Uber e o motorista: uma relação de emprego à luz da primazia da realidade
Decisão do Tribunal Superior do Trabalho não reconhece vínculo de emprego entre motorista e a empresa Uber.
Decisão inédita da Quinta Turma do Tribunal Superior do Trabalho, no julgamento do dia 5 de fevereiro de 2020, reformou a decisão proferida pelo Tribunal Regional da 2ª Região para afastar o reconhecimento do vínculo de emprego entre um motorista e a Uber do Brasil Tecnologia Ltda. O Colegiado adotou como fundamento a autonomia do trabalhador no desempenho das atividades, bem como a possiblidade de ficar off-line.
A respeito do tema, o Tribunal Regional da 2ª Região havia concluído pela existência de todos os elementos caracterizadores da relação de emprego, principalmente, no tocante a subordinação e inexistência de autonomia, porquanto, segundo os Julgadores “se o valor cobrado pelas demandadas é fixo, não há autonomia do motorista para a realização dos supostos descontos, sob pena de ficar privado de ganho; a admissão da possibilidade de ficar off line pelo demandante não caracteriza a existência de autonomia em vista dos mecanismos indiretos utilizados pelas demandadas para mantê-lo disponível, como a instituição de premiações”.
Em consonância com a Consolidação das Leis do Trabalho, para ser considerado empregado, é necessário que a prestação de serviços seja realizada por pessoa física e, além disso, exige-se pessoalidade, habitualidade, onerosidade e subordinação. Em matéria trabalhista, prepondera o princípio da primazia da realidade, ou seja, a presença dos referidos requisitos caracteriza a relação de emprego independentemente se houve a assinatura da Carteira de Trabalho ou o reconhecimento pelo empregador.
A respeito dos motoristas da Uber, aparentemente, o processo de habilitação na plataforma da empresa apresenta-se como fácil, bastante flexível e dissociado da relação de emprego, entretanto, não se trata de uma regra, pois ao confrontar as normas instituídas com a realidade de muitos motoristas, evidencia-se a condição destes como verdadeiros empregados.
Isso porque os principais aspectos defendidos pela empresa, como a autonomia e a flexibilidade, são discutíveis, tendo em vista que o modo de produção é definido exclusivamente pela Uber, e engloba o preço do serviço, padrão de atendimento e forma de pagamento.
Além disso, o descumprimento dessas regras enseja a aplicação de severas penalidades ao motorista, entre elas o seu descadastramento. Essa sistemática adotada pela Uber, desde a habilitação, condições de permanência e a desabilitação, revela elementos caracterizadores da relação de emprego.
A legislação trabalhista preconiza de forma indubitável que presentes, simultaneamente, os requisitos mencionados, há vínculo de emprego. Desse modo, a denotação de emprego será extraída a partir da verificação individualizada de cada relação de trabalho.
A modernização da tecnologia de comunicação e informação desafiam novas modalidades de trabalho e, justamente por se tratar de uma constante evolução, devem potencializar a valorização do trabalho humano e não servir de retrocesso e desregulamentação dos direitos sociais com a precarização laboral, exploração e coisificação das pessoas.
*Cíntia Fernandes é advogada especializada em Direito do Trabalho e sócia do escritório Mauro Menezes & Advogados