ABFintechs: Brasil passa por ‘fintechzação’ da economia
Segundo Diego Perez, presidente da associação, finanças embedadas em empresas de diversos setores aproxima elos e é futuro do mercado
Poucos vão discordar que o Febraban Tech era considerado, até bem pouco tempo atrás, não só o principal evento de tecnologia para o setor financeiro do Brasil, mas o maior para qualquer setor. Isso se deve em grande parte ao fato de os bancos terem reinado, por algumas décadas, sobre o volume de investimentos feitos no País em tecnologia da informação, talvez acompanhados à distância pelas operadoras de telecomunicações.
Mas o cenário, sem dúvida, mudou. Parte devido ao movimento de transformação digital que tomou de assalto outros mercados, parte graças à ascensão das startups do setor financeiro, conhecidas como fintechs, e que têm aos poucos forçado um movimento de descentralização. Se elas eram poucas até uma década atrás, hoje são quase 1.500 fintechs no mercado brasileiro, segundo levantamento do Distrito – algumas delas, como Original, Nubank e XP, só para ficar em três exemplos, provavelmente sequer podem ser chamadas mais de startups.
Não por acaso essas empresas inovadoras têm estado cada vez mais sob os holofotes, inclusive do governo, com o Banco Central as incluindo em projetos estruturantes e as tendo regulado já há alguns anos por meio de resoluções que datam pelo menos de 2018. Suas ofertas têm, entre tantas outras coisas, permitido que empresas de diversos setores se tornem, elas próprias, fintechs.
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“É a ‘fintechzação’ da economia”, diz Diego Perez, presidente da Associação Brasileira de Fintechs (ABFintechs), e CEO da SMU Investimentos, em entrevista exclusiva ao IT Forum. “As fintechs tem soluções tecnológicas para fazer com que o dinheiro circule de forma mais rápida, eficiente e segura entre seus agentes. E os conglomerados têm muitos agentes.”
A associação de fintechs nasceu com o objetivo de ser uma entidade representativa para as startups do setor frente ao mercado financeiro, órgãos reguladores e poderes públicos. Hoje são cerca de 700 empresas associadas, ou quase metade do universo mapeado pela Distrito.
Na conversa com o IT Forum, Perez falou não só da importância crescente das fintechs no sistema financeiro brasileiro, mas em todos os setores. Afinal, ao que tudo indica, toda organização também quer oferecer serviços financeiros aos clientes.
Confira os melhores momentos:
IT Forum: A ABFintechs foi criada em 2016. Qual o objetivo da associação?
Diego Perez: Nascemos com a função de ser uma entidade representativa para a interlocução com o mercado financeiro de capitais. Sempre que tem uma nova regra sendo discutida, a gente tenta participar. Levamos propostas para a CVM [Comissão de Valores Mobiliários], acompanhamos os movimentos do Congresso Nacional para saber das leis que podem nos impactar.
Como também crescemos o suficiente para nos tornarmos um hub, também promovemos eventos, encontros, negócios, contratações coletivas para fornecedores a preços mais acessíveis. Temos os mantenedores que querem estar mais próximos [do ecossistema].
IT Forum: Aproveitando o gancho, que são os mantenedores da ABFintechs. Qual o perfil e objetivo deles?
Perez: No nosso site tem a relação completa, mas temos desde o BTG, a B3, o Pinheiro Neto Advogados, o Mercado Bitcoin… São quase 20 mantenedores. Há uma diversidade porque as fintechs se encaixam em diversos setores.
O Pinheiro Neto, por exemplo. As fintechs atuam em um setor muito regulado. Mas ao mesmo tempo o BC procura as fintechs para desenvolvimento de novas regras. O escritório quer estar próximo para ter acesso à essas inovações.
IT Forum: Você mencionou o BC. Existe um reconhecimento governamental estabelecido sobre a importância das fintechs? Isso tende a crescer até estados e municípios?
Perez: O reconhecimento das fintechs vem mais pela genialidade das atividades que conseguem entregar com poucos recursos, e os resultados que alcançaram. Não necessariamente vem dos poderes municipais e estaduais, porque a regulação é federal.
Pode até existir um ou outro estado com leis orgânicas e locais para tentar atrair esse tipo de empresa para seu território, mas não interfere diretamente na razão de existir de uma fintech.
O BC foi muito feliz uns 10 anos atrás quando apresentou a agenda BC+, como chamava na época, e criou um conjunto de políticas públicas para incentivar a competição e aumentar eficiência, competitividade e inclusão financeira. Ali ele entendeu que precisaria fazer uso de metodologias inovadoras e tecnologias emergentes.
O mercado bancário principalmente ainda é muito concentrado. Ele já foi diluído de maneira positiva o suficiente para que essa agenda tenha se mostrado útil. Fazendo com que as fintechs fossem protagonistas desse sucesso. O BC tem um certo apreço pela existência das fintechs como resultado de uma política pública que ele editou no passado.
IT Forum: O setor público hoje é um grande demandante de soluções de fintechs?
Perez: É em certa medida, mas mais para eficiência própria, não para [uso em] políticas públicas. Todo estado precisa recolher impostos, alguns fazem isso usando Pix ou cartão de crédito. As fintechs são ferramentas da gestão pública, mas somos muito pouco acionados por governos municipais e estaduais para formulação de políticas públicas.
IT Forum: Qual o perfil das fintechs brasileiras atualmente? Algum segmento em específico atrai a maioria delas? Quais os mais relevantes?
Perez: Isso tem diretamente a ver com o mercado brasileiro, que é muito dinâmico. O setor que tinha mais representatividade, mais se repetia, era o de pagamentos. A lei que criou o Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB) é de 2013, e foi a pedra fundamental que trouxe solo minimamente firme para as fintechs crescerem.
De 2017 para cá houve um movimento na área de crédito. Com a pandemia o acesso à crédito se tornou necessário, fundamental para estabelecimentos comerciais, principalmente físicos. Hoje as fintechs de crédito são as mais representativas.
E aí vão surgindo outras, as que facilitam serviços financeiros são muito representativas. Tem os bancos digitais e carteiras digitais, que é um híbrido de pagamento com gestão financeira.
IT Forum: A recente crise de capital disponível para startups e empresas inovadoras afetou de alguma forma as fintechs?
Perez: Não digo que afetou especificamente. É um negócio transversal. Diria as empresas de tecnologia como um todo. Até as Big Techs demitiram dezenas de milhares de pessoas.
É mais uma questão de se adaptar a uma nova realidade. As empresas de tecnologia dependem de investimento intensivo para desenvolver produtos inovadores, e o capital está estacionado. A taxa de juros está alta, e mesmo o mais arrojado dos investidores não quer deixar de ganhar dinheiro com risco baixo.
Isso só vai voltar ao nível pré-pandemia quando as taxas de juro estiverem baixas, daqui uns três ou quatro anos. Vai ser um período complicado. Mas já tem especialistas indicando que a partir de 2024 isso deve desacelerar. Ninguém consegue se manter com taxa de juros altos porque a produção cai.
IT Forum: Sob a perspectiva das fintechs, como caminha o Open Finance? A impressão é de que o sistema não tem tido tanta adesão dos consumidores quanto se esperava.
Perez: Eu entendo seu ponto de vista, de achar que é devagar. Mas se olharmos os números não é, não. O Open Finance depende de consentimento, o usuário precisa autorizar a instituição financeira a transmitir os dados.
O último levantamento que fui olhar eram mais de 20 milhões de consentimentos ativos [até fevereiro de 2023, segundo o Banco Central]. É uma fatia relevante. Tem países extremamente desenvolvidos que não tem esse número de habitantes.
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Da primeira região do mundo a implementar o open banking, que é o Reino Unido, o Brasil já ultrapassou todos os números. No recorte per capto ainda não. Mas eu estive recentemente no Reino Unido para um evento e eles queriam saber o que estava acontecendo aqui. Em todos os painéis em que estive se disse que o Brasil está fazendo um excelente trabalho e eles querem acompanhar para não ficar para trás.
Muitas fintechs estão se apoiando na infraestrutura do Open Finance para desenvolver soluções. Os iniciadores de pagamento, que serão o elo de ligação entre o Pix e o Open Finance, estão puramente com as fintechs. Tem até fintechs estrangeiras com autorização para iniciar transações no Open Finance.
IT Forum: O Open Finance, as APIs e a oferta de bancos como serviço tem inserido o setor financeiro em empresas de todos os outros segmentos. É o movimento chamado de “finanças embedadas”. Esse é o futuro do setor?
Perez: Sim. A gente vive em uma sociedade capitalista e o capital é que dita as regras. Em todas as indústrias e setores o principal elo entre consumidor e produtor é o dinheiro. Quando você contrata fornecedores, todo mundo está objetivando lucro.
No fim do dia o que conecta os agentes do mercado é o dinheiro. E as fintechs tem soluções tecnológicas para fazer com que o dinheiro circule de forma mais rápida, eficiente e segura entre esses agentes.
E os conglomerados têm muitos agentes. O agro tem o produtor, tem o vendedor de sementes, a logística etc. Se existem soluções financeiras para aproximar os agentes do conglomerado, o dinheiro acaba nem saindo de lá. É uma tendência que todos os segmentos minimamente desenvolvidos queiram ter suas fintechs.
É assim com o agro, já está acontecendo com o transporte logístico, com o [setor] de energia. Para que? Melhorar a arrecadação, pagamento da conta de luz etc. A tendência é que as fintechs se tornem uma espécie de facilitador para que tudo isso aconteça.
É a ‘fintechzação’ da economia.
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