CIO da Mercedes-Benz: da consultoria para a revolução da TI na indústria

Após 17 anos na Accenture, Mauricio Mazza se especializou na indústria automotiva e agora, do 'outro lado do muro', comanda a TI da Mercedes-Benz

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8:05 am - 15 de fevereiro de 2019
Mauricio Mazza Mauricio Mazza

Para muitos profissionais, o primeiro estágio fica marcado de forma positiva para sempre na carreira. Afinal, é a primeira empresa que lhe deu uma oportunidade e o ponto inicial da trajetória profissional, na maioria das vezes ainda jovem e com muita vontade de colocar em prática o que está aprendendo na universidade. É o caso de Mauricio Mazza, CIO da Mercedes-Benz no Brasil.

Em 1999, quando ainda cursava engenharia mecatrônica na USP, Mazza teve a primeira experiência na carreira: foi estagiário da área de projetos estratégias de chassi de ônibus na Mercedes-Benz. “Meu trabalho como estagiário era o de fazer o Shadow IT. Comecei a fazer muitas atividades de programação e isso foi reforçando minha paixão pela área de tecnologia. Queria fazer isso profissionalmente para viver”.

Quando se formou, Mazza optou por trabalhar em uma empresa em que tecnologia fosse core business, não uma “área acessório” como no caso da indústria. A escolha foi pela consultoria global Accenture, onde ficou mais de 17 anos.

Na Accenture, seguiu uma trajetória de sucesso, iniciada em programação, passando por desenho de aplicações, configuração de processos, até chegar à liderança de equipes e projetos, de entregas e clientes. “Passei por várias indústrias, como siderúrgica, mineração e agronegócios, até o ponto em que fui responsável no Brasil pela parte de tecnologia de soluções para indústria automotiva”, lembrou.

Na posição, sua experiência envolveu empresas como GM, Honda, Renault, Iveco, BMW, Land Rover e a Mercedez-Benz, na qual vinha atuando desde 2010 praticamente full time, liderando projetos de implementação e consultoria baseadas em SAP.

Em 2017, recebeu o convite para “pular o muro”. “Criei uma especialização natural na indústria até o ponto que me credenciou a ser líder de tecnologia nessa área. Eu tinha a responsabilidade de pensar qual era o futuro da TI no processo das empresas – como organizar, criar arquitetura para suportar etc. Em um momento, recebi o convite para fazer isso não do lado de fora, mas dentro.”

Mão na massa e transformação no dia a dia

Mazza lembra que o principal motivador de sair de uma prestadora de serviços e voltar para a indústria foi a possibilidade de não só fazer, explicar e mostrar, mas ter a responsabilidade de construir do lado de dentro.

Ele brinca que, durante suas atividades nos clientes, ainda como Accenture, ele discutia com CIOs e equipes as definições e decisões do projeto, mas, em um determinado momento, era “convidado a se retirar da sala” para que as decisões fossem tomadas pelos profissionais da empresa. “Eu não queria sair. Queria ficar e ajudar a decidir. Tenho muito dessa inquietude de falar, fazer mais e querer colocar em prática”, comentou.

Por isso a decisão de aceitar o convite de se juntar à equipe da Mercedes-Benz. “O momento de fazer a mudança é agora, porque estamos vivendo um importante momento de mudança na indústria automotiva. É um período de cinco a sete anos em que a indústria vai passar por um turbilhão e está obrigando todo mundo a repensar conceitos e valor – seja na relação com concessionárias, motoristas ou proprietários. É todo o ecossistema.”

O executivo comenta que, além do momento certo de mudança, é uma empresa a qual ele já tinha identificação e conhecimento, tanto do período como estagiário, quanto dos diversos projetos tocados em parceria ainda na época de Accenture. “Isso me atraiu a fazer esse movimento e, olhando dois anos depois, estou completamente realizado e contente dessa decisão.”

A mudança permitiu Mazza a colocar em prática seu perfil “mão na massa”. “Minha paixão é ligar os pontinhos. O que eu faço melhor e contribuo mais é quando consigo olhar para a operação e pensar: isso que fizemos para determinado projeto no RH, por exemplo, não pode ser usado naquele outro ponto de manufatura?”, ressaltou. “É a capacidade de ligar os pontos que em um primeiro momento parecem desconectados e falar: isso é desse jeito, aquele outro lugar pode ter tal coisa. Essa é minha paixão.”

Inovações na prática

O conhecimento técnico de tecnologia no setor automotivo, aliado ao perfil inquieto de buscar inovações, tem trazido resultados para a companhia. Mazza tem liderado algumas transformações, em linha com as tendências e mudanças que o mercado está sendo direcionado.

O executivo comenta que a indústria automotiva tem grande foco na estabilidade, com esforços para que a linha de produção siga rodando e o core business funcionando. “Eficiência é a pauta da indústria por muito tempo.”

Até por isso, projetos de indústria 4.0, ou a chamada quarta revolução industrial, com grande foco em automação, já fazem parte da estratégia de eficiência. A mudança de fato, segundo Mazza, está na junção de estabilidade e a flexibilidade. “É o que eu tento colocar aqui: além da estabilidade, precisamos ter uma posição esquizofrênica de garantir estabilidade de um lado e flexibilidade de outro”, disse.

Alguns exemplos disso são as mudanças nas relações com o ecossistema, seja com uma API conectada a parceiros, uma infraestrutura hiperconvergente ou o uso de cloud computing. “Esses são movimentos de flexibilidade.”

“Conseguimos enxergar as coisas que fazíamos com viés diferente? Conseguimos oferecer alternativas ao negócio? Começamos a trabalhar de forma diferente, já introduzindo, por exemplo, funções de big data para usar toda monetização e capacidades de analytics para trocarmos dados. É dar uma cara nova para a TI.”

Um projeto que representa esse momento de transformação da TI interna é o da Fábrica 4.0, inaugurada em março de 2018. A fábrica de São Bernardo do Campo, no ABC Paulista, ganhou uma linha completamente nova de montagem de caminhões, dando um grande passo e histórico rumo à implantação do conceito de indústria 4.0 no País.

Com equipamentos, ferramentas, processos e tecnologias de última geração, a nova linha de montagem faz parte de um investimento de R$ 500 milhões aplicados na fábrica desde 2015. Foram três anos de construção de um prédio novo que concentra a montagem de caminhões, desde os leves aos pesados, e a logística de peças, num sistema moderno, integrado e inteligente de produção.

No espaço, a tecnologia digital e a hiperconectividade asseguram padrões de qualidade e produtividade, além de flexibilidade para atendimento às demandas do mercado. O colaborador, por sua vez, está totalmente integrado às tecnologias e aos processos inovadores de produção e logística.

“É um projeto que deu muito orgulho. Por um lado, porque conseguimos ajudar a fazer a linha ser 15% mais eficiente e, de outro, pois mostra o momento de transformação, em que a eficiência passa a ser o grande diferencial. Ainda, cria uma grande responsabilidade porque agora não tem o botão de ‘desligar a TI e continuar fazendo caminhão’. Estamos casados com a operação. Se não tivermos sistemas sob controle, não saem caminhões do outro lado”, destacou.

Para o executivo, o projeto ilustra o novo momento tecnológico da companhia. “Conseguimos fazer um grande trabalho de arquitetura de tecnologia, além de pensar fora da caixa”, comentou, destacando também a tecnologia de realidade mista, implementada para auxiliar na concepção das linhas. “Trouxemos coisas que parecem videogame”, brincou.

Novo perfil de liderança

Mais do que a mudança de atuação, sendo de fato o protagonista da transformação digital, a volta à indústria trouxe desafios de liderança para Mazza.

Ele lembra que, na Accenture, a dinâmica de consultoria era de trabalhos e projetos com objetivos na maioria das vezes com curto prazo. “Você sabe que esse time pode se desmanchar e ter uma nova equipe em pouco tempo. Os times têm um propósito dado.”

No caso da indústria, a dinâmica é de, além de entender o propósito, criar também relações e perspectivas no longo prazo. “Não tem melhor ou pior. São coisas diferentes”, comparou. “Na indústria, você tem mais tempo para trabalhar aspectos de time, de conseguir atingir certos pontos que muitas vezes um projeto não permite tempo. Por outro lado, o tempo pode ser inimigo. Brincávamos na consultoria que o melhor é ter um final horroroso do que um horror sem fim, porque pelo menos sabemos que o projeto teve um final.”

“O desafio aqui é de dar propósito para as pessoas, empoderar os colaboradores e trazer a transformação digital não só em tecnologias, mas em cultura”, completou Mazza.

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