Google: “É preciso pensar nos estúdios de games como se fossem startups”

Big tech oferece US$ 2 milhões para estúdios independentes através de fundo na América Latina e vê mercado brasileiro com grande potencial

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1:12 am - 25 de agosto de 2023
Daniel Trócoli, head de parcerias para jogos do Google Play para a América Latina (Divulgação)

“É preciso pensar nos estúdios de jogos como se fossem startups, porque muitas vezes eles vão falhar em seus primeiros jogos. É preciso investir na capacidade daquele estúdio, só que a única maneira que tenho para avaliar o estúdio é através do produto dele.”

Essa frase impactante surgiu no bate-papo que a coluna Além do Gameplay teve com Daniel Trócoli, head de parcerias para jogos do Google Play para a América Latina. Ela resume bem como a big tech tem olhado para os desenvolvedores de jogos aqui do Brasil e da América Latina como um todo e – não por acaso – está oferecendo US$ 2 milhões através de um fundo para 10 desenvolvedores e estúdios de games independentes, que além do montante recebem apoio técnico, treinamento e acompanhamento. O Indie Games Fund teve sua primeira edição no ano passado e agora, em 2023, tem inscrições abertas até o dia 1º de setembro.

O Google e os desenvolvedores brasileiros sem dúvida já têm colhido resultados dessa troca. O Indie Games Fund não exige contrapartida em termos de capital ou participação acionária nos estúdios, mas os selecionados devem levar seus games para o Google Play, caso já não esteja, e oferecê-lo no serviço de assinaturas Google Play Pass. Uma relação ganha-ganha.

Em 2022, 50% desse aporte financeiro ficou na mão de desenvolvedores brasileiros que, segundo Trócoli, tem um contingente maior de profissionais, juntamente com a Argentina. “Todos os desenvolvedores começam com muita paixão, mas aos poucos há o entendimento disso como negócio”, ressalta. “Nas indústrias criativas, de forma geral, o produto acaba vindo primeiro e o negócio acaba vindo depois, e às vezes, a pessoa nem está preparada para o sucesso.”

Conhecedor do mercado e atuante na indústria de jogos há muitos anos, o representante do Google trouxe insights bem interessantes para a coluna sobre o mercado de jogos e, claro, sobre o Indie Games Fund .

Pensando no sucesso econômico dos desenvolvedores.

“Sou do time de negócios do Google Play e a nossa missão é gerar negócios bem-sucedidos. Somos uma plataforma de distribuição e queremos cada vez mais desenvolvedores que tenham sucesso na plataforma. Queremos que eles continuem desenvolvendo para nossa plataforma e isso só vai acontecer se tiverem sucesso econômico. Para incentivar essa trajetória fazemos muitos processos de capacitação através de criação de conteúdo, o site Google Play Academy, com treinamentos em diferentes áreas. Quando a gente pensa em um aplicativo, um jogo, ele vai ter todo um funil de conversão e gostamos de pensar em três grandes etapas: construir, crescer e monetizar.”

“Um dos nossos grandes focos é trabalhar com produtos que já existem. Percebemos que esse processo de levar 4 a 5 anos (para desenvolver um jogo) é tão extenuante que (os desenvolvedores) chegavam no final da maratona sem fôlego. A ideia é então é maximizar a oportunidade para a pessoa não morrer na praia.”

“O Fundo quer achar jogos de alta qualidade, desenvolvidos por brasileiros e outros latino-americanos que tenham potencial de ir além. A gente pede aplicação do fundo diretamente nesses jogos, mas também não fica medindo na unha (como o valor está sendo usado). Para algumas empresas, o fundo vai se tornar contratação (de pessoal), para outras transformar em aquisições de hardware, ou focar 100% no desenvolvimento.”

A surpresa dos desenvolvedores em apostar no mobile

 Temos desenvolvedores de jogos premium e gratuitos no modelo free-to-play. Na maioria dos jogos que são premium, eles estavam em outras plataformas e experimentando o mobile pela primeira vez. Para esses, têm sido uma grata surpresa, porque não esperavam um volume de instalações que acabam tendo em dispositivos móveis. Isso também é potencializado no serviço de assinatura do Google, porque abaixa a barreira para que as pessoas experimentem o produto. Temos muitos feedbacks que dizem que o dispositivo móvel é a maior base de usuários. O que é uma surpresa para eles – mas para nós não – já que estamos falando de 2,5 bilhões de dispositivos móveis em todo o mundo. Isso abre portas para pensarem em globalização. Nem todos os jogos estão disponibilizados em outras línguas além do inglês. Então já vimos desenvolvedores abrir mais portas e ter uma nova visão de negócios.”

“Na parte free-to-play, são desenvolvedores mais avançados porque esse tipo de jogo demanda uma economia interna, pelos gatilhos que o game tem, uma moeda relacionada a ações dentro do jogo… Assim, eles começam a usar os recursos financeiros para pensar o que mais trazer ao usuário. Conseguimos também prover suporte técnico através de uma parceria que temos com um motor de jogos. Eles gostaram desse suporte devido às dúvidas mais técnicas que surgem no dia a dia –  quando se tem acesso a esse tipo de conhecimento se acelera muito. Fazemos esse acompanhamento direto com eles.”

Mercado com menos protótipos e mais financiamentos

“Acho que não foi uma evolução só nossa (de Google), estamos vendo os estúdios melhorando, mais suporte de financiamento público, mais editais acontecendo, e temos visto que a qualidade dos jogos independentes dos eventos têm subido. Antes eu ficava preocupado porque víamos muitos protótipos, hoje vemos jogos mais acabados, e isso é muito bom. Vemos que os estúdios estão tendo acesso às publicadoras, a financiamentos externos, e eu gostaria que fossem financiamentos internos, mas a indústria como um todo está em um desenvolvimento interessante.”

Perfil de jogos no Brasil

“Não vejo um perfil de gênero de jogo, mas percebo que os jogos brasileiros são muito mais visuais. Os desenvolvedores bebem muito nas experiências das animações locais, com bons artistas e animadores. Eu gostaria de ver cada vez mais experiências multijogador, que acaba demandando uma questão de servidores. A gente vê hoje uma linha de jogos como serviço, que tem uma perenidade, que ficam mais de dez anos (no mercado), e não vejo tantos desenvolvedores locais indo nessa linha, que é mais difícil, que demanda estruturas maiores, mas acho que ainda vamos chegar lá.

Futuro para o Brasil

Minha opinião pessoal é que os estúdios brasileiros hoje são muito pulverizados e poderia ter algum movimento com uma consolidação interna para que juntas essas empresas consigam alcançar novos patamares. Hoje temos o talento, mas as bolhas estão muito separadas – poderiam estar mais condensadas e uniformes, indo para uma mesma direção.

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A coluna Além do Gameplay é escrita pelo jornalista Victor Lopes e traz abordagem B2B sobre o mercado dos games, com entrevistas, análises de pesquisas, aquisições, e novidades sobre investimentos que estão acontecendo no Brasil e no mundo. A ideia é mostrar como ano após ano os jogos eletrônicos ganham cada vez mais espaço em diferentes empresas, e não apenas nas especializadas do setor. Pautas para [email protected].

 

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