Fim da neutralidade da rede nos EUA: Assespro e camara-e.net comentam decisão
Entidades acreditam que medida é retrocesso e defendem sua manutenção
A Federal Communication Commission (FCC), órgão regulador do setor de telecomunicações nos Estados Unidos, decidiu na última semana extinguir a Ordem de Internet que era mantida desde 2015, com a responsabilidade de governar com isenção e neutralidade o tráfego de dados por parte de provedores de serviços de internet e infraestrutura.
A decisão abre espaço para que empresas estejam autorizadas a oferecer diversas atividades digitais a partir de taxas de largura de banda diferentes, o que em outros termos significa dar margem para que pacotes de dados de diferentes fontes (usuários ou empresas, por exemplo) sejam priorizados a partir dos investimentos financeiros particularizados.
A Assespro-SP se pronunciou contrária à iniciativa e reiterou a importância da manutenção da neutralidade da rede como hoje é consolidada. A entidade demonstra também preocupação com movimentos semelhantes que vem ocorrendo em muitos países, inclusive no Brasil, e, por isso, manifesta apoio e solidariedade à iniciativa assumida pela Internet Society Capítulo Brasil (ISOC-BR), que se posicionou em defesa da neutralidade da rede, como também ao conteúdo da carta apresentada pelos pioneiros da internet enviada à FCC.
Com o título “Vocês não entendem como a Internet funciona”, na carta destaca-se o trecho: “A Ordem proposta revogou as principais proteções de neutralidade da rede que impedem os provedores de acesso à Internet de bloquear conteúdo, sites e aplicativos, abrandar ou acelerar serviços ou classes de serviço e cobrar serviços on-line de acesso ou vias rápidas para os clientes dos provedores de acesso à Internet”.
“A decisão da FCC é uma grande ameaça à neutralidade da rede. Declaramos forte apoio à manifestação dos pioneiros e líderes mundiais da internet, que sempre deram prioridade à igualdade no espaço digital. É importante para sociedade mundial que o pilar da neutralidade seja mantido e preservado e a decisão adotada traz um clima de insegurança jurídica. A neutralidade da rede deve ser uma meta a ser buscada continuamente para que a Internet continue trazendo os mesmos benefícios que até hoje forneceu”, defende Ricardo Theil, vice-presidente de finanças e sustentabilidade da ASSESPRO-SP.
Consequências
Para Roberto Mayer, Vice-Presidente da Federação Iberoamericana de Entidades de Tecnologia da Informação e Comunicação (ALETI – Brasil) e diretor de comunicação da Assespro Nacional, a decisão do FCC norte-americano foi unilateral, resultado de uma briga política doméstica e baseada nos interesses de algumas empresas americanas alinhadas com a gestão atual, indo na contramão de tudo que foi construído e acordado sobre o funcionamento da Internet em mais de 20 anos de discussão e atividades, o que, segundo o especialista, leva à previsão de resistência à execução efetiva do novo projeto.
Mayer ressalta ainda que outro entrave é que a decisão não foi unânime, sendo resultado de três votos a favor da queda enquanto dois foram contra. Os comissários que decidiram pelo fim da lei foram liderados por senadores republicanos e Ajit Pai, presidente da FCC, nomeado neste ano por Donald Trump, após anos atuando como advogado de grandes operadoras.
Na última sexta (15/12), deputados americanos já manifestaram intenção de levar a pauta para o debate no congresso, alegando que uma decisão em nível de lei se sobreporia ao de uma agência de regulação. “Como a decisão não foi unânime, o jogo não está encerrado, o que significa que a proposta não irá refletir de imediato. Porém, a questão traz um clima de insegurança jurídica e dá lugar a oportunismos. Mesmo no Brasil, já se criou um estímulo por parte de empresas interessadas em tirar proveito dessa condição. Se a alta qualidade nos serviços de Internet demandarem um pagamento específico, grupos menos favorecidos podem acabar tendo de utilizar serviços de péssima qualidade, o que pode ser prejudicial para o desenvolvimento social e tecnológico de pequenas e médias empresas”, alerta Mayer.
Retrocesso
Para o presidente da Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico (camara-e.net) e sócio do Almeida Advogados, Leonardo Palhares, a extinção da neutralidade de rede é um retrocesso para a sociedade e para a economia digital norte-americana, que poderá, sobretudo, limitar o desenvolvimento livre e democrático da internet, uma vez que possibilita às empresas de serviço de TV a cabo e internet, por exemplo, dar tratamento preferencial para alguns servidores e cobrar mais para que consumidores acessem conteúdos específicos ou até mesmo restringi-los.
“A neutralidade de rede é fundamental para o desenvolvimento da Economia Digital, pois assegura uma internet livre e sem discriminação, beneficiando usuários e a inovação via startups. Toda iniciativa que vise a privilegiar a poucos em detrimento da liberdade da internet deveria ser repudiada” declara Palhares.
Palhares, contudo, tranquiliza os brasileiros: “Nesse contexto, o Brasil fez melhor. A neutralidade de rede foi desde 2014 declarada pelo Marco Civil da Internet como um direito dos cidadãos brasileiros”.