Ágil: uma ponte entre moda e tecnologia

O que podemos aprender com a indústria da moda, uma das primeiras a traçar planos e desenhar alternativas para responder ao novo momento da sociedade

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9:24 am - 13 de setembro de 2020

“Uma empresa de tecnologia é a moda de amanhã”. Há alguns anos, durante um dos painéis do Business of Fashion Voices, o produtor musical norte-americano Will.i.am e o Chief Digital Officer do grupo de luxo francês LVMH – dono de marcas como Louis Vuitton e Dior –, Ian Rogers, debatiam sobre a relação entre música, moda e tecnologia. Em meio à conversa e a troca de insights, um momento peculiar aconteceu quando o integrante do Black Eyed Peas afirmou que os mundos ali representados iriam ser integrados, ou melhor, já estavam convergindo. A “moda de amanhã” estava acontecendo naquele momento, representada pelo fato de que o produtor conversava com alguém que havia deixado o universo da tecnologia para mergulhar de cabeça no mundo da moda. Rogers havia acabado de completar um ano no cargo na LVMH após ter trabalhado na Apple.

Quatro anos depois, a discussão sobre a importância da tecnologia e da inovação segue permeando a mesa de debates em diversas indústrias. Em tempos de Covid-19 e de todas as adaptações que a pandemia fez necessárias, as organizações estão começando a se ajustar a uma nova realidade, na qual iniciativas de transformação digital precisam ser aceleradas urgentemente. Não é mais a “moda de amanhã”. É a necessidade do agora.

Das passarelas para as lives

O setor fashion foi um dos primeiros a começar a traçar planos e desenhar alternativas para responder ao novo momento da sociedade e do mercado. O isolamento social está estabelecendo um novo status quo e trazendo novas atitudes, como o streaming do Met Gala 2020 – “A Moment With the Met” e a decisão do British Fashion Council de realizar a London Fashion Week de forma digital em setembro. São exemplos que mostram o que pode ser um plano para que desfiles (e toda a cadeia da moda) superem a pandemia.

As mudanças também sinalizam que chegou o momento para recomeçar e “respirar o digital profundamente”, aprofundando ainda mais a conexão entre os mundos da moda e da tecnologia. Em uma recente edição do Vogue Global Conversations, Virgil Abloh, CEO da Off-White e diretor artístico de moda masculina da Louis Vuitton, disse que o novo status quo exige a união de toda a indústria, com maior interação e compartilhamento de recursos.

Esta colaboração aberta já mostra que a moda, provavelmente, acompanhará um caminho de tecnologia bastante em voga na atualidade. O caminho pavimentado pelas comunidades open source, que permitem que os desenvolvedores de software construam aplicações em conjunto. O open source sempre esteve no coração da TI, inclusive, muitas empresas adeptas ao modelo de softwares proprietários, como a Microsoft, aderiram ao movimento com o passar dos anos, reconhecendo o poder da tecnologia aberta para a construção e aceleração da transformação digital.

Todas estas associações realmente me impactaram. Como alguém do setor de tecnologia, e um amante da moda, esta “mistura intercultural” me leva de volta à quando vi, pela primeira vez, uma camisa polo da marca britânica Fred Perry e do artista japonês Ten Do Ten na colaboração PAC-MAN do verão de 2013. Eu estava empolgado com a ideia de um design de tela clássico, de 8-bits, transformado em uma roupa. Por outro lado, Virgil também sempre foi uma inspiração para mim. Além de toda a experiência que ele cria em cada projeto, eu acredito que ele tenha desenvolvido o exemplo perfeito para unir duas áreas da TI: arquitetura de software e ágil.

O fashion da tecnologia

Conceitualmente, a TI pegou emprestado vários temas relacionados à Engenharia Civil, e a Arquitetura é um deles. Apesar dos 3000 anos que separam as duas áreas, a Arquitetura e a Arquitetura de Software compartilham termos similares e múltiplas definições, como “estrutura”, “componentes” e “ambiente”. No começo, este relacionamento era muito forte porque a tecnologia era “mais concreta”, pesada e, obviamente, mais lenta. Era muito difícil mudar qualquer coisa e as aplicações costumavam sobreviver sem uma atualização por muito tempo.

Mas, com o avanço dos computadores, o mundo submergiu em um fluxo de informações massivo sobre plataformas digitais, e os clientes agora podem se conectar diretamente com empresas por meio destes canais. Essas condições exigem que as companhias sejam capazes de promover modificações confiáveis em seus sites ou aplicações todos os dias, ou mesmo várias vezes por dia.

Este progresso não aconteceu de repente e, conforme o digital evoluiu, o cenário técnico começou a mudar, refletindo novas exigências e problemas. Em 2001, uma iniciativa para entender estes obstáculos para o desenvolvimento de softwares levou a criação do “Manifesto Ágil”, uma declaração baseada em quatro valores-chave e 12 princípios, estabelecendo um mindset chamado “Ágil”. Esta nova forma de pensar soluciona a necessidade de responder às mudanças a qualquer momento, mantendo as pessoas motivadas e satisfazendo o consumidor com entregas antecipadas e comunicação direta.

Este conceito não é estranho para a indústria da moda, não apenas em razão dos departamentos de TI nas empresas do setor, mas porque os conceitos ágeis se expandiram para outras áreas, como o varejo. Seja na “Excelência da Entrega”, descrita no espírito da LVMH, ou no recorrente sistema de “Drops”, há reflexos espelhados do segundo princípio ágil “Entrega Contínua” e do “Excelência Técnica”, o que me remete à colaboração entre Virgil e a Nike, e de que forma isso une os mundos da Arquitetura de Software e Ágil.

Comecei a fazer as conexões quando li a entrevista dele com a Nike em 2017. Virgil disse que “queria fazer alguma coisa imediatamente”. O que ele, de fato, fez quando começou a desconstruir, literalmente, um par de Air Force 1 Low com uma faca X-ACTO em sua primeira reunião na sede da Nike em Beaverton (EUA). Ele já estava sendo ágil!

Quando a ideia “industrial” foi replicada para outros pares no projeto e o design do Off-White Air Jordan 1 Chicago foi lançado, eu descobri que a reorganização de todos os elementos – expor, mudar, acrescentar, remover, imprimir, cortar e costurar – era, na minha visão, muito similar a um projeto de modernização de arquitetura de software no qual eu estava trabalhando na época. Os tênis Jordan 1 foram criados em 1984, então, para mim, a antiga silhueta parecia com o sistema antigo que eu tinha que melhorar, começando por fazer o mesmo que Virgil fez: reduzir os componentes em pequenas partes para decidir quais iríamos usar, redesenhar ou descartar. Uma vez que tive minha primeira reunião, eu “queria fazer alguma coisa imediatamente” e foi aí que a Arquitetura Ágil apareceu no quadro.

A Arquitetura Ágil é um grupo de técnicas baseadas em dois conceitos: Design Emergente e Arquitetura Intencional. Em outras palavras, um conjunto de estratégias que fornecerá orientações para a equipe que vai criar um projeto e propor o design com a melhor solução. Por meio do ciclo de vida do projeto, estas áreas precisam ser sincronizadas e, em alguns casos, revisitadas, devido a exigências de modificações. Conquistar o equilíbrio correto entre elas dá à equipe autonomia e a criatividade para construir o sistema e, ao mesmo tempo, dá suporte às necessidades dos usuários.

Se dissecarmos a parceria entre Virgil e a Nike, podemos traçar os elos que explicam por que “The Ten” é o exemplo perfeito de um projeto de Arquitetura Ágil. A Nike propôs a Arquitetura Intencional para Virgil recriar dez silhuetas clássicas da marca norte-americana. Após isso, ele estava livre para acrescentar suas ideias e conceitos ao projeto e fazer uma colaboração de design. A partir daí, ele podia testar, construir e reconstruir suas premissas. Há até mesmo uma palestra em que ele mostrou uma amostra de Air Jordan 1 com cadarços brancos, mas com um bilhete escrito “cadarços pretos, de preferência”. Ele testou para checar se ia funcionar.

A conclusão do seu último design foi compartilhada e replicada entre 10 silhuetas. Isto não é diferente das aplicações digitais que compartilham componentes, em que não há necessidade de gastar mais tempo ‘reinventando a roda’. A intenção e a emersão convergiram e o projeto estava pronto para ser lançado “just in time” com o trabalho arquitetônico necessário.

Há uma evolução incremental do projeto com as mesmas silhuetas, mas designs diferentes. Agora, é justo dizer que a arquitetura inicial, The Ten, estendeu alguns de seus componentes para essas outras silhuetas que foram lançadas pela Nike e Off-White, como a referência da caixa laranja da Nike no Nike Zoom Terra Kiger 5 e o inédito “Rubber Dunk”, da Nike.

Conforme um novo capítulo global se desenrola, as possibilidades que cruzam o horizonte parecem ilimitadas. Realidade aumentada, impressão em 3D e sustentabilidade são apenas alguns dos temas que aproximam cada vez mais a moda do mercado de TI. Esta parceria fornecerá oportunidades de aprendizado, ou correlação de metodologias que podem ajudar ambos os lados a ficar mais fortes e “The Ten” é um exemplo desta rede. Virgil tem um Mestrado em Arquitetura, o que nos leva de volta aos paralelos em comum que a Arquitetura e a Arquitetura de Software têm. A próxima ideia de Virgil pode ser parte desta expansão, e acho que provavelmente seguirá a definição dele de colaboração esgotada-em-menos-de-um-minuto com a Nike: “nada menos que o estado-da-arte do design”.

*Gabriel Sampaio é arquiteto do Open Innovation Labs LATAM na Red Hat

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