Startups e seu Marco Legal

Marco deve incentivar mais investimentos e afastar parte das atuais dores do ecossistema de startups

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por IBGC
1:40 pm - 31 de janeiro de 2021
mapeamento startups Foto: Adobe Stock

A proliferação de startups, o volume cada vez maior de capital investido, o crescente número de unicórnios[1], assim como de grandes empresas dedicando foco e recursos a iniciativas de corporate venture capital e outras formas de inovação aberta evidenciaram a carência por um ambiente regulatório que proporcione adequada segurança jurídica para os negócios inovadores no Brasil.

Nesse cenário, surge o Marco Legal das Startups, fruto da combinação de dois projetos de lei – PLC 146/19, de iniciativa do Legislativo, e  PLC 249/20, do Executivo – e de interações com agentes do ecossistema em audiências e consultas públicas.

Aprovado pela Câmara e encaminhado o texto-base para o Senado no fim de 2020, 2021 inicia-se com expectativas para além das vacinas contra Covid-19 no universo do empreendedorismo inovador, já que a insegurança jurídica – justamente o que o projeto se propõe a afastar (ou, ao menos, mitigar) – é dos principais fatores para a alta taxa de mortalidade das startups brasileiras e dos principais repelentes ao investimento nessas empresas.

Tal como em relação aos imunizantes tão esperados pela população mundial, a expectativa é alta quanto ao Marco Legal das Startups no ecossistema brasileiro. A dúvida é se o texto que será, finalmente, sancionado viabilizará os anticorpos necessários para que nossas startups não apenas sobrevivam, mas tenham saúde para atrair investidores e crescer ou, em ordem invertida, crescer e atrair investidores.

Além de definir o que será considerado startup para os fins da lei, o texto aborda relações com stakeholders, como investidores, colaboradores e a própria Administração Pública. Trata, por exemplo, da (não) responsabilidade de investidores, da utilização de stock options (opções de compra de ações) e da contratação de soluções inovadoras pelo Estado. Também versa, ainda que por vezes timidamente, sobre questões regulatórias e tributárias incidentes sobre investimento em inovação e sobre o ambiente regulatório experimental – o sandbox regulatório. Outros temas não necessariamente relacionados a startups também foram incluídos nas disposições finais do projeto e acabaram gerando discussões no universo da governança corporativa, mas isso seria tema para outra conversa.

O texto aborda o que será considerado uma startup, sem restrição a um conceito delimitado. Diante da difícil tarefa de conceituar startup, o projeto estabelece como uma empresa pode ser enquadrada como startup, caracterizando-se pela centralidade da inovação no modelo de negócios e o preenchimento de critérios objetivos não limitados apenas ao faturamento da empresa (como fizera a LC 155/16, que incluiu redação sobre investimento anjo, relegada à estranha categoria de normas brasileiras que “não pegaram”), mas que consideram também tempo de operação, modelo de negócios e/ou enquadramento no regime especial Inova Simples.

A responsabilidade dos investidores é expressamente delimitada no projeto, que enfatiza que o investimento não os torna, automaticamente, sócios da startup. Resguarda, assim, investidores de responderem por passivos da startup antes de se tornarem efetivamente sócios, aumentando, assim, a atratividade do investimento.

Ainda para fomentar investimentos em startups, e, talvez inspirado pela Lei do Bem, o texto permite às empresas obrigadas a investir em Pesquisa, Desenvolvimento & Inovação (PD&I), por força de outorgas ou delegações firmadas com agências reguladoras, fazê-lo por investimentos em startups através de (i) fundos patrimoniais, (ii) fundos de investimento em participações e (iii) programas, editais ou em concursos de instituições públicas para aceleração de startups.

Outro ponto de inovação é o da relação das startups com a Administração Pública em duas frentes: (i) o sandbox regulatório e (ii) a contratação pela Administração Pública de soluções inovadoras. Por um lado, o texto atual permite à Administração Pública, no papel de regulador, afastar normas regulatórias e estabelecer condições simplificadas para autorizar temporariamente entidades reguladas a desenvolver modelos de negócios inovadores e testar técnicas e tecnologias experimentais (sandbox regulatório). Por outro, no papel de contratante, a Administração Pública pode licitar e contratar soluções inovadoras, delimitando um problema a ser resolvido e suas expectativas de resultado – cabendo aos interessados propor e desenvolver soluções. Aprovada a solução por banca especializada, a contratação  é regulada pelo novo Contrato Público para Solução Inovadora (CSPI), que incluirá metas de validação, cronogramas, matrizes de risco e regras sobre titularidade da propriedade intelectual e participação nos resultados da exploração da solução desenvolvida.

Como contrapeso, o texto atual perde a oportunidade de regular de forma adequada algumas questões relevantes para o ecossistema de inovação brasileiro, especialmente de ordem trabalhista e tributária. Exemplo é o das stock options (com um regramento incluído às vésperas da votação na Câmara), enquadradas como parte da remuneração dos empregados, contrariamente às versões do projeto que circularam nos dias antecedentes e ao que já vinha sendo reconhecido pelos tribunais brasileiros quando há característica mercantil nas opções de compra de ações. Para quem opera com fluxo de caixa apertado, como a maioria das startups, os encargos decorrentes desse enquadramento pode acabar inviabilizando a utilização de stock options, fundamentais para startups atraírem e reterem talentos para viabilizar o crescimento e desenvolvimento do negócio.

Igualmente, embora crie certos incentivos de outras naturezas para investimentos, o texto deixa a desejar quanto a incentivos fiscais e silencia sobre outras questões de natureza tributária desejadas pelo ecossistema, como (i) regimes de tributação mais justa, especialmente se comparada com à aplicável a ativos de menor risco, (ii) isenção de tributação sobre o ágio em LTDAs, (iii) isenção de tributação sobre remissão de dívidas em mútuos conversíveis e (iv) possibilidade de startups do tipo S/A optarem pelo regime do Simples Nacional.

De lado os pontos de melhoria, o saldo das inovações do Projeto de Lei Complementar tal qual como aprovado pela Câmara é positivo. Refinado ou não no Senado, espera-se que o Marco Legal das Startups incentive mais investimentos e afaste parte das atuais dores do ecossistema de startups, fomentando um ambiente de inovação mais maduro e abundante em oportunidades.

*Maria Bofill é advogada no Brasil e na Califórnia, sócia de TozziniFreire Advogados e membro da Comissão de Startups e Scale-Ups do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC).

[1] Startup avaliada em US$1 bilhão ou mais por meio de rodada(s) de investimento(s) de venture capital, antes de abrir seu capital e listar suas ações em bolsa de valores.

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