“É preciso ter negros em C-Level!”, diz Fernanda Ribeiro

COO da Conta Black afirma que companhias só ganharão mais diversidade com investimento financeiro, metas e métricas

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10:20 am - 20 de novembro de 2021
Fernanda Ribeiro, Conta Black Fernanda Ribeiro, COO da Conta Black. Foto: Larissa Isis / Divulgação

“Continua hackeando o sistema!” – esse seria o conselho que Fernanda Ribeiro, COO da Conta Black e presidente da AfroBusiness, diria para a Fernanda Ribeiro de 18 anos. Ela sempre foi o oposto do estereótipo dos mercados em que atuou e, até hoje, como executiva da área financeira, se vê como o contraponto: mulher, negra e jovem.

“Muitas vezes eu escutei ‘o que essa menina está falando?’. Mas, eu aprendi que estou nesses lugares para causar o estranhamento. Quando dou minhas mentorias, sempre digo: ‘seja o ponto de incômodo’. Pois, apenas ao se incomodar, o mercado mudará e terá diversidade”, revela ela.

Para Fernanda, um negro em cargo de liderança precisa trabalhar em dobro. “Desde pequeno, a gente escuta dos nossos pais que tem que entregar mais porque é negro, tem que estudar mais porque é negro. O discurso torna-se raiz”. Além disso, mesmo que os negros sejam maioria no Brasil, ainda são excluídos e marginalizados – principalmente em cargos de liderança.

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“Eu, por muitos anos, estive em grandes corporações. Conforme eu ascendia, encontrava menos negros. Ao olhar os dados, hoje o número de CEOs negros dentro de grandes empresas, não enchem uma mão. Quando a gente fala de mulheres negras e CEOs, esse número é ínfimo. Por muitos anos a gente teve uma única mulher negra CEO e ela fez uma transição de carreira para empreender”, frisa.

O empreendedorismo, aliás, torna-se uma opção – nem sempre positiva – para a população negra. A maior parte (51%) dos empreendedores no Brasil são negros e Fernanda gosta de ver o dado com o “copo meio cheio”, mostrando a capacidade de se reinventar. Mas, por outro lado, os números mostram que o negro não consegue ascender dentro das corporações e, por isso, migram para o empreendedorismo.

Ao ser indagada sobre os negros que empreendem especificamente em tecnologia, Fernanda explica que o acesso à tecnologia e à educação para as pessoas negras ainda é um pouco restrito e essa estrutura reflete, também, no empreendedorismo. Dados da Associação Brasileira de Startups revelam que somente 5,8% das startups brasileiras são fundadas por negros.

“Se a gente comparar esse cenário com os últimos dez anos, obviamente melhorou bastante porque tínhamos um cenário ainda pior. Hoje, cada vez mais os empreendedores estão indo para a área de tecnologia. Além disso, é importante levar em consideração que os empreendedores que não estão na área, estão digitalizando seus negócios”, comemora Fernanda.

Olhar direcionado para ações afirmativas

Ao sair do mercado de trabalho para um ano sabático, Fernanda encontrou um novo propósito: a Afrobusiness. Com dois sócios, a executiva criou a associação com olhar único e exclusivo para a geração de trabalho e renda da população negra. Em pouco tempo, a iniciativa já havia ganhado prêmio e o projeto começou a escalar.

Com o maior alcance da Afrobusiness, Fernanda desvendou gaps financeiros. “A gente via que muitos não tinham conta bancária, não tinham acesso à crédito e que isso poderia ser um nicho de negócios”, diz ela. Nasceu, assim, a Conta Black.

A startup foi criada para apoiar e suprir uma demanda de uma população marginalizada pelo sistema bancário formal. Segundo a COO, os empreendedores negros têm o crédito negado quatro vezes mais do que um branco, exatamente nas mesmas condições.

Atualmente, a Conta Black é um hub de serviços financeiros onde as contas digitais tornam-se um meio e não o fim. Aos poucos, a população negra começa a olhar para um próximo passo, como investimentos, reservas de emergência, entre outros serviços.

“Nossa empresa é um reflexo da comunidade negra e 95% do nosso quadro de funcionários é formado por pessoas pretas. E não é 100% porque a diversidade também é importante para nós. Além disso, 74% dos clientes são negros”, frisa Fernanda.

Nunca é tarde para mudar

Para Fernanda, há um jeito de mudar como as empresas veem os negros: contratando negros. “Por muito tempo, a gente viveu um processo de ações afirmativas baseadas em inclusão de pessoas negras como estagiários. Eu vejo agora a questão de desenvolvimento de programas de trainee como uma evolução, mas ainda está longe. É preciso ter negros em C-Level!”, afirma ela.

Essas movimentações são importantes dentro do processo de sair da discussão e chegar na ação. Porém, para que as ações seja efetivas, se faz necessário investimento financeiro, ter metas e métricas. “Não adianta pensar ‘empreguei pessoas negras’. Mas elas não estão dentro dos cargos de liderança, elas não estão no processo de tomada de decisão das pessoas”, destaca. Um bom exercício é fazer o “teste do pescoço”. Olhar para os lados e ver se todos estão iguais. Caso a resposta seja afirmativa, estão faltando negros, mulheres, etc.

“O racismo e o machismo não foram problemas criados por mulheres e por negros, então a gente precisa de aliados para resolver esse problema. É importante diversificar esses ecossistemas e, para isso, é necessário se questionar”, diz Fernanda.

Quando questionada sobre iniciativas de empresas de tecnologia de oferecer cursos profissionalizantes gratuitos, Fernanda explica que, ainda que programas de capacitação possam ajudar parte da população, eles não são 100% efetivos se não há mudança estrutural.

“Pense no menino negro da comunidade. Como ele vai chegar até o curso? Ele precisa ter investimento em transporte, em alimentação. Ele precisa, inclusive, de investimento estrutural em tecnologia. Na pandemia, por exemplo, famílias da periferia com três ou até cinco jovens, tinham que dividir o mesmo celular para assistir às aulas. Será que esse jovem conseguiria ter acesso ao curso?”, questiona.

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