Você está disposto a negociar sua privacidade?

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10:57 am - 20 de janeiro de 2015

O mundo se move em direção a mercados mais inteligentes,
apoiados por máquinas e avanços tecnológicos sem precedentes. Como observou Derrick
de Kerckhove, sociólogo e professor da Universidade de Toronto, em sua
apresentação durante o IT Forum Expo/Black Hat 2014, a economia está mudando, especialmente,
de mãos.

Muitas pessoas são impactadas no trabalho, pois tudo caminha
para o digital. E as transformações acontecem em diversas esferas, modificando habilidades
pessoais, relações e outras dimensões sociais. Para o especialista, nenhuma dessas
mudanças acontecerá, contudo, sem cobrar seu preço, como o da privacidade.

Um caminho que, segundo ele, não há mais como reverter.
“Então, quanto mais rápido você se adaptar, melhor”, compartilhou o professor
durante entrevista concedida à Revista IT Forum em novembro do ano passado e
publicada este mês. A boa notícia é que Kerckhove enxerga que os aspectos
positivos da revolução tecnológica podem superar os negativos.

Revista IT Forum –
Você acredita que estamos caminhando para um mundo melhor?

Derrick de Kerckhove
– O mundo já está melhor. Olhando para o crescimento e sofisticação de São
Paulo, você vê que está melhor. Há o problema causado pelo sacrifício da força
de trabalho global por conta da maior automação. Quanto mais as tarefas forem
automatizadas, maior será o número de pessoas de alguns setores específicos que
vão perder suas funções. A transição será difícil para essas pessoas. Um
exemplo é a substituição de trabalhadores do setor de manufatura quando a
impressão 3D for usada em maior escala. A economia vai crescer, provavelmente
será melhor distribuída, mas não será sem dor. Então, a questão é: para quem o
mundo será um lugar melhor?

Revista ITF – Como
você enxerga a posição do trabalhador nesse contexto digital?

Kerckhove – Na
sociedade da pós-informação, caminhamos para a quarta revolução industrial. E
isso traz mais oportunidades. Um exemplo é o jornalismo. Hoje, qualquer pessoa
pode fazer o trabalho de um jornalista, porque elas têm câmeras e celulares
sofisticados. Nós temos as ferramentas. Karl Marx falava que quando as pessoas
tivessem os meios de produção nas mãos, o mundo seria um lugar melhor. E isso
está acontecendo, nós temos os meios de produção em nossas mãos. E mais, agora
temos os meios de manufatura em nossas mãos. E isso demandará um nível de
aprendizado mais acelerado às pessoas.

Revista ITF – E qual
a sua opinião sobre o big data?

Kerckhove – Eu
acreditava que o big data era apenas uma extensão do CRM, mas é muito mais do
que isso. Big data é um descendente de CRM. As culturas mundiais estão movendo
da opacidade à transparência. Você não esconde mais, não mente mais, tudo é
transparente. É verdade que as empresas terão cada vez mais acesso às
informações das pessoas. Por outro lado, essas pessoas também recebem
vantagens, como melhores preços, informações e entregas. Há tantas vantagens
que levam as pessoas a permitirem coockies em seus computadores e smartphones.

Revista ITF – O maior
acesso aos nossos dados pelas empresas e governos traz alguma consequência?

Kerckhove – Temos
dois lados que emergem do big data: um lado bom e um lado ruim. Isso surge do
choque entre duas realidades: uma com indivíduos fechados e outra com
indivíduos abertos. Há um conflito entre aqueles que querem manter a
privacidade, pertencentes ao modelo antigo, e outros que querem negociar sua privacidade
para ter uma conectividade melhor com pessoas, governos, empresas, entre
outros. Não é uma surpresa que mudamos da web 1.0 para a 2.0, que é a rede das
relações. E é o que está acontecendo agora. Eu acho que os benefícios superam
os pontos negativos.

Revista ITF – A
percepção sobre privacidade está mudando?

Kerckhove – Sim, estamos preocupados sobre o que pode surgir
dessa situação. Mas, novamente, acho que o lado positivo supera o negativo, especialmente
para as pessoas mais jovens, que já enxergam os benefícios que podem surgir
disso. Há 20 anos, quando essas discussões sobre privacidade começaram, eu
disse certa vez para meus alunos que não tinha nada para esconder, e um deles respondeu:
“Então eles têm algo para descobrir”. E ele estava absolutamente certo, e é o
que está acontecendo agora.

Revista ITF – Se as
empresas terão cada vez mais informações sobre os clientes e melhores
tecnologias para se tornarem mais produtivas, qual será o desafio?

Kerckhove – Para
a companhia, um dos grandes desafios vai ser garantir que seus clientes possam confiar
ao compartilhar seus dados. A confiança é fundamental no capital e está
relacionada à reputação. Hoje, nenhuma empresa é grande o suficiente para
falhar.

Mas somos iguais elefantes, quando algo não dá certo, eles
nunca esquecem. O Uber é um exemplo interessante disso, o aplicativo tem causado
muitos problemas ao sistema de taxi, mas ele nada mais é do que uma resposta a
um público que perdeu a confiança nos taxistas.

Revista ITF – Em sua
opinião, as tecnologias estão aproximando ou afastando as pessoas?

Kerckhove – As
pessoas estarão cada vez mais conectadas. Eu concordo com o Ethan Zuckermann (do
MIT, veja entrevista na página 18) de que a internet não está fazendo tudo que
ela poderia, conectando as pessoas politicamente e socialmente. A primeira
reação é o que estamos vendo agora, com inúmeros conflitos. Os meios de
comunicação fizeram o mundo tornar-se uma grande vila. Os moradores de uma vila
sabem muito um sobre os outros, eles estão muito próximos, mas sempre há
tensões. Temos um problema aí, mas vamos superá-lo. A questão é quanto tempo
isso levará? Quanto tempo alguns governos vão continuar torturando o resto do
mundo, como o que o estado islâmico tem feito?

Revista ITF – E todo
esse aparato tecnológico permitirá nos conhecer melhor?

Kerckhove – Hoje,
a internet permite externar muitos sentimentos, ideias, pensamentos. Então
essas pessoas terão um ambiente maior de recursos para suportar o pensamento,
organização, planejamento e para entender a si mesmas. Costumo dizer que todo
psicanalista no futuro será um hacker!

Revista ITF – Nesse
caso, você está falando sobre a junção de dois mundos. Como você enxerga a
posição dos profissionais de tecnologia no contexto atual?

Kerckhove – Eles
são essenciais, não conseguimos fazer nada sem eles. Eles tendem a ser
engenheiros, e esse é um problema. Eles geralmente não têm uma visão ampla
porque o trabalho deles exige ser incrivelmente preciso. Eles estão focados em
resolver problemas. Por outro lado, eles gostam de aprender.

Revista ITF – Há
alguma forma de ampliar essa visão?

Kerckhove
Acredito muito nos artistas, eles nos mostram muito. Pessoas de TI precisam de
arte, eles são da mesma família: “tékne” é o termo grego para arte e tecnologia.
Algo que é muito chave é trazer “tékne” de volta à arte e arte de volta à
“tékne”. O mundo dos artistas é diferente do mundo dos profissionais de
tecnologia, porque o artista projeta o efeito da tecnologia nas pessoas. É uma
ponte entre tecnologia e psicologia. Enquanto o tecnólogo é alguém que faz isso
possível. Por que eles não trabalham juntos? Fiz isso uma vez em um projeto na
universidade, onde juntei engenheiros e artistas para criarmos um robô que
funcionava como assistente em sala de aula. O resultado foi incrível!

Revista ITF – E qual
a sua recomendação para as empresas?

Kerckhove – Traga
um artista para sua equipe, criatividade é essencial, mas as empresas não
valorizam isso. Os artistas podem pensar além sobre os aspectos de colaboração
que um tecnólogo ao criar uma máquina, por exemplo. O artista sempre olha para
os efeitos e os tecnólogos para as causas. Mas quando eles trabalham juntos
eles se complementam.

 

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