CFOs e a mudança de rota para a transformação digital
Mais do que reportar resultados financeiros das empresas, os CFOs agora devem também alimentar estratégias de crescimento como um todo
Sempre fiz parte da área de Finanças dentro do mundo da tecnologia. Preciso dizer que, por muito tempo, vi meus colegas e CFOs de outras empresas pilotando suas naves em “voo cruzeiro” – sem grandes mudanças – com foco nos aspectos financeiros. E muitos estavam convictos de que a jornada para a transformação digital aconteceria, mas que seriam mega projetos de longo prazo e distantes de nosso dia a dia. Era uma visão de que tudo seria implementado lá adiante, já com muitas horas de voo e num futuro quase que inacessível.
Bem, as nuvens cinzentas e pesadas da pandemia geraram uma turbulência única, forçando a mudança de rota de muitas companhias e fundamentando uma máxima, agora, inquestionável: nos próximos dois a três anos, esperamos ver a transformação digital em um ritmo que, antes de 2020, pensávamos que levaria de cinco a dez anos. Neste novo contexto, vale pensarmos no papel estratégico dos CFOs. Agora, ele assume o manche dos negócios extrapolando unicamente o segmento financeiro das corporações, com um olhar estratégico amplo que faz toda a diferença, contribuindo de forma decisiva na tomada de decisões.
Ao longo dos últimos anos, os profissionais que já estavam mais sensíveis a essas mudanças vêm acumulando novas e importantes funções, olhando para os números que vão além das tradicionais planilhas. Mais do que reportar resultados financeiros das empresas, os CFOs agora contribuem para a geração de novas receitas mantendo, claro, um fluxo de caixa positivo, mas sabendo alimentar estratégias de crescimento como um todo. Isso passa, indubitavelmente, por um olhar mais crítico para criação e adaptação de métricas, com análises de dados mais voltadas para essa agenda da Era Digital.
O estudo do Instituto for Business Value (IBV) Global C-Suite da IBM em 2020, baseado nas opiniões e percepções de 2.105 CFOs no mundo todo, sendo 100 na América Latina, corrobora com esta mudança de cenário e o novo momento que vivemos. Quando questionados sobre “quais são as forças externas mais importantes que irão impactar seu empreendimento nos próximos dois a três anos”, os diretores financeiros dizem que a tecnologia é mais uma vez a maior influência/força externa que afeta suas organizações. Em estudos anteriores, as condições de mercado lideravam a lista. A tecnologia é agora uma grande influência externa aos olhos de 57% dos CFOs.
Outro ponto importante do levantamento: 87% dos CFOs que participaram do estudo consideram os dados um ativo estratégico que podem ser usados para fornecer experiências individualizadas e profundamente diferenciadas, impulsionadas por operações sofisticadas e inteligentes. Em contextos anteriores, os dados eram usados principalmente para fins de fabricação, distribuição e gerenciamento de negócios. Agora, com o advento da IA, internet das coisas (IoT) e computação em nuvem, as organizações finalmente possuem ferramentas para transformar bytes em insights e gerar conhecimento contextualizado e preditivo, o que, sem dúvida, passa pela área financeira das corporações. Não por acaso, uma pesquisa recente do Gartner aponta que 82% dos CFOs que participaram do levantamento pretendem aumentar o investimento em recursos digitais no ano fiscal (FY) de 2021, em comparação com o anterior.
Para esta mudança de rota extremamente sólida, fica mais do que evidente que o plano de voo dos CFOs precisa passar por transformações. Deixo aqui alguns insights fundamentais para esta nova jornada.
- Parceria entre CFO e CIO: Colaborações bem-sucedidas entre CIOs e CFOs são importantes porque esses jogadores-chave fornecem as habilidades financeiras e técnicas necessárias para a transformação de TI, que por si só está se tornando um diferencial competitivo e trazendo resultados e diferenciais competitivos para as organizações.
- As tecnologias não são tendências, já são realidade. É preciso ficar claro para os CFOs: a tecnologia é protagonista na jornada de transformação das organizações e isso, inevitavelmente, passa pelo setor financeiro, não há outro caminho. Vale ressaltar que o mais importante habilitador de empresas digitais é a nuvem híbrida, capaz de ampliar a resiliência operacional dos negócios. Além disso, a adoção de uma arquitetura baseada em padrões abertos permite acelerar o uso de dados, aplicar análise avançada, IA e automação em diversas frentes de trabalho.
- Foco nas pessoas: A transformação digital é habilitada por tecnologia e automatização de processos, como sabemos, mas a verdadeira transformação só acontece com as pessoas. Isso é cultural. Nosso papel essencial como executivos, independente da área que atuamos, é preparar a força de trabalho para isso porque negócios são transformados por pessoas e é crucial despertar a curiosidade e liberar a criatividade e a inovação de nossos times.
- Identifique oportunidades: No caso dos CFOs, estamos em uma posição privilegiada para identificar oportunidades de investir em capacidades que podem gerar valor significativo, aumentando a inteligência financeira em todos os níveis e apoiando as iniciativas gerais de desenvolvimento de talentos da empresa. Ajudar a ter as pessoas certas com as habilidades certas nos lugares certos pode favorecer a eficiência operacional, a satisfação do cliente e outros elementos que impulsionam as vendas, receitas, lucros e muitas outras medidas de desempenho.
As nuvens pesadas devem permanecer, deixando o voo das empresas desafiador nos próximos meses e, sem dúvida, manobras firmes serão fundamentais rumo à transformação digital. A questão é: em que estágio dessa transformação os CFOs querem estar quando o “céu de brigadeiro” do mercado voltar a surgir, se é que ele vai voltar a surgir? O manche, sem sombra de dúvidas, está em suas mãos.
*José Roberto Kropf Machado é CFO da IBM Brasil