Robôs autoconscientes: primeiro passo dado
Hod Lipson, rodoticista e professor da Universidade de Columbia, conta com detalhes projeto de seu laboratório de pesquisa
Hod Lipson é um roboticista que atua nas áreas de inteligência artificial e manufatura digital. Ele é professor de Engenharia Mecânica na Universidade de Columbia, onde dirige o Creative Machines Lab, pioneiro em novas maneiras de fazer máquinas que criam e são criativas.
Ele é autor de diferentes livros, incluindo Driverless, que fala sobre os avanços na robótica e na inteligência artificial para a criação de carros autônomos – provavelmente os primeiros robôs autônomos convencionais aos quais os humanos confiarão.
“A nossa hipótese é que a autoconsciência é a capacidade de se imaginar no futuro. Nós humanos podemos e não é preto e branco. Podemos nos imaginar amanhã na praia, mas também podemos nos imaginar na aposentadoria”, explica. “Ou seja, todos nós nos imaginamos em diferentes graus e queremos permitir que os robôs se imaginem.”
Segundo o estudioso, o objetivo é permitir que robôs consigam entender o que são. Mas é uma jornada “muito longa em direção à autoconsciência do robô – é o primeiro passo”, explicou o especialista sobre seus estudos no laboratório da universidade. Em entrevista ao IT Forum, o professor falou sobre os desafios e possíveis problemas futuros com os robôs autoconscientes e como o trabalho do futuro mudará. Confira o bate-papo:
IT FORUM: O SEU PROJETO PARECE SIMPLES PARA VOCÊ. MAS COMO ELE REALMENTE FUNCIONA E TODAS AS PESSOAS PODEM ENTENDER?
HOD LIPSON: O que estamos tentando fazer é permitir que robôs entendam o que são. Em outras palavras, onde o corpo está, exatamente como os humanos entendem onde nosso corpo está e o que está ao redor. Isso é importante para os humanos e é importante para robôs.
Quando você chega para fazer alguma coisa ou quando você abre uma porta, você não quer esbarrar nas laterais. Quando você caminha, precisa entender onde seu corpo está em relação ao mundo. E isso é uma coisa muito básica. Então, o que fazemos tradicionalmente é programar sobre quem construiu o robô. Então, há um humano que projetou o robô e ele construiu todas essas informações no robô.
Mas nós permitimos pela primeira vez que o robô descobrisse isso sozinho. Por exemplo, a se observar na frente de um espelho ou uma câmera. Isso é o equivalente para um humano de ver como é o seu corpo. Você não deveria mover seus braços e ver como seus braços estão se mexendo e foi isso que o robô fez.
Então, uma vez que tenhamos esse modelo, pode se imaginar no futuro. Podemos conversar sobre porque isso é importante tanto na prática quanto filosoficamente. As pessoas querem que o robô aprenda por conta própria que algo não está funcionando e precisa fazer as coisas de maneira diferente.
Cadeias de Manufatura e Suprimentos, por exemplo, confiam cada vez mais em seus robôs. Nós vamos nos sentar em um carro sem motorista. Essa é uma espécie de robô. Em resumo, queremos que as máquinas nas quais confiamos sejam mais independentes, e a automodelagem é muito importante para isso. Mas também há uma coisa filosófica muito profunda que está acontecendo.
IT FORUM: QUAL SERIA A DISCUSSÃO FILOSÓFICA?
HOD LIPSON: O que talvez seja mais interessante é que a capacidade de se imaginar é a chave para a consciência. E isso é realmente o que eu estou atrás. Fazer robôs autoconscientes está em filmes de ficção científica o tempo todo, mas nós não sabemos construí-los. A realidade é que nenhum engenheiro sabe construir autoconsciência. Nós nem mesmo entendemos o que é autoconsciência em humanos.
A nossa hipótese é que a autoconsciência é a capacidade de se imaginar no futuro. Nós humanos podemos e não é preto e branco. Podemos nos imaginar amanhã na praia, mas também podemos nos imaginar na aposentadoria. Podemos, também, imaginar os filhos de nossos filhos e um cão também pode imaginar, provavelmente, comer sua próxima refeição.
Ou seja, todos nós nos imaginamos em diferentes graus e queremos permitir que os robôs se imaginem. Queremos que ele consiga sentar-se na frente de um espelho e entender o que é, saber que tem um braço e como se nove. Mas essa é uma jornada muito longa em direção à autoconsciência do robô – é o primeiro passo.
IT FORUM: SE EU CONTAR ISSO PARA A MINHA VÓ, ELA PROVAVELMENTE VAI SURTAR. ELA TEM RAZÃO, DE CERTO MODO? ISSO PODE SER PERIGOSO?
HOD LIPSON: A sua avó é muito inteligente, porque essa é uma tecnologia muito poderosa e tem todo o universo de IA na robótica, especialmente ao falar de automação e ter mais autonomia. Você dá a algo mais e quanto mais poderoso é, mais útil. Porém você pode perder o controle. Você abre mão de algum controle.
É como se, por exemplo, você tem filhos e sabe que quando a criança cresce, ela se torna mais capaz, mas você também perde o controle do que a criança faz. E isso é parte integrante do desenvolvimento. É uma troca e você quer que seus filhos cresçam e se tornem independentes. Mas você quer influenciar a maneira como as crianças crescem, para que elas façam as decisões certas quando forem autônomas.
É exatamente assim que temos que pensar. Temos que pensar em robôs como crianças que demos mais poder. Queremos dar mais autonomia, queremos que eles se cuidem para serem longos, mais resilientes e menos dependentes dos humanos. Mas queremos nos certificar de que eles tomem as decisões corretas.
A discussão sobre dar autonomia ou não é a luta sobre: ou você conhece carros sem motorista a drones ou sistemas bancários autônomos em qualquer lugar ou você não quer que a IA tome as decisões. Esse é o desafio e não é simples. Portanto, não há uma resposta simples.
Seu exemplo sobre o carro é ótimo, pois quando as pessoas pensam em robôs, pensam apenas sobre a forma de humanos. Para que seja um robô, é necessário que ele possa se mover e tomar decisões. Um carro sem motorista pode se mover e pode tomar decisões. Então uma geladeira não seria um robô, a não ser que se movesse.
IT FORUM: VOCÊ DISSE QUE ESSE É APENAS O PRIMEIRO PASSO. VOCÊS JÁ SABEM OS PRÓXIMOS?
HOD LIPSON: Nós estamos aprendendo. Antes andávamos no escuro e agora na neblina. Nós não sabemos onde vamos parar, mas os robôs que fizemos não podem se imaginar de uma maneira muito complexa. Eles só veem o corpo deles e entendem e talvez se vejam alguns segundos no futuro.
Hoje eles podem, por exemplo, ao esbarrar em um objeto saber que têm que pegá-lo. Isso ainda é muito primitivo. O que queremos fazer é permitir que os robôs se vejam de maneiras muito mais sofisticadas para pensar seus atos. Queremos que eles pensem no que outros robôs e pessoas farão no futuro e interajam.
Agora, quero enfatizar algo que pode ser confuso. Tudo isso já está sendo feito, mas sempre é feito com humanos programando os robôs. Ou seja, um robô em uma fábrica não esbarra nas coisas porque um humano o programou. O que fizemos não é uma capacidade nova. O que fizemos foi pegar uma capacidade dita que era tradicionalmente programada por um humano e permitir que o robô o fizesse autonomamente sem um humano.
IT FORUM: OUTRO ASSUNTO QUE GOSTARIA DE FALAR COM VOCÊ SÃO SOBRE OS VÍDEOS DEEPFAKES?
HOD LIPSON: Muita gente está preocupada com isso pois, cada vez mais, as máquinas podem aprender a criar imagens, áudios ou vídeos falsos. Primeiro eu quero enfatizar que há certas coisas que a IA não pode fazer. Uma delas é ter uma conversa. Isso é muito, muito importante.
Podem existir, por exemplos, bots de bate-papo, mas têm uma capacidade muito limitada. Então, enquanto conversamos, você não sabe que meu vídeo não é falso porque estamos conversando. Essa é a única maneira de você saber que é real.
IT FORUM: NÃO É POSSÍVEL SABER SE UM VÍDEO GRAVADO É DE VERDADE?
HOD LIPSON: Não, não para um humano. Mas aqui está a outra coisa, uma máquina pode dizer se é real ou falso. Nós humanos que não somos bons o suficiente. Por outro lado, você pode treinar um sistema de IA para saber se o vídeo é verídico.
Eu estou surpreso que as empresas de tecnologia ainda não tenham feito isso, pois elas deveriam fazer. Por exemplo, há dez anos nós costumávamos a receber muito mais spam por e-mail. Agora recebo menos em grande parte porque há IA por trás da cena.
IT FORUM: VOCÊ É PROFESSOR DA UNIVERSIDADE DE COLUMBIA. QUAL A IMPORTÂNCIA DA INDÚSTRIA E DA ACADEMIA ESTAREM JUNTAS EM TODOS ESSES ESTUDOS?
HOD LIPSON: Eu diria que acredito que as universidades estão à frente das indústrias em algumas coisas. Sempre que algo se torna comercialmente viável, a indústria começa a se interessar. Entretanto, é interessante avançar mais rápido na universidade porque a indústria pode despejar muito mais dinheiro, esforço, habilidade e talento nela.
Um bom exemplo é: nossas universidades trabalham em estudos sobre carros sem motorista desde os anos 60. Mas isso meio que se tornou viável por volta de 2012 ou 2015. Tivemos o aprendizado profundo nas universidades e, quando se tornou viável, a indústria assumiu o controle.
Outras áreas estão sendo impactadas pela IA, como a área criativa. Eu acredito que esse será o próximo grande avanço da IA: máquinas que podem criar coisas novas. E quando falo de criatividade, falo tanto da parte artística (como arte e música), como criatividade de engenharia para projetar novas coisas, como medicamentos ou até satélites. Coisas que os humanos têm muita dificuldade em projetar, mas as máquinas podem fazer com muita facilidade.
A IA poderia pintar uma tela ou fazer uma boa música. O que ela não pode fazer com facilidade é escrever histórias.
*Reportagem publicada originalmente na Revista IT Forum em novembro/22