2023 na agenda de TI: antigos desafios, novas oportunidades 

Na avaliação de CIOs e consultorias, líderes de tecnologia continuarão enfrentando escassez de talentos e devem amadurecer a adoção de tecnologias

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10:30 am - 30 de dezembro de 2022
ti tecnologia Imagem: Reprodução/Shutter Stock

Habilitar e suportar a transformação digital acelerada de suas empresas; navegar por um cenário global de instabilidade geopolítica, econômica e de inflação; e enfrentar a escassez contínua de talentos em TI: a agenda de líderes de tecnologia sempre foi uma repleta de desafios, mas há tempos que não se mostrava tão complexa quanto na atualidade.

Mas conforme o ano de 2022 se aproxima do fim e o mundo continua sua retomada pós-pandemia e reorganização frente às transformações dos últimos dois anos, é importante que CIOs e outras lideranças de tecnologia voltem sua atenção para as perspectivas futuras da TI.

Quais serão as tendências, tecnologias e inovações que devem ganhar força a partir do próximo ano? E mais importante: como elas impactarão as agendas dos líderes de TI, a atuação de suas equipes e os negócios de suas organizações?

Para trazer um panorama do que aguarda executivos de TI a partir de 2023, o IT Forum ouviu as previsões de consultorias de mercado e conversou com líderes de diferentes segmentos da economia, questionando-os sobre suas perspectivas futuras. As avaliações, é claro, são diversas, mas uma certeza é comum à avaliação de todos: 2023 ainda será um ano de grandes desafios para as lideranças de TI.

“Tempestade perfeita”

“Líderes de tecnologia sempre consideraram transformações como parte de seu trabalho, mas, desta vez, algo de diferente e surpreendente está acontecendo: todas as disrupções estão interconectadas. É uma tempestade perfeita de instabilidade, volatilidade e incerteza”, foi assim que Serge Findling, vice-presidente de pesquisa da IDC, começou sua apresentação durante o ‘IDC FutureScape: a agenda global do CIO 2023’, evento em que a consultoria apresentou previsões que devem impactar líderes de tecnologia no futuro próximo.

Essa “tempestade perfeita” é constituída por uma soma de diferentes fatores. Entre eles estão a inflação e a recessão globais, que voltam a preocupar lideranças de empresas após muitos anos; a cadeia de produção internacional, que segue sendo impactada pela invasão russa da Ucrânia e pela realidade pós-pandemia; e os desafios estruturais trazidos pela rápida digitalização dos últimos dois anos, incluindo na cibersegurança e de falta de mão de obra qualificada em TI.

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Isolados, cada um deles já representa um desafio de peso. Mas é o fato de estarem interligados que exige, segundo a IDC, uma nova atuação dos decisores de TI – um ‘CIO do futuro’. “Esses elementos externos críticos obrigaram as empresas a evoluírem e se adaptarem a uma economia do futuro, primariamente digital. A organização de TI precisa, então, se tornar uma ‘organização de TI do futuro’ que vai habilitar a ‘empresa do futuro’. E tanto a ‘empresa do futuro’ quanto a ‘organização de TI do futuro’ precisam de um novo líder, o ‘CIO do futuro’“, explicou Findling.

O ‘CIO do futuro’ deve estar pronto para lidar com um escopo maior de responsabilidades de negócio, alertou a IDC. De acordo com a consultoria, até 2025, 70% dos CIOs terão suas funções desafiadas por contrapartes de linhas de negócios – que podem demonstrar uma melhor capacidade de alinhar a tecnologia com a missão da empresa e com seus clientes. “No passado, a organização de TI e o CIO definiam a tecnologia, hoje é necessário que eles trabalhem junto com os ‘tecnologistas’ de negócio, já que virtualmente tudo está se tornando digital”, pontuou Joseph Pucciarelli, conselheiro executivo da IDC.”É um desafio e mudança significativa para todos nós”.

Mas quais serão as habilidades exigidas destes ‘CIOs do futuro’? De acordo com o IDC, o domínio de ferramentas de inteligência artificial, de aprendizado de máquina e “automação profunda multi-departamento” são algumas das mais importantes. Até 2025, 75% dos CIOs agregarão inteligência e tecnologias automatizadas aos sistemas críticos de suas empresas, prevê a consultoria.

Essas ferramentas, apontam os especialistas da IDC, serão os instrumentos necessários para combater a volatilidade contínua do mercado. “Nós esperamos que a volatilidade será uma companheira pelos próximos anos. Essa volatilidade requer e exige de nós uma agilidade junto à organização de TI e suas funções”, completou Pucciarelli.

Procuram-se talentos

“Uma das prioridades do ano é a busca e a retenção de talentos”, afirmou Luis Bittencourt, CIO da F1rst, braço de tecnologia do Santander Brasil, em entrevista ao IT Forum.  “Nesse mercado tão competitivo, não tem como falar de qualquer outra vertente se não falar primeiro nas pessoas. Em todos os níveis: é um super desafio formar uma liderança que faça frente aos desafios de TI, mas também engenheiros, arquitetos e pessoas especializadas”.

A continuidade da crise de talentos em TI é unanimidade entre os CIOs ouvidos pelo IT Forum sobre as prioridades da agenda de tecnologia para 2023. Após anos de rápida digitalização em vários segmentos da economia, adquirir e manter equipes para a manutenção da transformação digital tornou-se um desafio complexo por todo o mundo. Dados parciais do estudo ‘Antes da TI, a Estratégia’ de 2023, pesquisa anual realizada pela IT Mídia com líderes de tecnologia, revelam que dos três maiores fatores de risco apontados por lideranças para a implementação de suas estratégias de TI em 2023, dois deles estão relacionados a falta de pessoas capacitadas: o recrutamento e seleção de talentos (67% dos respondentes) e a falta de equipes com habilidades necessárias (47%).

Segundo dados do Gartner, até 2025, a “volatilidade do trabalho” fará com que 40% das organizações relatem uma perda material de negócios. A consultoria inclui nessa “volatilidade” desafios como a ‘grande demissão’ – fenômeno de pessoas deixando seus empregos em massa –, casos de “burnout” e a “desistência silenciosa” – quando colaboradores “desistem” silenciosamente do trabalho por não se sentirem reconhecidos ou devidamente remunerados –, continuam a desafiar os líderes empresariais a encontrar, atrair, contratar e reter talentos.

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“A volatilidade do trabalho tem uma correlação direta com os modelos de execução e entrega de organizações e afetam o desempenho financeiro”, avaliou Daryl Plummer, analista e vice-presidente do Gartner. Para ele, o diálogo de resiliência deve se tornar uma conversa do CEO e da diretoria, em vez de uma conversa “isolada para o RH”.

No Brasil, segundo dados da Associação das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação e de Tecnologias Digitais (Brasscom), os empregos no setor de Tecnologia da Informação e Comunicação, que a associação chama de TIC, cresceram 14,4% em 2021. Cursos de graduação e qualificação de profissionais, no entanto, não deram conta do ritmo necessário de formação. Como resultado, a associação estima que o déficit de profissionais de TI no Brasil deve chegar a 797 mil até 2025.

Para mitigar esse desafio, líderes de TI têm apostado em um leque amplo de benefícios e de requalificação para estimular profissionais a ficarem em suas empresas. “Trata-se de uma questão global no mercado de tecnologia”, lamentou Daniel Dosualdo, CIO da Raízen, ao falar sobre a questão da escassez de talentos. “Acreditamos bastante na oferta de valor do movimento ‘Raízen Tech’ para os nossos colaboradores, composto por pilares como reconhecimento, capacitação, desafios e oportunidades de tecnologia, e evolução da nossa ‘cultura tech’”.

Para os líderes ouvidos pelo IT Forum, fomentar o protagonismo dos funcionários em TI e uma atuação colaborativa é essencial para garantir a formação de uma “cultura” que estimule talentos a permanecerem em uma empresa. Essas ações são particularmente importantes para mitigar o risco de tendências como o “quiet quitting”, quando colaboradores “desistem” silenciosamente do trabalho por não se sentirem reconhecidos ou devidamente remunerados.

“Se a cultura da empresa, o relacionamento com o gestor, o relacionamento entre equipes, não estão em um ambiente em que o colaborador se sinta psicologicamente seguro, ele não vai ficar. Ainda mais nesse momento de muitas demissões”, opinou o diretor de engenharia de Software do Mercado Livre no Brasil, Thiago Oliveira.

“Nunca vi um momento tão desafiador para criar conexões com as pessoas”, avaliou o CIO da F1rst. “Mas você ataca esse desafio criando conexões: conhecendo quem está junto, se interessando pela vida da pessoa, pelos anseios e medos, e dando abertura. Assim que nós minimizamos esse desafio e criamos times de alta performance.”

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Esse cenário de volatilidade, no entanto, também apresenta oportunidades. “A incerteza traz tanto oportunidades quanto riscos. A chave para desbloquear essas possibilidades é reimaginar suposições – especialmente aquelas enraizadas em um passado pré-digital”, disse o analista e vice-presidente do Gartner.

De acordo com a consultoria, até 2025, as chamadas “métricas de valor dos colaboradores” – o que inclui questões como bem-estar e satisfação com a marca para a qual trabalham – substituirão as avaliações de retorno sobre o investimento (ROI) em 30% das decisões de aplicações de crescimento bem-sucedidas. Na prática, isso significa que os investimentos em esforços como o bem-estar dos colaboradores e a experiência do cliente podem gerar retornos financeiros diretos por meio do aumento da receita e da redução de custos.

Outra tendência que o Gartner destaca como essencial é que as empresas corrijam as disparidades salariais entre homens e mulheres que ainda existem no mercado. As pesquisas da consultoria mostram consistentemente que a remuneração é um dos principais impulsionadores da atração e retenção de talentos, mas apenas 34% dos colaboradores acreditam que seu pagamento é justo. Até 2025, diz o Gartner, organizações que corrigirem as disparidades salariais entre homens e mulheres reduzirão o atrito junto a essas profissionais em 30%, reduzindo a pressão sobre a escassez de talentos.

Maturidade de nuvem e de dados

Na fronte de tecnologia, líderes ouvidos pelo IT Forum destacam que 2023 será um ano de trazer mais “maturidade” para a TI. Ainda que novas tecnologias, como o recém-chegado 5G, devam oferecer novas oportunidades a serem exploradas, são ferramentas e tendências que há anos já estão sendo aplicadas que ganharão nova relevância junto ao negócio. Entre elas, está a computação em nuvem e os dados.

Dados do Gartner, por exemplo, apontam que os ecossistemas de nuvem consolidarão o cenário de fornecedores em 30% até 2025. Isso deve deixar clientes com menos opções e menos controle sobre o destino de seu software, mas com mais opções de ferramentas e novos recursos de nuvem por grandes fornecedores, que devem acelerar a velocidade e agilidade do desenvolvimento em ambientes de nuvem.

Essa leitura também se reflete nos resultados parciais do estudo ‘Antes da TI, a Estratégia’ de 2023, realizado pela IT Mídia. Dos líderes de TI respondentes, 71% colocaram ‘aumento da segurança de dados e dos ambientes de TI’ e ‘aumento da inteligência do negócio’ como prioridades para o próximo ano. A nuvem pública, por sua vez, desponta como a tecnologia que mais teve crescimento em relação ao ano passado, e será foco de investimento de 68% dos executivos entrevistados.

“É mais um ano em que todos vão entender melhor como usar seus parceiros de nuvem. Seja processando, desenvolvendo, migrando ou montando uma estratégia mais resiliente. Mas, principalmente, simplificando a abordagem”, opinou o CIO da F1rst, Luis Bittencourt. Em sua agenda de nuvem para 2023, o executivo destacou que tem projetos para aceleração do desenvolvimento e processamento em nuvem, inclusive para desenvolvimento nativo. O time também buscará mais resiliência através da nuvem, mas pensa em estratégias para evitar o lock-in.

Daniel Dosualdo - Raízen

Para Dosualdo, CIO da Raízen, a nuvem também será a prioridade. Sua motivação, no entanto, é outra: com o aumento dos custos de tecnologia, em decorrência da inflação global, a aposta é em soluções de nuvem para otimizar o orçamento da TI. “Trabalhamos para ter cada vez menos dependência de equipamentos físicos no nosso ambiente de Tecnologia com soluções em Cloud”, explicou. “Planejamos os projetos que requerem equipamentos com antecipação e atuamos com nossa área de Suprimentos procurando nos antecipar em frentes estratégicas para a Raízen”.

Oliveira, do Mercado Livre, cita outra tecnologia que vem ganhando maturidade ao longo de 2023: dados. “A gente precisa começar a trabalhar uma governança cada vez maior de dados para conseguir atingir um nível de qualificação de informação – e só então trabalhar com inteligência artificial ou machine learning para gerar uma personalização para os clientes”, explicou o executivo.

Ao longo dos últimos anos, avaliou Oliveira, equipes de tecnologia se concentraram na obtenção de uma “volumetria” enorme de dados de seus clientes e negócios. O desafio agora é, segundo ele, garantir que estes dados estejam higienizados e estruturados para que uma verdadeira inteligência de negócios possa ser retirada para a empresa. “Antes o mercado tinha muito interesse em armazenar os dados, mas pensava ‘lá na frente vamos ver como vai usar esses dados’. Mas esse ‘lá na frente” chegou”, brincou.

“O mercado como um todo está amadurecendo e vendo que as ferramentas, o encanto pelo big data, pelo data lake, está se dissipando”, seguiu Bittencourt, da F1rst, na mesma linha. “Muitos estão vendo que se investiu na paixão pela ferramenta e pelo método, mas teve pouco valor extraído. O que as empresas estão percebendo é que não basta ter as ferramentas e as pessoas. Você precisa ter uma especialização no problema de negócios a ser resolvido.”

*Reportagem originalmente publicada na revista IT Forum de novembro de 2022

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