Incluir PcDs no desenvolvimento da IA é o caminho para um futuro mais acessível
Inteligência Artificial é vista como ferramenta para acelerar tecnologias inclusivas, mas ter PcDs no ciclo de criação é fundamental
Este sábado, 21 de setembro, marca o Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência, data que tem o objetivo de nos conscientizar sobre a importância do desenvolvimento de meios de inclusão das pessoas com deficiência (PcDs) na sociedade. Esse processo, é claro, precisa incluir também a tecnologia.
Lançada em junho, a quinta edição da pesquisa sobre experiência de uso de sites por PcDs identificou que o tema tem retrocedido no Brasil. Em 2024, apenas 2,9% dos 26,3 milhões de sites avaliados no país passaram em todos os testes aplicados. O número representou uma queda em relação aos 3,3% de sites acessíveis identificados em 2023. O estudo é realizado pela BigDataCorp com apoio do Movimento Web para Todos (WPT).
Segundo Thoran Rodrigues, CEO da BigDataCorp, ao menos dois fatores explicam o resultado negativo. Por um lado, está o aumento da quantidade de sites ativos na web brasileira, principalmente de sites pequenos, nos quais a preocupação com acessibilidade não está no topo. Além disso, o aumento da complexidade da navegação também é uma tendência da internet, levando a mais testes falharem.
“Apesar das variações dos dados ao longo dos anos, é visível que há uma necessidade urgente de ações mais efetivas. Melhorar a acessibilidade digital não só cumpre uma obrigação legal, mas também garante inclusão, transparência e acesso igualitário a todos os cidadãos brasileiros”, comentou Rodrigues na divulgação do relatório.
Há, no entanto, iniciativas que buscam mudar esse cenário. Fundada em 2013 pelo trio de sócios Ronaldo Tenório, Carlos Wanderlan e Thadeu Luz, a startup Hand Talk é uma delas. A empresa surgiu como um aplicativo voltado para facilitar a comunicação entre pessoas surdas e ouvintes, usando personagens virtuais para traduzir conteúdos para a Linguagem Brasileira de Sinais (Libras).
Com o tempo, a companhia identificou no mercado a necessidade por ferramentas que trouxessem mais acessibilidade para o setor B2B, que hoje representa a maior parte das receitas da Hand Talk. A plataforma suporta mais de 1.200 sites com seu plugin de acessibilidade, e tem clientes como Magalu, Claro, Chevrolet, Coca-Cola e Unimed no seu portfólio.
Ao IT Forum, Tenório conta que o sistema da startup surgiu como uma solução “super simples”, baseada em regras. “A qualidade de tradução era boa até determinado limite. Quando a gente traduzia coisas muito longas, o sistema perdia qualidade. Foi o suficiente para desbravar os primeiros passos”, diz.
Desde 2016, no entanto, a companhia fez sua “virada para a IA” e começou a trabalhar com temas como ferramentas estatísticas, redes neurais e processamento de linguagem natural. Mais recentemente, a IA generativa também entrou no radar da companhia, expandindo as capacidades de aprendizado do modelo e as traduções baseadas em contexto. “A IA deu saltos absurdos de qualidade de tradução”, explica.
A tecnologia, no entanto, não basta para garantir a acessibilidade. Para o CEO da Hand Talk, a construção de uma tecnologia mais sustentável depende da inclusão de PcDs no próprio processo produtivo. Dos cerca de 120 funcionários da Hand Talk, dez são pessoas surdas e outras dez são CODAs — sigla em inglês que nomeia pessoas que são filhas de pais surdos. Além disso, 60% dos colaboradores são falantes de Libras. “A grande evolução vai acontecer quando tivermos pessoas com deficiência produzindo conteúdos e produtos para pessoas com deficiência”, afirma.
A lógica, pontua o executivo, é a mesma de uma obra: há projetos que não colocam o tema da acessibilidade desde o começo da jornada e, muitas vezes, precisam quebrar uma escada para colocar uma rampa no lugar. “O ambiente digital é igual, se você constroi conteúdos inacessíveis, dá muito mais trabalho quebrá-los para consertá-los depois”.
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Foi também a presença de uma profissional fluente em Libras que levou a Lenovo a começar a explorar o tema da acessibilidade. “O projeto começou a partir de uma discussão interna na Lenovo, onde uma desenvolvedora de software, fluente em Libras, destacou problemas de acessibilidade enfrentados pela comunidade surda”, contou Hildebrando Lima, diretor de P&D da Lenovo e líder do projeto, ao IT Forum. “A partir desse insight, a equipe de P&D da Lenovo no Brasil começou a explorar como a IA poderia ser usada para criar uma ferramenta de tradução em tempo real”.
Lançado em 2019, o projeto tradutor de Libras consiste em uma ferramenta de chat de tradução em tempo real que utiliza uma câmera e um algoritmo de IA que traduz instantaneamente conteúdos sinalizados em Libras para texto ou português. Além do time de P&D, a iniciativa contou com a colaboração do CESAR, centro de inovação brasileiro.
De acordo com Lima, um dos principais desafios do projeto foi a variação significativa que cada gesto possui em Libras, o que exigiu que a ferramenta aprendesse a reconhecer diferentes estilos regionais e pessoais do idioma. A equipe de Product Diversity Office (PDO) da companhia também foi instrumental no processo.
“A missão de garantir que os produtos Lenovo funcionem para todos, independentemente de seus atributos físicos ou habilidades, também foi incluída nesse projeto. Os especialistas ajudaram a identificar áreas de potencial preocupação – tom de pele, estilo de cabelo, lentes corretivas e diferenças nos membros, por exemplo – para garantir que os testes do novo produto considerassem essas características”, afirma o líder do projeto.
A próxima etapa é escalar o projeto para além dos testes internos. A equipe está trabalhando em algoritmos de autoaprendizagem para melhorar o desempenho à medida que o número de usuários cresce – processo no qual a IA será instrumental.
“A IA tem um impacto transformador na acessibilidade ao permitir que soluções sejam criadas de maneira mais rápida e personalizada para a construção de um futuro mais inclusivo e acessíve”, anota Lima. “No caso do tradutor de Libras, a soma da tecnologia inteligente da Lenovo com IA pode preencher lacunas de comunicação existentes, além de poder ser usada para acelerar o aprendizado da linguagem de sinais, usando visão computacional para rastrear a precisão dos gestos e ‘instruir’ os usuários a fazerem ajustes.”
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