Falta de diagnóstico atrasa uso de TI por pessoas com dislexia

Estudo do Instituto ABCD, do Instituto IT Mídia e da Cisco demonstra potencial de ferramentas digitais e dificuldades de pacientes e famílias

Author Photo
3:01 pm - 05 de outubro de 2021
live dislexia, iabcd, instituto itm Imagem: Reprodução

Apesar de tecnologias digitais serem capazes de desempenhar um papel de apoio fundamental para que crianças e adultos com Transtorno Específico de Aprendizagem se desenvolvam – incluindo dislexia, discalculia e disortografia –, as famílias ainda esbarram em dificuldades para obter um diagnóstico e acessar um ensino inclusivo. Muitas vezes precisam recorrer a serviços de saúde particulares (e caros), o que atrasa o diagnóstico e prejudica o desenvolvimento das pessoas com TEAp.

Para conhecer melhor o cenário brasileiro, e assim embasar iniciativas de inclusão educacional e no mercado de trabalho, o Instituto ABCD, com apoio do Instituto IT Mídia e da Cisco, lançou nessa terça-feira (05) um estudo inédito sobre dislexia no Brasil. Chamado Perfil do Transtorno Específico da Aprendizagem no Brasil, o trabalho descobriu que parte significativa das famílias (34%) precisa viajar para uma cidade diferente da que moram para receber um diagnóstico.

Além disso, quase nove em dez (89%) dos diagnósticos são feitos em serviços particulares, e 47% das famílias investiram mais de R$ 2 mil nesse processo – apesar de ser possível realizá-lo em unidades do Sistema Único de Saúde (SUS). O dado é importante porque pessoas com TEAp estão igualmente distribuídas em todos os níveis socioeconômicos – no entanto os mais pobres acabam sofrendo mais, ampliando desigualdades.

Leia mais: Brasil estagna no ranking de competitividade digital. Como melhorar?

Considerando-se que entre 5% e 15% da população mundial tem algum tipo de transtorno específico de aprendizagem – são 10 milhões de brasileiros com dislexia, segundo estimativas oficiais –, o problema ganha enormes dimensões. Segundo o estudo, o diagnóstico tem ocorrido mais cedo no Brasil, mas ainda demora: leva em média oito anos e seis meses.

“Desde que começamos a falar da parceria, sabíamos que era importante trazer luz para a realidade das famílias, que problemas enfrentam, para aí buscar soluções”, explicou Juliana Amorina, diretora-presidente do Instituto ABCD, durante a live de apresentação de resultados da pesquisa – que pode ser vista no fim desse texto. “A ideia é apresentar soluções que possam fazer o caminho mais fácil de ser trilhado.”

Outro objetivo do estudo foi entender como a tecnologia poderia ajudar na acessibilidade escolar e na inclusão de pessoa com transtornos de aprendizagem. Apesar de o Brasil ter políticas educacionais inclusivas, a vida escolar de crianças com transtornos de aprendizagem é “muito dolorosa e sofrida”, define Juliana, tanto pela dificuldade de acesso ao diagnóstico como de tratamento específico.

Outro aspecto abordado pela pesquisa foi o acesso de crianças diagnosticadas com TEAp à escola durante o período da pandemia. E o cenário encontrado não foi positivo: 85% não tiveram qualquer tipo de adaptação específica para o ensino remoto. E o cenário é mais grave quanto mais socialmente vulnerável é a criança: enquanto 44% das famílias com renda acima de R$ 20 mil classificaram o desempenho da escola como bom ou ótimo, apenas 4,5% das famílias com renda até R$ 2 mil fizeram o mesmo.

“Apesar de termos uma política educacional inclusiva no Brasil, nós no IABCD temos visto que a vida escolar das crianças com transtorno é muito dolorosa e sofrida”, lembrou Juliana.

O estudo também mediu esses custos emocionais: 80% das crianças e jovens com dislexia sofrem de tristeza, ansiedade ou baixa autoestima, enquanto na população geral o índice é de 20%. Nos adultos, 72,7% enfrentam dificuldades na vida profissional.

Uso de tecnologia

O estudo também quis medir que nível de orientação as famílias e crianças com TEAp recebem de profissionais quanto ao uso de tecnologias assistivas. Mais da metade (56,9%) não obtém quaisquer informações.

“Tecnologias assistivas são reconhecidas como uma das ferramentas mais poderosas para inclusão da pessoa com deficiência de maneira geral. E as famílias que utilizavam algum tipo de recurso relataram que o que era mais usado era a calculadora. É uma tecnologia muito genérica e com pouco impacto positivo na leitura e escrita”, ponderou Juliana Amorina. “A pessoa com dislexia acaba descobrindo o que ajuda ao longo da vida, não com ajuda de um profissional que poderia tornar essa trajetória mais tranquila e possível.”

O Instituto ABDC disponibiliza uma ferramenta tecnológica gratuita – o aplicativo EduEdu – que funciona como reforço escolar. O EduEdu acompanha a evolução da criança, monitorando progresso e gerando novas atividades. Disponível para Android, o app avaliar as dificuldades da criança e oferece atividades personalizadas para melhorar o desempenho escolar.

Uma ferramenta de triagem dentro do aplicativo foi lançada essa semana. Desenvolvida em parceria com a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), com apoio da Cisco e do Instituto IT Mídia, ela é adequada para alunos entre 4 e 9 anos de idade, e ajuda no encaminhamento para a rede de referência no SUS para um acompanhamento mais completo.

Para a especialista, empresas de tecnologia podem desempenhar papel fundamental na melhoria da qualidade de vida de crianças com dislexia. Rodrigo Uchoa, diretor de digitalização e líder do programa BDI da Cisco do Brasil, concorda com todas as letras. Ele próprio pai de uma menina de 13 anos com dislexia e discalculia.

“Estamos falando de cérebros diferentes, mágicos, que pensam e aprendem de forma diferente. E a tecnologia bem usada salva, enquanto a mal-usada pode prejudicar o processo”, disse Uchoa. “Minha filha é de uma criatividade, inteligência. Será que não existe todo um mercado de trabalho para absorver essas características tão especiais?”

Para o executivo da Cisco, o movimento de acelerada transformação digital também oferece uma oportunidade para a criação de novas ferramentas de tecnologia assistiva para pessoas neurodiversas. A inteligência artificial é uma delas, assim como outros recursos ainda pouco utilizados.

“[A tecnologia] tem que ser usadas como irmão digital dessas crianças. Parte da jornada é estimular e trazer muito mais que calculadoras e corretores”, ponderou o executivo da Cisco, empresa que apoiou financeiramente o estudo e o desenvolvimento do módulo mais atual do EduEdu. “Uma das iniciativas que temos aqui é trazer empresas brasileiras, de fora também, startups mergulhando em IA, para falar um pouco de como essas tecnologias podem ser incorporadas no dia a dia dessas crianças. E isso só está começando.”

Para Uchoa, há um potencial enorme ainda a ser desenvolvido quando se trata do uso de tecnologia para apoiar crianças e adultos com dislexia. E já há uma série de empresas envolvidas ou estimulando esse desenvolvimento.

“A tecnologia pode expandir nossas capacidades como seres humanos. E a gente não pode ter vergonha disso”, ressaltou.

Vitor Cavalcanti, diretor geral do Instituto IT Mídia, lembrou que é necessário trabalhar essa capacidade que pessoas com transtorno de aprendizado tem, inclusive porque a diversidade no mercado de trabalho é mais demanda do que nunca. “Essa capacidade de resolver problemas complexos que eles têm, o mundo pede. O mercado pede isso”, lembrou.

Abaixo, assista na íntegra a live de lançamento do estudo do Instituto ABCD.

Newsletter de tecnologia para você

Os melhores conteúdos do IT Forum na sua caixa de entrada.