Movimento Dublagem Viva: dubladores pedem regulamentação de IA
Mabel Cezar e Beto Neves acreditam que possa haver equilíbrio para que profissionais não fiquem sem emprego
Após a greve dos atores de Hollywood contra o uso da Inteligência Artificial, agora é a vez dos dubladores brasileiros reivindicarem seus direitos. Por meio do Movimento Dublagem Viva, os profissionais pedem a regulamentação do uso da IA em dublagens de séries, filmes, jogos de videogame e outras produções audiovisuais.
No manifesto, os dubladores dizem que o “nosso interesse não é proibir nenhuma evolução tecnológica, queremos apenas garantir que o que é apenas uma ferramenta de criação não passe a ser entendido como o nosso criador”.
Para me aprofundar nas principais inseguranças e objeções, conversei com dois desses dubladores. Mabel Cezar, dubladora, diretora de voz, locutora da Rede Globo e fundadora da Sociedade Brasileira de Dublagem, explica que esse movimento surgiu quando a categoria começou a observar a movimentação de mercado pela substituição de dubladores pela IA.
“Há mais ou menos dois anos, eu assisti um filme na Netflix que foi dublado pela IA. A Netflix não fala sobre isso, mas estavam pensando sobre o assunto. Quando os dubladores brasileiros nem imaginavam, já tinha um filme no ar. Eu assisti, não gostei do resultado, mas eu vi que dá para melhorar. No decorrer do tempo, aquilo ali poderia facilmente tirar o trabalho dos dubladores”, alerta ela.
Entretanto, como conscientizar sobre a importância do trabalho do dublador e os perigos dessa substituição? Tanto Mabel quanto Beto Neves, dublador e coordenador de Produção do Estúdio Dubbing & Mix, acreditam que seja por meio da união das pessoas em prol de uma regulação.
“Através desse movimento, queremos unir um número considerável de pessoas que vivem da dublagem, ou que são fãs da dublagem, para que se consiga regulamentar o uso da Inteligência Artificial no universo do audiovisual. Não estamos falando somente das centenas de vozes de dubladores que serão caladas, mas de muitos outros profissionais da área que perderão seus empregos, como por exemplo: tradutores, marcadores de texto, produtores, recepcionistas, assistentes administrativos, revisores, técnicos de gravação e mixadores”, diz Neves.
Mabel complementa ao dizer que o Movimento Dublagem Viva tem o foco de colocar a discussão na mesa e foi feito após meses de reuniões, encontros e conversas. “Uma das poucas coisas que podem ser feitas é mostrar para o público, que é quem consome, a diferença entre a dublagem viva e a IA e ver o que o público acha disso. Porque, se não for feito agora, acabou.”
Dublagem Viva x IA
Quando perguntados sobre as principais diferenças entre a Dublagem Viva e a IA, Neves cita o exemplo de alguns conteúdos exibidos nas redes sociais contendo o uso da Inteligência Artificial, em que alguns pontos se perde a naturalidade e a musicalidade. O americano tem um modo de falar que é diferente do brasileiro, que é diferente do japonês e do alemão.
“Sem contar que nós não fazemos uma pura e simples tradução do que está sendo dito em outra língua, por vezes usamos a licença poética para adaptar uma piada que aqui não faria o menor sentido. Por isso se chama Versão Brasileira”, revela ele.
A locutora da Rede Globo também dá detalhes de seu trabalho e afirma que, quando está no estúdio, é feita arte a cada respiração. “O que fazemos está além da tradução. Nós tiramos a linguagem formal e colocamos no modo coloquial, tiramos da linguagem escrita. Eu cuido do sincronismo, aumento ou diminuo frases. E tudo isso sem ver o filme antes. É o meu trabalho de atriz a serviço de outra atriz.”
As impressões dos profissionais vão ao encontro de outra parte do manifesto Movimento Dublagem Viva: “podemos concluir que o ser humano produz e transmite cultura, define o que é arte (e neste processo aponta valores que moldam a sociedade) e sua arte presente é um reflexo do passado que pode ou não indicar ou projetar futuros. Criamos e recriamos para o mundo a partir de uma vivência histórica brasileira e a partir de uma materialidade brasileira.”
“Ao se eliminar ou substituir um fator dessa cadeia corremos o risco de deixarmos de ser o que somos, de perdermos o que nos faz sentir, sonhar e criar. Possivelmente isso nos faria deixar de sermos brasileiros”, continua o texto oficial.
Além disso tudo, Neves tem outra preocupação. Em muitos trechos, onde a IA não conseguirá a naturalidade artística conseguida pelos dubladores, boa parte dos consumidores possa se acostumar e continuar assistindo. Ele exemplifica ao citar a extinção das locadoras de vídeos, também impulsionada pela venda de DVDs com gravações ruins dos filmes (gravados dentro do cinema), pois mesmo com a qualidade ruim, eram consumidas pela população.
“Essa é uma teoria que eu tenho que é fácil de acontecer com a dublagem. Você começa a consumir a IA, e terá uma enxurrada de informações não tão boas, mas acaba normalizando. A pessoa se acostuma com o padrão de IA e pode ser que o público chegue ao ponto de achar a Dublagem Viva esquisita, estranha ou exagerada”, concorda Mabel.
Entretanto, ambos os dubladores acreditam que haja um lugar de equilíbrio entre a tecnologia e a arte. De acordo com Mabel, uma das possibilidades é o uso da IA para projetos em que os clientes pagam menos ou têm menos budget. “Há projetos em que os clientes não se importam tanto ou não podem pagar tanto, como documentários ou curtas. Eu acho que a IA chegará nesse lugar para que aqueles com menos recursos possam economizar.”
Já Neves acredita que, com a regulamentação, a IA poderia se tornar uma ferramenta para corrigir alguns pontos, ajudá-los, por exemplo, no processo de pós-produção. Mas alerta que tudo deve ser bem estudado antes para não dar brechas.
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