Computação de borda: tendência é fundamental para a exploração espacial

Mark Fernandez, do projeto HPE Spaceborne Computer, contou ao IT Forum desafios e oportunidades da computação de borda no espaço

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8:40 am - 29 de fevereiro de 2024
HPE mark fernandez, computação de borda, NASA, exploração espacial Mark Fernandez, principal investigador do programa HPE Spaceborne Computer (Imagem: NASA)

Dr. Mark R. Fernandez tem o autodeclarado “mais empolgante emprego do mundo”. Todos os dias, enquanto a maior parte de nós faz login em algum computador ou e-mail corporativo para as atividades do dia a dia, ele loga na Estação Espacial Internacional (ISS). “Eu ajudo qualquer pessoa que queira descobrir se fazer algum processamento de dados no espaço é melhor do que enviar dados de volta para a Terra”, contou em entrevista ao IT Forum.

PhD em computação científica, Fernandez é o investigador principal da Hewlett Packard Enterprise (HPE) para Spaceborne Computer, iniciativa que explora aplicações de computação de borda no espaço. Hoje, ele é o responsável por operar o HPE Spaceborne Computer 2, computador que está em sua terceira iteração e foi enviado para a ISS neste ano.

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O Spaceborne Computer é uma iniciativa de computação de borda que permite aos cientistas abordo da ISS e pesquisadores na Terra processarem dados no espaço. Isso poupa um tempo precioso que seria gasto no envio de dados para análise na Terra, um processo que ainda é demorado e de alto custo. “Estamos mostrando uma melhoria de 30 mil vezes em relação ao que não precisa ser enviado”, disse.

Na conversa com o IT Forum, Fernandez também falou sobre os desafios de operar uma estrutura como o Spaceborne Computer 2 no ambiente hostil do espaço e sobre quais os avanços que a HPE planeja para versões futuras do projeto – que tem a ambição de, um dia, estar também na órbita da Lua.

IT Forum: Quais os tipos de aplicação do Spaceborne Computer 2?

Dr. Mark R. Fernandez: Um grande exemplo que pode ser fácil de entender para muitos é o sequenciamento de DNA. No caso dos astronautas, é importante sabermos se há mutações no DNA. Como todos sabem, o DNA tem uma quantidade massiva de dados. Quando fizemos o primeiro sequenciamento, isso custou bilhões de dólares e levou uma eternidade. Agora, podemos fazê-lo relativamente rápido. Mas a quantidade de dados ainda é massiva. Então, se você só está interessado nas mutações, eu posso executar o software que você executaria na Terra na Estação Espacial é só enviar as possíveis mutações. Esse é o tipo de coisa que está acontecendo. Outro exemplo é a análise de luvas. Os astronautas trabalham o dia todo e, assim como você faria com o seu jardim, fazenda ou carro, eles trabalham usando luvas – e elas ficam sujas e desgastadas. Por razões de segurança, eles são obrigados a tirar centenas de fotos dessas luvas, em vários ângulos, para monitoramento. Isso leva muito tempo, é um trabalho para duas pessoas, e as fotos demoram cinco dias para chegar à Terra. Nós fizemos um experimento, usamos Inteligência Artificial para analisar todas essas fotografias e destacar onde há desgaste ou cortes. Fizemos isso em 45 segundos. Então, isso está avançando a exploração espacial, são exemplos empolgantes.

ITF: São super empolgantes! Há também aplicações possíveis voltadas para o setor B2B?

Dr. Fernandez: Eu não sou uma pessoa de B2B, mas se você estiver fabricando algo no espaço que precise de impressão 3D ou de solda, antes de usar esse dispositivo, você vai querer ter certeza de que é seguro usá-lo. E há procedimentos na Terra para garantir que isso aconteça, raios-X e fotografias etc. Todos esses dados são massivos e você teria que enviá-los de volta para a Terra. Então, como um serviço, poderíamos analisar isso para você na Estação Espacial, usando seu software, seu controle de qualidade, e dar a você as respostas que você espera. Então, eu costumo apresentar o projeto para esses potenciais parceiros como a ‘caixa preta de computação’ que está na Estação Espacial. Você nos dá o que deseja processar, nós lhe damos as respostas, e você está pronto para seguir em frente. É aí que o B2B vai entrar em cena.

ITF: Então você diria que a computação de borda é fundamental para a exploração espacial?

Dr. Fernandez: Sim, isso será fundamental. Estamos em discussões para colocar um computador tipo o Spaceborne Computer na Gateway [primeira estação espacial que é planejada para uma órbita próxima à Lua] e na Lua. E não é para uma só pessoa, é para que ele fique lá e todos saibam que, quando chegarem à Gateway ou à Lua, poderão processar seus dados da maneira que quiser lá e obter os resultados de volta. Isso é muito empolgante.

ITF: Estamos na terceira iteração do Spaceborne Computer. Quais foram os aprendizados da HPE em termos de hardware e de como computadores de alta performance funcionam em um ambiente hostil como o espaço?

Dr. Fernandez: Com o Spaceborne Computer 1, ninguém acreditava que isso poderia ser feito. Então, a ideia era, principalmente, isso pode ser feito? E, se for feito, ele vai funcionar? Não tínhamos parceiros ou clientes. Nós só colocamos a máquina lá e testamos. Rodamos um benchmark internacionalmente reconhecido 24 horas por dia, sete dias por semana, 365 dias por ano, até as coisas quebrarem. A principal coisa que aprendemos com o Spaceborne 1 tinha a ver com armazenamento. Tínhamos 20 discos de estado sólido a bordo, e nove deles falharam. Todo mundo pensou ‘bem, é isso, não é possível armazenar dados no espaço’. Mas a análise de falha indicou que oito dos nove falharam de forma idêntica, por conta de um componente que se sabia que não era confiável. Outro deles tinha um defeito de fabricação conhecido, mas que você só pode perceber quando a máquina é colocada em produção. Então, agora temos novos discos de estado sólido que não apresentaram essas falhas. No segundo lançamento, não tivemos falhas nos discos de estado sólido. Foi quando começamos a trabalhar em parcerias. Estou fazendo coisas para o maior número possível de parceiros diferentes para mostrar a eles o valor de ter isso lá, e como podem avançar em suas pesquisas. Agora, no terceiro: não importa para onde você vá, você quer mais armazenamento. E, embora eu tivesse uma quantidade razoável de armazenamento no segundo, no terceiro estamos empurrando isso aos limites. Estou enviando quatro SSDs de 30 terabytes. Isso é 120 terabytes. Dizem ser o maior armazenamento já enviado para a Estação Espacial em uma única missão. Isso nos permitirá voltar aos potenciais parceiros, que têm grandes conjuntos de dados e dizer, ‘sim, eu posso processar isso agora’.

ITF: Já há muitas décadas que a humanidade tem enviado hardware para o espaço. Há algum desafio específico de como operar esse tipo de hardware no espaço?

Dr. Fernandez: Deixe-me dar uma resposta em duas partes. Em primeiro lugar, o Spaceborne Computer é para cientistas, engenheiros e exploradores espaciais usarem para seus dados. Eu não faço nada com propulsão, navegação, comunicação, espaçonave etc. Esses componentes críticos estão em outro lugar. Estou focado em computação de borda de propósito geral para ajudar os cientistas. Segundo, os cientistas querem o que há de mais recente. Então, em cima deste hardware de prateleira, o melhor e mais recente que existe, há o que chamamos de ‘software reforçado’. Eu sustento que monitoro esses computadores mais cuidadosamente do que qualquer pessoa monitora qualquer outro computador no mundo. Esse é o propósito desse ‘software reforçado’. Tenho uma quantidade incrível de software que verifica tudo para garantir que esteja funcionando corretamente. Sempre executo as coisas no que chamamos de sistema de dupla. Todo sistema monitora a si mesmo e seu companheiro, e nos avisa quando as coisas ficam anômalas.

ITF: E algum desafio específico no monitoramento deste software?

Dr. Fernandez: A parte mais difícil é a comunicação de volta à Terra. Não se fala muito sobre isso. Nós temos dez pessoas orbitando a Terra neste momento, a cerca de 400 quilômetros. Isso não parece ser muito longe, mas há vários momentos durante o dia em que não temos comunicação com eles. Isso é assustador para mim. Essa é a natureza do espaço, e vai ser a natureza do espaço quando chegarmos à Lua, ao planeta Marte e ao Gateway. Então, ajustar o software e seus sistemas para serem autônomos: eles reportam à Terra ‘tenho um problema’ e, então, tentam resolvê-lo eles mesmos. Essa é grande parte do nosso esforço e acho que fizemos um progresso tremendo. Não é como se tivéssemos um data center totalmente equipado no espaço, que você pode ir mexer e tocar. Eles têm que ser autônomos, e tem que fazer isso verificando seus companheiros. Então, o software é configurado para que eu possa ter um, dois ou N servidores, e todos falam uns com os outros, verificam uns dos outros e fazem backup uns dos outros. Isso está no nível do sistema, e eu passo a maior parte do meu tempo no nível da aplicação ajudando outros pesquisadores e cientistas a fazerem seu trabalho científico.

ITF: Essa é a terceira geração deste computador. Para onde você vê a evolução desta tecnologia além dos avanços normais de hardware, como mais processamento, maior capacidade de armazenamento etc. O que ainda precisa ser melhorado?

Dr. Fernandez: Assim como aqui na Terra, tamanho, peso e capacidade são os três grandes fatores. E eu adicionaria comunicações a isso. Então sempre há pressão para tornar as coisas menores. Nos nossos conceitos para o Spaceborne de próxima geração, usaremos novamente nossos produtos HPE Edgeline, que são projetados para a borda, são menores e têm mais redundância de hardware embutida. Um interesse particular é a energia. No Spaceborne 1, usamos energia alternada, mas percebemos que as células solares geram energia contínua – e há perda de eletricidade ao passar para a energia alternada. Então, nas próximas gerações, usamos energia contínua. Desde então, a comunidade espacial avançou e as células solares avançaram. A próxima geração usará energia contínua de maior voltagem. Então, nós da HPE e outros precisamos criar fontes de energia contínua de maior voltagem para alimentar nossos equipamentos de TI. E estamos usando nosso sucesso na codificação, criptografia e compressão de nossas mensagens para informar às pessoas que você não precisa enviar tudo isso aqui para baixo. E, em segundo lugar, você adiciona a isso o componente de computação de borda, e haverá ainda menos que você precisará enviar. Então, um dos recursos preciosos será a largura de banda de volta à Terra, conforme o necessário.

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Rafael Romer

Rafael Romer é repórter do IT Forum. É bacharel em Comunicação Social – Jornalismo pela Faculdade Cásper Líbero. Tem mais de 12 anos de experiência na cobertura dos segmentos de TI, tecnologia e games, com passagens pelo Olhar Digital, Canaltech, Omelete Company, Trip Editora e IG.

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