Escala 6×1 vs. 4×3: como o setor de tecnologia se adapta à jornada reduzida
Redução de jornada sem perda de produtividade se torna alternativa para retenção de talentos e bem-estar
Na última quarta-feira (13), uma proposta de emenda à Constituição para reduzir a jornada máxima de trabalho de 44 para 36 horas semanais avançou com apoio na Câmara dos Deputados, suscitando um debate que ultrapassa o legislativo.
Com a nova proposta, empresas e trabalhadores debatem sobre produtividade, saúde mental e satisfação dos colaboradores em um cenário de intensa demanda. No setor de tecnologia, onde o ritmo de trabalho é intenso, algumas empresas já têm experimentado a redução de jornada, adotando formatos que conciliam produtividade e qualidade de vida, como a escala 4×3 – modelo que reduz a semana de trabalho para quatro dias, com variações no formato de descanso e adaptações para garantir a continuidade dos serviços.
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Viviane Feliciano, diretora de RH do Efí Bank, conta como a redução para quatro dias semanais ganhou espaço na rotina dos funcionários e gerou efeitos positivos. “O sucesso da semana de quatro dias se deve ao foco que temos nas pessoas e no potencial delas”, afirma. Em um esquema que permite revezamentos, o Efí Bank organiza o descanso sem que o cliente perceba mudanças na prestação de serviços. “O cliente não deve ser prejudicado de forma alguma, e não há impacto negativo para ele. Pelo contrário, o descanso prolongado reflete em um atendimento mais atento e qualificado”, explica a executiva, relatando um aumento de satisfação dos clientes e de desempenho do time.
A CEO da Crawly, Patricia Motta, explora uma abordagem similar. Desde 2017, sua empresa, que atua integralmente de forma remota, adota a escala 4×3. O efeito direto da jornada reduzida, segundo ela, é a lealdade e motivação dos funcionários, algo raro no mercado atual. “A tecnologia precisa estar disponível e livre de falhas; as pessoas, não”, afirma Patrícia. Para ela, o descanso mental é tão essencial quanto o descanso físico, em especial nas atividades do setor de tecnologia, que demandam alta performance e precisão. A jornada de quatro dias reflete em decisões mais assertivas e em uma equipe com mais disposição para enfrentar os desafios, reduzindo o absenteísmo e contribuindo para a retenção dos talentos.
A proposta de redução de jornada é vista com entusiasmo por Juliana Saboia, fundadora da Palco Inteligência de Negócios, que estudou a implementação do modelo 4×3 em empresas brasileiras. Segundo Juliana, o princípio do modelo é simples e direto: reduzir o tempo de trabalho, sem perda de salário ou produtividade, mantendo o compromisso com a entrega de resultados.
Como funciona a jornada 4×3?
A abordagem, chamada de “100-80-100” – 100% do salário, 80% do tempo de trabalho, e 100% de produtividade – se propõe a enfrentar questões cada vez mais comuns, como o esgotamento profissional e as dificuldades na atração e retenção de talentos. “Para enfrentar os desafios contemporâneos, como o burnout, é necessário otimizar o uso do tempo e focar em atividades essenciais”, explica a especialista.
A especialista observa que a transição para o 4×3 exige uma preparação criteriosa e adaptações na rotina organizacional. Segundo ela, uma fase inicial de preparação, entre três e seis meses, é fundamental para que a mudança não provoque rupturas bruscas na dinâmica interna. “O processo de implementação deve incluir uma sensibilização das equipes e dos gestores, algo que prepara o terreno para a mudança de mentalidade necessária para que o modelo funcione”, esclarece. Esse trabalho preliminar é o que permite às empresas brasileiras eliminar tarefas que não agregam valor, concentrando esforços no que realmente impacta o resultado final.
Os resultados, de acordo com Juliana, apontam para ganhos significativos na experiência dos funcionários. Dados preliminares do estudo, segundo a especialista, mostram um aumento de 60% no engajamento das equipes e melhorias notáveis na saúde mental dos colaboradores, com 78% relatando menos estresse e mais satisfação. “O aumento na produtividade em 57% das empresas participantes comprova que a redução de horas não implica perda de entrega, mas sim uma transformação positiva nas relações de trabalho”, avalia.
A observação de Juliana sobre os índices de absenteísmo e engajamento sugere uma relação direta entre o modelo 4×3 e a redução do desgaste emocional dos trabalhadores, que, com o descanso prolongado, apresentam uma menor necessidade de afastamentos por doenças ou para resolver questões pessoais.
Para empresas que atuam em setores como tecnologia, onde a alta disponibilidade é essencial, Juliana argumenta que a transição para o 4×3 também envolve a reformulação de práticas de comunicação e uma gestão mais focada em resultados. Ela explica que “a implementação do modelo incentiva a substituição de reuniões desnecessárias por comunicações objetivas e automatização de processos”, o que libera os funcionários para se dedicarem às atividades de maior valor agregado. Segundo ela, tais ajustes são cruciais para garantir que a produtividade se mantenha elevada, mesmo em um setor que demanda uma disponibilidade quase contínua dos sistemas e das operações.
O ponto mais desafiador, de acordo com a especialista, está nas raízes culturais. “A mentalidade de que mais horas trabalhadas equivalem a maior produtividade ainda está fortemente presente, especialmente no Brasil, onde a herança da Revolução Industrial associa a presença física ao desempenho”, comenta.
O movimento, ainda restrito, que começa a remodelar o setor de tecnologia, aponta uma nova direção para a cultura do trabalho. Com a PEC em discussão, empresas como Efí Bank e Crawly revelam que produtividade pode ser mais sobre como o tempo é aproveitado do que sobre o número de horas passadas no escritório.
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