dos participantes oferece aos clientes.

“Com isso já é possível uma empresa, uma fintech, uma startup ou uma instituição financeira criar um produto que traz um benefício para o consumidor”, afirma Rogério Melfi, coordenador do grupo de trabalho de open banking na ABFintechs. “Imagina um consumidor que vai mudar de cidade, ele escolhe um bairro, e um aplicativo afirma que é melhor ter conta neste banco, porque é o que mais tem agência ali”.

Segunda fase (15 de julho): Em julho, a segunda fase do open banking inicia a possibilidade de que instituições troquem dados de cadastros e transações de clientes entre elas, com o consentimento do consumidor. Entre os dados que podem ser compartilhados estão informações de cadastro (nome, endereço, CPF etc), bem como dados de movimentação financeira (informações sobre contas e operações de crédito, como empréstimos e financiamentos).

A partir desta fase, a expectativa é que novas propostas de crédito, investimentos e de serviços personalizados passem a ser oferecidos aos consumidores, prometendo melhores condições de custos. Aplicativos que façam simulações de crédito, investimento e empréstimos em diversas instituições, com base na movimentação financeira do cliente, também poderão surgir.

Terceira fase (30 de agosto): A partir da terceira fase, clientes poderão pagar contas e fazer transferências bancárias fora do internet banking ou do aplicativo de seu banco, através de um “aplicativo intermediário”. Com isso, plataformas de comércio eletrônico também poderão integrar um pagamento ou uma transferência dentro do próprio dentro de sua própria interface, sem precisar que o cliente acesse o aplicativo ou site de seu banco.

Quarta fase (15 de dezembro): Ainda em discussões técnicas entre os participantes, a quarta e última fase do open banking se refere ao compartilhamento dos demais dados financeiros de clientes, incluindo produtos e serviços de operações de câmbio, investimentos, seguros e contas-salário.

Consentimento do cliente

Todos os dados que passam a ser potencialmente compartilhados por instituições financeiras dependem da aprovação do cliente: sem seu consentimento expresso, informações não poderão ser transacionadas dentro da infraestrutura do open banking.

As autorizações também serão dadas para transações específicas. Sempre que quiser tirar proveito de um novo serviço integrado, o cliente deverá solicitar e autorizar o compartilhamento destas informações, escolhendo quando, como e com qual instituição isto irá ocorrer.

Por determinação da plataforma do open banking, todas as informações também devem ser apresentadas de forma clara ao consumidor. Mas, conforme destaca Frank Meylan, sócio líder de tecnologia, inovação e transformação digital da KPMG, isso não exime clientes da “responsabilidade” sob os dados que querem compartilhar.

“Eu vejo uma responsabilidade, sempre que o consumidor estiver interagindo com alguma empresa, financeira ou não financeira, procurando conhecer um serviço ou receber uma proposta, e autorizar seu banco de origem a compartilhar a informação com essa instituição, ele tem que ter muita clareza do que ele está fazendo”, pontua.

“Evidentemente, essa informação tem que ser transmitida com criptografia, armazenada com o rigor que a legislação exige, mas é importante que os clientes tenham muita responsabilidade com quem eles pretendem compartilhar suas informações pessoais”, conclui.

Desafios da falta de conhecimento e de cibersegurança

Ainda que sua proposta seja fornecer soluções e serviços mais personalizados, a agenda do open banking não é sem seus desafios junto aos clientes de instituições financeiras. Um dos principais, aliás, começa com o próprio desconhecimento do novo conjunto de regras por parte dos consumidores.

Em novembro, a plataforma PayPal divulgou uma pesquisa realizada em parceria com a Opinion Box que entrevistou 3.024 mulheres e homens maiores de 18 anos e analisou a percepção do público em relação ao open banking. Coletados pouco antes daquela que seria a data original de lançamento da primeira fase, os dados do estudo mostraram que 51% dos entrevistados afirmou nunca ter ouvido falar da tendência. Além disso, 27% afirmou já ter ouvido falar; 18% disse conhecer pouco; e apenas 4% disse conhecer bem.

Para remediar a questão, um esforço de comunicação sobre o open banking, seu significado e potencial impacto para consumidores deverá ser feito ao longo dos próximos meses para aproximar a discussão do público. A expectativa é que, entre março e abril, uma campanha de comunicação sobre a plataforma seja feita pela Febraban em parceria com o Banco Central. Paralelamente, empresas também devem trabalhar estratégias próprias de engajamento de clientes.

A comunicação também é vista como chave para enfrentar um segundo desafio do open banking, diretamente relacionado à sua proposta central de compartilhamento de dados: a privacidade de dados. Ainda que mal tenha começado, o ano de 2021 já trouxe discussões importantes sobre cibersegurança e proteção de dados para o debate público, estimuladas pelas polêmicas envolvendo uma mudança de política do WhatsApp e pelo mega vazamento de informações pessoais de mais de 220 brasileiros.

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A origem do vazamento de dados sensíveis de brasileiros ainda não foi determinada. Há, no entanto, uma suspeita de que a base de dados poderia ter vindo da Serada Experian, empresa de análise de crédito. A Serasa afirma que realizou uma análise detalhada de sua base e nega ser a fonte do vazamento. Ainda assim, a proximidade do evento negativo do ecossistema financeiro pode ter algum potencial impacto na recepção das propostas do open banking por consumidores.

“Não é uma questão pacificada”, avaliou Fábio Lins, superintendente executivo de canais, Pix e open banking do Banco Original, instituição que entra como voluntária nas quatro fases do open banking. Para Lins, bancos estão “muito atentos” à questão e têm o papel de passar “tranquilidade para o consumidor” sobre a solidez do sistema – e, ao mesmo tempo, orientar sobre potenciais ameaças.

“O que a gente precisa fazer é orientar o consumidor. Não é raro o consumidor passar a senha, ser induzido a passar que tem em uma engenharia social, ou ser induzido a clicar em um link de email”, coloca. “É aí que o fraudador acaba entrando”.

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Assim como todos os dados que circulam no Brasil desde setembro do ano passado, as informações trocadas no ecossistema do open banking também estão sujeitas à nova Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) do país, que prevê punições para empresas que violações à privacidade de dados de seus clientes.

Em casos de potenciais incidentes, consumidores poderão recorrer ao Banco Central, que regula o sistema financeiro do Brasil, aos órgãos de defesa do consumidor, e à Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), órgão responsável por fiscalizar e editar normas sobre o tratamento de dados pessoais no país.

Potencial de novos negócios

Ainda que boa parte dos serviços e produtos que se tornarão possíveis através do open banking terá consumidores finais como alvo, a expectativa é que as novas regras gerem um volume considerável de novos negócios entre empresas do setor financeiro – na aceleração do conceito do Bank as a Service.

Na avaliação de analistas, muitos destes novos negócios são resultado das próprias demandas geradas pelo sistema financeiro aberto. Com o aumento do volume de informações confidenciais de clientes em circulação, por exemplo, a busca por sistemas de gestão de APIs e soluções de compliance, autenticidade e guarda de dados aumentará.

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“Por exemplo, uma instituição que faça autenticação de usuários, ou verificação de usuários, ela pode prestar um serviço de dados para outro participante”, avalia Rolli, da KPMG. “[O open banking] pode criar um ecossistema onde se permita a realização de novas funcionalidades no modelo B2B, conectadas no modelo de plataforma como serviço.”

Uma das empresas que já tem se preparado para esse novo horizonte de negócios é o Banco Original, que busca fortalecer parcerias com fintechs através da subsidiária Original Hub, focada em APIs para que empresas desenvolvam soluções próprias.

Atualmente, o banco já tem contrato com mais de 50 fintechs que utilizam a Original Hub, entre as quais está o PicPay, empresa de sistemas de pagamento da qual o Original é controlador. A expectativa da instituição é que a divisão de negócios represente 30% das receitas do banco em três anos.

“Hoje, o cliente é soberano sobre onde quer ter conta. Ele é dono de si próprio. É impossível a gente pensar em um modelo de negócio original de banco, em que o cliente é exclusivo do banco. Não faz mais sentido”, pontua, sobre a estratégia da vertical. “É o que a gente chama de compartilhamento de cliente.”

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