Inteligência Artificial: o próximo passo da governança corporativa?

“QI corporativo” será um fator tão importante nos negócios que tornará obsoletas as empresas tradicionais sem inteligência ampliada

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por IBGC
5:00 pm - 27 de julho de 2020
IA, inteligência artificial

À primeira vista, a ideia de usar Inteligência Artificial (IA) em conselhos de administração pode soar exagerada. Afinal, as decisões de conselheiros podem parecer justamente o oposto do que seria automatizável. O olhar agudo, a sutileza e o engenho de raciocínio, a combinação de astúcia e sensibilidade construídos em décadas de árdua experiência, e que são necessários para tratar as complexas questões nos conselhos, não são características reconhecidas dos sistemas de IA hoje. Mas há algumas experiências que indicam que isso poderá mudar.

Há alguns dias, eu e alguns colegas do IBGC conversamos com Dmitry Kaminskiy, fundador da Deep Knowledge Ventures (DKV), gestora de fundos de investimentos em alta tecnologia baseada em Hong Kong. Dmitry é um investidor e empreendedor serial com negócios na área de biomedicina avançada e Inteligência Artificial. Em 2014, a DKV apontou um software de IA como membro do seu conselho de administração, com direito a voto e veto em decisões de investimentos. O software VITAL (Validated Investment Tool for Advancing Life Sciences), coletava e agregava de forma automática uma imensidão de dados sobre 12 mil empresas de biotecnologia, simulava um due diligence e, com uma metodologia própria de análise, indicava se a DKV deveria ou não investir em dada empresa. Caso os conselheiros da DKV e o VITAL divergissem, o investimento não era feito até que a divergência pudesse ser sanada com mais dados e análises.

A indicação do VITAL ao conselho foi também uma jogada de marketing, principalmente para uma empresa que investe em DeepTechstartups baseadas em saltos científicos relevantes. Em 2014, a combinação de rastreadores da internet, agregação e visualização avançados de dados e mecanismos de decisão empregados pela DKV eram bastante inovadores na criação de inteligência de mercado. Ao longo dos anos, porém, muitas dessas soluções se transformaram em ofertas de fornecedores.

Mas a ousadia de 2014 rendeu avanços importantes à DKV. O conteúdo e a forma das informações que VITAL ofereceu aos executivos e conselheiros da empresa lhes permitiram perceber oportunidades únicas e criar reais vantagens competitivas, como a detecção precoce de excepcionalidades em startups na área de biotecnologia, verdadeiras agulhas no palheiro. Além disso, a experiência criou um entendimento fundamental sobre o que a IA pode ou não fazer e desenvolveu competências-chave para que a DKV operasse como um fundo inovador, influenciando profundamente sua visão de longo prazo.

Apesar das previsões otimistas sobre a evolução da IA, Dmitry não acredita que ela irá substituir a competência e argúcia dos humanos nos conselhos de administração no futuro próximo. Mas considera que a combinação da inteligência coletiva humana com a inteligência de máquina permitirá saltos que resultarão na ascensão das smart corporations – as empresas inteligentes.

Essas empresas vão alavancar sistemas de decisão usando IA para sua governança e esse maior “QI corporativo” será um fator tão importante nos negócios que tornará obsoletas as empresas tradicionais sem inteligência ampliada. Os humanos não serão substituídos por robôs, mas as empresas desatualizadas serão substituídas pelas empresas inteligentes, mais velozes e ágeis nos insights e ações.

Outras mudanças fundamentais na governança corporativa deverão ocorrer. Na contabilidade e auditoria, por exemplo, em vez de analistas que se debruçam sobre números durante vários dias para produzir os relatórios financeiros, sujeitos a erros humanos (involuntários ou não, como as fraudes atestaram), a IA acelerará e democratizará consideravelmente as análises financeiras e a contabilidade das organizações e trará uma transparência sem precedentes ao mundo dos negócios. O acesso a dados reais, sem manipulações, e possivelmente instantâneos sobre a situação das empresas incentivará a retidão dos comportamentos, diagnósticos mais precisos e melhorará a eficiência dos mercados de capital no mundo todo.

A contabilidade das empresas será interpretada pela IA, que analisará os dados, descobrirá inconsistências e levantará alertas de forma muito mais veloz e eficiente do que auditorias tradicionais têm a capacidade de fazer hoje. Com essas informações nas pontas dos dedos, gestores e conselheiros poderão disparar estudos mais aprofundados e usar o tempo liberado para se dedicar mais a outros temas estratégicos.

O futuro dos conselhos, pondera Dmitry, não é a Inteligência Artificial, mas a inteligência estendida. Um arsenal de ferramentas e tecnologias que combinadas à experiência e conhecimento dos executivos e conselheiros permitirá de fato um mergulho virtual na companhia e o desenvolvimento de novas perspectivas nos negócios.

É certo que serão necessários ainda alguns avanços no regramento legal e em algumas práticas de negócio, mas conselheiros e gestores visionários, com as competências e modelos mentais certos, terão uma vantagem real ao descobrir como alavancar estas novas oportunidades.

* João Lencioni é conselheiro, consultor e membro da Comissão de Inovação do IBGC.

*Este artigo é de responsabilidade dos autores e não reflete, necessariamente, a opinião do IBGC

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