Tecnologia e criatividade: chaves para sonhar o Brasil do Futuro
No último painel do IT Forum Trancoso, especialistas vislumbram como a tecnologia pode promover diversidade e resolver grandes problemas
Criatividade e tecnologia são conceitos muitas vezes vistos como inconciliáveis. Enquanto o primeiro costuma estar mais associado ao campo das artes, o segundo é posto no da técnica, da matemática, da engenheira. Mas, muito pelo contrário, ambos são não só combináveis como também podem permitir, juntos, a construção de caminho para um Brasil mais justo, inclusivo e socialmente igualitário. Ou seja, o tão sonhado Brasil do Futuro.
Essa é a poderosa mensagem deixada pelos painelistas que encerraram o IT Forum Trancoso nessa sexta-feira (20). Sob o tema Futuro do Presente: Tecnologia e criatividade para um futuro inclusivo, o painel foi a apoteose de um tema desenvolvido desde um Alicerce Presente no IT Forum@Home, em abril; passando por uma História que ensina no IT Forum > Anywhere, em junho; e finalmente chegando até o Salto para o Futuro e à completa Redescoberta Criativa do Brasil, do setor de tecnologia da informação e de todos nós.
Mas o que precisamos fazer de agora em diante para darmos finalmente esse salto para um futuro mais diverso e inclusivo? “A gente necessita de intencionalidade para se mover rápido”, ponderou Tânia Cosentino, presidente da Microsoft Brasil. Para ela, muito embora os debates a respeito do tema tenha avançado e esteja “em diferentes fóruns, com nível até elevado”, e nas empresas, que estão “cada vez mais assumindo compromissos”, “só o discurso não move o ponteiro do relógio”.
“Não adianta contratar duas mulheres, uma delas negra, e dizer ‘uau, que avanço!’. Não é o suficiente”, disse a executiva.
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Com essa frase Tânia retumbava as palavras de Silvana Bahia, codiretora executiva da Olabi e coordenadora do PretaLab. Ela, que lidera a organização sem fins lucrativos carioca que busca democratizar tecnologias para transformar a sociedade, traçou um cenário bastante contrário à diversidade no setor de tecnologia brasileiro.
“[O Pretalab, que busca inserir mulheres negras no mercado de TI] nasceu de um incômodo pessoal meu: ser mulher nesse lugar é muito difícil, e para mulheres negras é ainda mais difícil. Lidar com o machismo e o racismo sobreposto”, disse ela.
Para começar o trabalho, o time de Silvana buscou dados para entender o que significava ser uma mulher negra no mercado de TI brasileiro. Não acharam muita coisa.
“Achei um dado em 2016, 2017. Que em 120 anos apenas 10 mulheres negras foram formadas nas escolas de tecnologia da Universidade de São Paulo (USP)”, lembrou, mencionando que só 18% dos alunos de engenharia no país atualmente são mulheres, e que embora não haja dados sobre quantas delas são negras, sabe-se que são a menor parte.
Em 2019 o Pretalab fez um estudo para mapear a diversidade nos times de tecnologia das empresas brasileiras. Descobriu que 58,3% são homens brancos, e todo resto é uma “maioria silenciada, não minoria”.
“São dados que comprovam um pouco dessa desigualdade, mas ainda faltam dados de pesquisas que a gente ainda não fez e que precisam ser feitas”, sustentou a ativista. “Não encontramos dados até hoje de grandes centros de pesquisa. E quando não se tem dados sobre uma questão é como se ela não fosse um problema ou não existisse.”
Potencial da tecnologia
Resolver essa questão não é tarefa simples para governos ou empresas, mas há caminhos possíveis, disse Tânia Cosentino. Primeiro por meio de parcerias para “buscar os invisíveis”, seja por meio de organizações sociais, lideranças comunitárias ou mesmo empresas “que estão no meio desses grupos” e sejam capazes de acelerar iniciativas.
O segundo passo é apostar na tecnologia já disponível no mundo, e que seria, segundo a executiva, já capaz de “acabar com a pobreza, levar energia e água potável para todos, reduzir a desigualdade e o impacto das mudanças climáticas”. Grandes fornecedores como a Microsoft tem o papel, disse ela, de democratizar o uso dessas ferramentas para que clientes e parceiros construam as soluções.
“Aqui é precisa a diversidade para aflorar a criatividade. Um grupo de iguais não vai pensar diferente”, disse. Mas para isso também faltam profissionais qualificados para lidar com essa tecnologia, e se “realmente queremos desenvolver uma economia criativa e trazer de volta os 7 milhões de profissionais que perderam o emprego [durante a pandemia], a gente precisa focar na educação, em cursos de qualificação”.
Luiz Sérgio, CEO da EY Brasil, concordou que a tecnologia e o uso de dados para resolver problemas e melhorar experiências dos usuários pode ser um caminho para desvendar e potencializar a criatividade, além de resolver problemas, inclusive aqueles dentro do espectro da diversidade e inclusão.
“Precisamos atrair e desenvolver toda as nossas pessoas. Permitir que atinjam o seu potencial. E aí vem o casamento do humano com a máquina. Conectar essa criatividade com os dados. Mas o humano tem que estar no centro dessa revolução digital”, disse. “O que é disruptivo não é a tecnologia, é o uso que se faz dela.”
Para o executivo, concordando com Tânia Cosentino, o grande poder está nas parcerias, capazes de usar plataformas para resolver grandes problemas das organizações – públicas e privadas – e tornar o mundo melhor. “Estamos no meio de uma pandemia. Como consigo trabalhar uma nova forma de trabalho e liberar tempo para funções em que a gente possa gerar mais valor para todas as nossas partes interessadas?”
Propósito e intencionalidade
Para o professor Carlos Arruda, professor da Fundação Dom Cabral, muito embora faltem mulheres no mundo da tecnologia da informação, ao menos elas são 55% de todos os cientistas brasileiros. O Brasil é referência e ocupa a 8ª posição no mundo em número de mulheres pesquisadoras, segundo a Unesco – o problema é que a maioria delas atua em ciências básicas e não vão para as engenharias e áreas mais técnicas.
“A inovação é fruto de uma cadeira de valor que começa na ciência, caminha para a tecnologia e para a inovação. O que acontece na realidade brasileira é que a atração para as moças está nas ciências mais básicas, não avançando para a engenharia”, considerou o especialista.
No Brasil há ainda um cenário de desigualdade “pitoresco”: enquanto 87% da população é digitalizada e tem acesso à internet, apenas 49% têm saneamento básico em suas moradias. Como conciliar avanço tecnológico e carência social em níveis tão contrastantes para que a tecnologia, a criatividade e a inovação se desenvolvam? Será possível usar tecnologia do século XXI para resolver problemas do século XX?
Para Tânia a resposta é sim, e ela cita projetos em que a Microsoft está envolvida para, por exemplo, mapear desmatamento usando Inteligência Artificial, ou reduzir o imenso desperdício de alimentos no mundo quando tanta gente ainda passa fome.
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“Gosto de endereçar a tecnologia para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU. É uma forma de engajar o setor privado com o setor público. São problemas grandes demais para dizer que o problema é só do setor público”, considerou a executiva.
Para Luis, da EY, as empresas precisam ter firme convicção de que é possível se valer da tecnologia para gerar impacto a todos os stake holders, incluindo não só clientes e fornecedores, mas também a comunidade. E destacou o papel dos ecossistemas de empresas buscando inovar nesse sentido.
“Quando se menciona o Eu Capacito, estamos falando de uma união através de propósito”, ponderou. “O ecossistema aumenta o impacto e ajuda no desafio de incluir as pessoas. Temos um desafio de empregabilidade, que tem a ver com dignidade humana. Precisamos combater as desigualdades estruturais.”
Para ele, as empresas precisam ser intencionais e ter compromisso ético de apoiar a inclusão de minorias e o acesso de oportunidades igual para todos.
Sonhar e realizar
Arruda, da FDC, lembrou que parte importante do processo de inclusão por meio da tecnologia está relacionado ao empreendedorismo. E citou Fernando Dolabela, “que diz que empreender é sonhar, e quem sonha vai criar algo que nunca aconteceu”. E que é possível a todos se tornarem empreendedores contanto que as condições para isso sejam dadas.
São condições que tem faltado ao Brasil. “Nós brasileiros estamos perdendo a capacidade de sonhar o Brasil do futuro. O exercício que nós como sociedade deveríamos fazer e cada um de nós pode fazer é o pensar no Brasil que queremos ter”, provocou. “Estamos tão desesperançosos que estamos perdendo brasileiros. Eles estão indo embora por que não estão sonhando com o Brasil do futuro.”
Por isso a FDC está capitaneando um projeto, chamado Imagine Brasil, em que são convidadas pessoas de diferentes estruturas sociais – incluindo economistas, advogados, empreendedores, líderes comunitários, indígenas e artistas – para “compartilhar aquele que poderia ser o Brasil do futuro.
Silvana, do Olabi, lembrou que importante diferenciar o empreendedorismo por necessidade que leva uma maioria de mulheres a abrir um pequeno negócio daquele dos homens brancos que o fazem nas melhores condições possíveis. “Mulheres negras são as que mais empreendem no Brasil. Eu não duvido, é a realidade, mas isso me mostra que elas também são menos absorvidas por empregos formais”, ponderou.
Para a ativista, que encerrou o IT Forum Trancoso 2021, o futuro que se deseja é aquele em que “de fato a desigualdade social seja pelo menos reduzida”, uma vez que ela é ainda imensa no Brasil. E que é preciso que muitos atores trabalhem simultaneamente para que isso aconteça e usando, é claro, tecnologia.
“Eu me sinto uma ativista dos sonhos. Foram eles que me levaram a lugares que eu nem imaginava chegar. E essa capacidade faz a gente se transformar e transformar o mundo”, disse Silvana.