Neurocientista usa técnica inusitada para estudar cérebro

Greg Gage desenvolveu exoesqueleto conectado a inseto para entender medos humanos

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9:19 am - 01 de fevereiro de 2018

Não é um episódio de Black Mirror, tampouco algum conto de ficção científica, mas sim o palco da Campus Party 2018. Nele, o neurocientista Greg Gage fala sobre como é, facilmente, possível manipular baratas-ciborgues por um aplicativo de celular. Ele conhece bem o assunto tendo em vista que o próprio desenvolveu uma espécie de exoesqueleto conectado para aquela que inspira desde contos sobre a metamorfose humana a fobias muito bem compreensíveis. Dê a Gregors Samsas o poder da Internet das Coisas e, bem, para sempre acordaremos de sonhos intranquilos.

Nesta terça-feira (30/01), Gage recebeu a tarefa de abrir a programação de palestras da 11a edição da Campus Party. Americano, formado em Engenharia Elétrica, Gage se diz um neurocientista DIY (Do It Yourself). Além do PhD em neurociência, ele é CEO da startup Backyard Brains, algo que na tradução ficaria como Cérebros do Jardim. O que faz bastante sentido com o que a companhia oferece, já que a ideia é despertar jovens para a neurociência conectando hardware barato com os “cérebros” daqueles que você encontraria na terra do quintal de casa: insetos.

A startup também vende em seu site kits para experimentos, há inclusive um arranjo para o que Gage chama de “o primeiro ciborgue comercial do mundo”. Trata-se do aparato necessário para manipular, de forma wireless, baratas desavisadas. Batizado de RoboRoach, ele é indicado para pais ou professores que querem ensinar sobre microestimulação neural e neurotecnologia. Custa 159 dólares.

Gage conta que a ideia de usar insetos e materiais relativamente baratos para estudar neurociência veio de uma experiência própria. Ele se deparou com um aparato de US$ 40 mil para estudo do cérebro no laboratório do qual tinha acesso. E se questionou: por que não tentar reproduzi-lo com coisas que encontramos em loja de equipamentos eletrônicos? Mas e a conotação com os insetos? Nosso cérebro é atravessado por impulsos elétricos, que é a forma como nossos neurônios se comunicam. E essas conexões elétricas são facilmente encontradas nos seres invertebrados.

A palestra de Gage na Campus Party foi bem interativa e contou com a participação de alguns campuseiros subindo ao palco para participar dos experimentos. Houve um deles que, talvez sem saber onde estava se metendo, topou fazer uma microcirurgia em uma barata. Reações de “ewwww” foram ouvidas.

Após Gage deixar o palco, tivemos um tempo com ele para conversar sobre insetos, neurociência, o que ele chama de neurorevolução e sobre o neurocientista Miguel Nicolelis.  Leia na entrevista exclusiva abaixo.

IDG Now! – Greg, você poderia nos contar um pouco sobre seu histórico. Você se formou inicialmente em Engenharia Elétrica, como foi parar na neurociência?

Greg Gage – Minha graduação é Engenharia Elétrica e eu trabalhei em computadores por um bom tempo quando comecei a me interessar pelo cérebro. Ao estudar o cérebro, eu percebi que é um órgão elétrico, químico também, mas a maior parte elétrico. Então, o meu histórico em engenharia elétrica foi muito útil quando entrei no laboratório e comecei a fazer as minhas pesquisas em neurociência. E foi aí quando vi que o equipamento que a gente usava, a gente também poderia, nós mesmos, construi-lo. Começamos a construir as nossas próprias versões do equipamento que tínhamos no laboratório e aí foi onde tudo começou.

IDG Now! – Por que recorrer a insetos para estudar neurociência? 

Gage – É difícil gravar dados a partir do cérebro, o cérebro é protegido por um crânio muito rígido, você tem que furá-lo, você tem todas essas preocupações sobre saúde em se fazer isso, então é muito perigoso fazer neurociência. O cérebro precisa estar vivo para ser gravado, diferente de outros órgãos como o coração que você pode cortá-lo para estudar depois que um paciente morre. Não podemos fazer isso com o cérebro, porque ele é elétrico, precisa estar vivo. Os insetos são legais para estudar, porque eles são invertebrados, eles têm uma parte mais rígida por fora e uma parte mais macia por dentro. E a parte interna, macia, é percorrida por nervos. Então se você colocar um alfinete na parte de fora, você consegue ativar diretamente esses nervos, o que torna muito mais fácil para entender essa coisa bonita de como o cérebro se comunica. Para mim é algo milagroso que faça o que faça e a gente consiga ver de forma bem fácil em uma barata.

IDG Now! – Você defende o que chama de neurorevolução, por que despertar estudantes para a neurociência desde a fase escolar é importante?

Gage – Sim, a ideia é que houve uma revolução causada pelos computadores em 1970 quando materiais caros se tornaram mais acessíveis, as pessoas começaram a construir seus próprios computadores em suas garagens. A ideia da neurorevolução é o que aconteceria com a biotecnologia, o que aconteceria quando nós conseguíssemos tornar os materiais para estudar neurociência tão baratos e tornar os sistemas abertos para que qualquer pessoa pudesse construir o que quisesse e começasse a explorar o cérebro para entender os poderes daquilo que faz a gente ser o que é. Uma entre cada cinco pessoas tem 20% de desenvolver uma doença neurológica que ainda não tem cura. Então, nós deveríamos estar incentivando mais pesquisa nesta área, e começar isso, tornar isso aberto, é uma forma de começar essa neurorevolução.

IDG Now! – Mas estamos em um estágio muito inicial nessa neurorevolução…

Gage – Sim, estamos em um estágio inicial. Mas o que eu quero dizer com neurorevolução são amadores contribuindo de uma forma significativa com a neurociência. Ainda não chegamos lá. Mas há outros campos, como a astronomia, onde há artigos publicados por amadores, porque eles tiveram acesso a ferramentas. Nós agora estamos dando aos estudantes projetos DIY para que amadores tenham acesso a equipamento de ponta para estudar neurociência, que permite em detalhe fazer cirurgias. Acho que você vai conseguir despertar interesse sobre o cérebro humano em um nível muito mais rápido. Então, a questão é podemos treinar estudantes a como fazerem as questões certas. Isto é para o que, historicamente, as universidades servem. Você trabalha em um laboratório de mentoria, você não está aprendendo as técnicas, mas você está aprendendo a como, de forma metodológica, a fazer as perguntas certas. Nós estamos tornando nossa pesquisa open source tanto para hardware e software, mas também para os nossos experimentos, nossos guias para professores. Penso que vamos ver cada vez mais dessas coisas acontecendo.

IDG Now – O neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis é uma grande inspiração para jovens brasileiros que querem seguir pesquisa na área. E, de certa forma o seu trabalho se aproxima ao dele. Você o conhece, imagino..

Gage – Ah, se eu conheço o Miguel Nicolelis! Ele é realmente muito famoso e não só aqui, nos Estados Unidos, ele é muito conhecido. O que é interessante é que nós somos uma versão DIY do trabalho do Miguel. O trabalho dele usa interfaces cérebro-máquina utilizando macacos e robôs, exoesqueletos. Nós fazemos exatamente a mesma coisa, só que em baixo custo. Ele é um cara muito legal. Ele deve deixar vocês brasileiros orgulhosos.

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