O que arte ensina sobre liderança?

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1:32 pm - 11 de setembro de 2017

Cada vez mais especialistas em gestão recorrem às humanidades para tentar responder aos problemas das atualidades que aplacam companhias mundo afora. Os números por si só já não garantem a perenidade e a sustentabilidade necessárias aos negócios porque, em algum momento, líderes de todos os perfis se fecharam em seus mundos e não perceberam que inflaram suas empresas de competências necessárias, como cobranças e metas em demasia, passando a conviver com a fuga da criatividade e inovação. Diante da fome por lucro cada vez maior e num momento onde se discute o problema dos zumbis corporativos (pessoas que passam horas a fio no trabalho, mas que, na verdade, estão mais ausentes que presentes), a IT Mídia propôs a CEOs de algumas das principais empresas de TI do mercado discutir Liderança e Arte dentro do programa Leadership Academy, uma iniciativa do Instituto IT Mídia, com curadoria de conteúdo da Fundação Dom Cabral (FDC). Afinal, mais que lucro, uma empresa existe para produzir riqueza de maneira sustentável.

Assim, esses executivos foram convidados à uma diferente imersão em Ouro Preto e Inhotim, em Minas Gerais, liderados pelo professor Ricardo Carvalho, da FDC. Entre seus diversos trabalhos, um recente e que se destaca é o realizado com curadores dos principais museus do mundo, onde ele associou o trabalho do curador ao líder da atualidade, ao qual ele denomina líder curador. Logo de início, num cenário pra lá de especial, no hotel Solar do Rosário, em Ouro Preto, e com uma bela vista desta cidade que traz um dos melhores exemplares do barroco nacional, Carvalho trouxe diversas provocações numa explanação batizada de Liderança e Humanidades, onde passou pela forte influência na Igreja Católica na construção de lideranças passadas e também em processos de gestão (mais abaixo deixo alguns pontos que destaco das lições deixadas pelo professor), recorreu ao iluminismo francês, que associou ao movimento dos inconfidentes mineiro, e ressaltou a constante busca pelas humanidades para devolver às empresas a criatividade, essencial à inovação.

“O nascimento da era mercantil data do século XVI, quando a Igreja queimava pessoas na fogueira, Galileu quase foi, na confirmação de que a terra era mais um planeta no meio de outros. Era um movimento de fuga do paradigma teocêntrico para outro que dá amplitude. De certa forma, o Vaticano cobria o conhecimento grego pelo teocentrismo”, relembra Carvalho, para amarrar: “É o renascimento como emanação da liberdade de pensar. E liberdade é mãe da criatividade e da inovação. No inglês liderar estava associado à linha de frente, o que comandava a batalha, e, no latim, vem do lectus, que não é o prepotente, o herói, mas o que acolhe o rio, que é a empresa, os colaboradores, ou seja, o líder dá o apoio, o esteio à essa equipe.”

Mas essa liberdade de pensar e o exercício da liderança como propunha a origem da palavra em latim se perdeu e diversas ondas fizeram com que as empresas se tornassem máquinas processuais, preocupadas com a eficiência e o lucro de curto prazo, colocando em risco legados, criatividade, inovação e criando uma legião de zumbis corporativos. Aliás, uma das lições que a arte deixa é a do legado: vida breve, arte longa. E isso se assistiu em todos os movimentos artísticos, desde a arte clássica que contemplamos museus afora, até chegar ao contemporâneo que te convida a fazer parte, trazendo algo muito mais sensorial e interativos, conversando com os tempos atuais. Uma provocação interessante em Inhotim, por exemplo, é a instalação de Adriana Varejão, que, no primeiro piso, expõe vísceras, convidando a todos a refletirem sobre transparência e sobre aquilo que carregamos por dentro.

“O humanismo retorna com toda a força porque os chamados “hard skills” não deram conta de resolver as crises econômicas. E a filosofia é mãe das humanidades. Mas temos que lembrar que humanidades propõe a formação do senso crítico, por isso, as ditaduras tiram humanidades dos currículos escolares”, refletiu, para, na sequência, fazer uma provocação relativa ao emaranhado de informações que circulam mas que, na maioria das vezes, pouco nutre o cérebro das pessoas. Para isso, ele recorre à uma expressão no mínimo curiosa: é mais interessante ter uma cabeça-bem-feita que ter uma cabeça-cheia. “Muita gente tem a cabeça cheia, mas não trabalha o entendimento real das coisas, é preciso ficar livre das amarras do conhecimento industrializado”.

A arte, seja ela contemplativa ou interativa, ela faz esse convite à reflexão, à introspecção, altamente necessário para que um líder exercite o autoconhecimento. Discussões em diversos grupos de filosofia falam sobre o movimento de estetização da vida, mas no sentido original da palavra, que é agir de forma sensível ao outro, mas para deixar esse momento de cabeça cheia, sem o senso crítico necessário para agir num mundo de complexidades. Mais interessante que as reflexões do professor Ricardo Carvalho, foi ver a abertura de executivos como Gil Torquato, CEO do UOLDiveo, Gilson Magalhães, da Red Hat, Marco Leone, da Micro Focus, Ricardo Carvalho, da PwC, e tantos outros, não somente à associação de liderança e arte, mas principalmente à retomada desse movimento de humanidades nas empresas.

“Vamos “desexecutivar” os executivos. Trabalhar o como sair do lado esquerdo do cérebro, que é o da racionalidade, para o direito, que é o da criação. Quando falo de estetização da vida é no sentimento de refinamento do espírito. Quando se fala em espírito tem senso estético, crítico, cuida, tem boas sacadas. Identidade só é construída junto ao sentimento de pertencimento, construção de vínculos corporativos.” Abaixo, deixo cinco pontos de destaque das várias reflexões propostas por Carvalho durante toda a jornada do Leadership Academy.

1. Criar afinidade e aproximação

A Igreja Católica Portuguesa na época das grandes navegações levava isso a risco. Um dos exemplos são os pequenos oratórios que produziam uma intimidade maior entre Igreja e fiéis. Outro são as imagens de santos. Entre os tesouros da Igreja de Nossa Senhora do Pilar, em Ouro Preto, está uma Santa Bárbara com traços chineses. Afinal, para conquistar fiéis no oriente era preciso muito mais que “vender”a ideia de um céu cheio de ouro, mas ganhar a confiança e mostrar uma aproximação ainda maior, como se o catolicismo fosse a religião de todos.

2. Liberdade ao outro

O ser humano é extremamente paradoxal e isso fica claro ao fazer uma releitura do movimento dos inconfidentes, dentro do Museu dos Inconfidentes, em Ouro Preto. Muitos inconfidentes, que clamavam pela liberdade, defendiam a escravidão, que viria a ser abolida somente quase cem anos depois da Inconfidência, em 1888. A sociedade atual, se levar a cabo esse paradoxo, é contra escravidão, mas não vive sem uma empregada doméstica. Mas tudo isso serve para a seguinte lição: a arte da liderança não existe sem a liberdade do outro.

3. Visão de futuro

Na visita ao maior museu de arte contemporânea a céu aberto do mundo, que é Inhotim, logo de cara o que chama a atenção é o que esse tipo de arte, que muita gente teima em não curtir por não entender, é algo essencial ao líder: a visão de futuro. São obras muitas vezes inacabadas ou que nunca ficarão prontas, por estarem em mutação, seja pela ação do tempo ou interação humana, como nos convida a refletir a instalação Jardim de Narciso, com suas esferas metálicas espalhadas por um espelho d’água que, com o vento, nos brinda diferentes visões de nós mesmo.

4. Lapidação de talentos

O primeiro grande momento da arte é o da representação. Quando não havia fotografia, a arte tentava imitar a vida, o ser humano à sua perfeição. Na Grécia, era tudo tão perfeito que parecia conversar com você. Mas o que tirar de lição? Olhando as grandes pedras de mármore, os artistas diziam, a obra de arte está aí, só basta tirar as arestas. O líder curador/artista visualiza isso por meio de lapidação de rochas brutas. Os talentos existem, muitas vezes estão na sua frente, bastante apenas aparar algumas arestas (treino, paciência, conversa, interação) para que ele aflore

5. Interatividade contemporânea

Passados os momentos da perfeição e do impressionismo, que ganha força com o surgimento da fotografia, nos idos de 1800, vem o contemporâneo e o convite à interação. Sai do quadro e passa a se integrar com as pessoas, deixa de ser algo apenas contemplativo para algo com o qual você se relaciona, trazendo a ideia de cocriação, economia criativa, colaborativa. Na organização, isso se traduz em convidar o colaborador a interagir o tempo todo. É preciso extrair o artista escondido dentro de cada funcionário. E uma dica importante: arte contemporânea não precisa ser entendida, mas sentida, mas, para isso, é preciso suspender seus juízos de valores.

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