Diversidade vai muito além da liderança

Por que temas como igualdade de gênero e racial deve engajar toda a equipe e não somente os líderes

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5:59 pm - 30 de abril de 2018

O tema diversidade tem ganhado destaque na pauta de organizações. Mas o assunto ainda está longe de estar resolvido. Afinal, se ainda estamos discutindo é porque ainda há questões para serem endereçadas – sobretudo em um setor tradicionalmente dominado por homens, como a Tecnologia da Informação (TI).

O IT Forum 2018, encontro que reúne CIOs e CEOs da 500 maiores empresas do Brasil, trouxe debates sobre o tema. É praticamente unânime a visão de que diversidade vai muito além da liderança.

Rachel Maia, ex-CEO da Pandora e hoje membro do Comitê de Presidentes da Amcham, convidada especial do painel, comentou que, para chegar às posições que conquistou, precisou fazer MBA em renomadas escolas, enquanto diversas outras pessoas nem precisariam. Ela elogiou a iniciativa de líderes de discutir temas como esses. “É importante porque vocês influenciam outras pessoas nas organizações de vocês”, afirmou.

Outra participante do painel foi Paula Bellizia, presidente da Microsoft no Brasil e também exponente quando o tema é liderança feminina. Para a executiva, não basta ter apenas o suporte dos líderes, como no seu caso, mas é preciso do apoio da empresa como um todo. “Vai além do apoio, é preciso presença. Se você tira o olho da bola, é incrível como os indicadores caem e o minaste de antes volta a vigorar. Precisamos ter a liderança inteira engajada”, alertou.

José Luiz Rossi, presidente da Serasa Experian, segue a mesma linha. “Temos de liderar pelo exemplo. É a melhor forma de liderança que podemos dar, fazendo isso de forma transparente”, recomendou.

Para Adriana Valério, diretora de TI da Dow, o foco deve ser sempre nos valores dos profissionais. “A parte técnica nós conseguimos desenvolver depois. Quero saber se aquela pessoa tem os valores que buscamos, está no nosso plano de diversidade, não se tem inglês. Curso de inglês nós pagamos para eles fazerem”, disse.

As iniciativas estão acontecendo e ganham destaque, mas ainda falta muito. É o que acredita Theo Van Der Loo, CEO da Bayer. “Vejo poucos CEOs interessados e comprometidos. Se efetivamente fosse assim, nem seria um tema para discutirmos. Noto que é um assunto completo e uma coisa é querer mudar, outra é conseguir”, destacou.

Rossi afirma que, no seu caso, ele é apenas uma pessoa na empresa. E, seguindo a linha dos outros participantes do painel, diz é preciso engajamento no alto nível. “Se não tivermos a gerência engajada, não anda. É a maior barreira atualmente”, acredita.

Por isso, Lúcia Bulhões, vice-presidente da Veritas para América Latina, diz que o importante é que o líder seja um propagador e o maior defensor das causas de diversidade. “Tem de ser genuíno. A diversidade melhora a performance porque traz visões diferente, com histórias de vida diferentes. Isso compõe um ambiente inovador e inclusivo.”

A opinião de Lúcia é complementada pela visão de Emilio Burlamaqui, CIO da Bayer. “Ou você acredita na diversidade ou será apenas uma fachada. Precisamos de pessoas diferentes, que pensem fora da caixa. Se tivermos sempre pessoas iguais, faremos as mesas coisas.”

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Uso de dados

Rossi comenta que a Serasa Experian aproveitou um importante recurso para ajudar no processo de estratégias de diversidades. “Somos uma empresa de dados. Por que não analisar os dados para chegarmos a algumas conclusões, não simplesmente olhando sentimento”, lembrou.

O executivo conta que no programa de trainee, no último ano, das 12 vagas, nenhuma foi preenchida por negros – algo que o deixou intrigado. Ele explica que, após análise das informações, a empresa detectou que a etapa de idioma do processo foi a que eliminou a maioria dos candidatos.

“Pedíamos um nível de inglês que nem mesmo nossos funcionários têm. Resolvemos diminuir a exigência e conseguimos incluir muito mais pessoas. Tive pelo menos três reuniões em que desafiei meu time para sairmos (desse cenário). Isso que a cultura de diversidade da Serasa é alta – há mais de 15 anos temos cota de inclusão de pessoas com deficiência, por exemplo.”

Van Der Loo cita outra possibilidade do uso de dados para auxiliar nas estratégias de diversidade. Ele lembra que o uso do próprio eSocial pode dar o panorama exato de quem são os profissionais negros da organização, por exemplo.

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Diversidade = negócios

Mais do que socialmente positivo, a aposta em diversidade é uma estratégia de negócios. “Diversidade é negócios e dinheiro”, pontuou Lilian Hoffman, CIO da BP.  O custo de uma multa de não cumprir cotas é muito mais cara do que de fato apostar nos profissionais, por exemplo.

A executiva cita ações internas da BP de capacitação de pessoas com deficiência. Outro ganho destacado por Lilian é a sensação de orgulho e pertencimento, outro ativo que as empresas têm buscado.

Grupos

Uma das principais apostas dos programs de inclusão e diversidade de organizações tem sido a criação de grupos – sejam comunidades de pessoas com deficiência, negros, LGBTs, ou até mesmo iniciativas de mulheres em busca de igualdade de gênero.

Paula Paschoal, diretora-geral do PayPal Brasil, acredita que o mais importante é a sensação de acolhimento que essas pessoas devem sentir.  “É saber como acolher e ouvir. Por isso os grupos são muito importantes. E, para esse acolhimento, não basta apenas a liderança apoiando. Precisamos dessa troca na empresa, de pessoas colaborando.”

Lúcia concorda com a importância dos grupos, mas, mais do que isso, ela destaca a necessidade de ações pontuais dos próprios líderes. “Pequenas iniciativas também são importantes. Há um mês, por exemplo, eu estava conversando sobre um processo seletivo com uma líder da minha equipe. Perguntei se havia algum candidato negro ou mulher. Sinto que essa pergunta lembra que aquela pessoa deve se atentar a isso.”

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Educação base

O tema diversidade vai muito além de ações de organizações ou entidades. Ela começa educação, dentro de casa. “Quando não vem de forma genuína e o homework não acontece, não adianta, (a diversidade) é balela”, disse Rachel. “Quando nosso mundo imediato tiver melhor (o de dentro de casa), aí sim acredito que essa movimentação consiga ultrapassar barreiras”, acredita.

Renata Marques, CIO da Whirlpool, cita como exemplo a baixa participação de mulheres no mercado de tecnologia, uma questão que, para ela, vem desde faculdades de ciência e engenharia de computação, dominadas em sua maioria por homens, mas antes disso, no próprio estímulo a meninas dentro de casa. “Você dá um eletrônico para o filho e uma boneca para a filha”, comentou. “Nosso hábito representa o estímulo que as crianças recebem.”

Por isso, Renata diz que, como pais e gestores, é preciso pensar nessas questões desde a infância, para criar referências e inspirar outras mulheres a entrarem na área. “As pessoas não sabem o que de fato profissionais de tecnologia fazem. Acham que é coisa de geek de programação, mas tem muitas outras áreas. A questão é dar exemplos e divulgar casos”, disse.

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Futuro

Rossi é otimista com o que o futuro reserva para as novas gerações. “Vejo nos meus filhos e em seus amigos uma atitude completamente diferente. O que não podemos é não manter isso nas empresas. Não tenho a menor preocupação em mudar a opinião de pessoas maduras. Se o profissional é racista ou machista, isso não vai mudar. O que fazemos nas organizações é não deixar que isso seja aceitável. Mas o que precisamos fazer com as gerações mais novas é que não sejam estragados. Eles não são e não pensam assim. Sou mais otimista que os estudos”, completou.

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