“Em dezembro de 1972 uma lei criou a Embrapa [Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária] para resolver um grande desafio nacional”, contou Silvio Meira na abertura do terceiro dia do IT Forum > Anywhere. “Claro que vivíamos em uma ditadura e esse desafio não foi compartilhado ou entendido pela sociedade. Não houve discurso, comunicação, colaboração ou construção de um entendimento nacional sobre o porquê precisávamos de uma Embrapa.”
Em boa parte, a história contada por Meira nesta sexta-feira (18) durante a plenária “De 22 a 22: o salto da tecnologia no Brasil” resume um problema histórico no que se refere ao desenvolvimento tecnológico e científico brasileiro dos últimos 200 anos: a falta de uma grande estratégia nacional compartilhada por toda sociedade, incluindo governo, empresas e sociedade civil.
Os desafios existem, mas não são reconhecidos, e a ausência de uma cultura de investimento em ciência e tecnologia colocam alguns dos poucos méritos históricos nacionais nessa seara – como a própria Embrapa – sob ameaça constante. O financiamento de R$ 3,7 bilhões para a estatal destinado no orçamento de 2020, para Silvio, é insuficiente, considerando o retorno que ela dá ao país: R$ 12 para cada R$ 1 investido.
“É uma conta básica, elementar, que a Embrapa passou a fazer porque nós brasileiros começamos a dizer que ela custava muito caro. Sendo que o orçamento total [da estatal] é igual a soma do orçamento de apenas duas universidades federais brasileiras”, ponderou o professor da CESAR School e cientista-chefe da The Digital Strategy Company. “Se nós investíssemos R$ 20 bilhões por ano talvez estivéssemos à frente da pesquisa aplicada por exemplo em proteínas baseadas em plantas. Mas não, temos uma destruição nacional do ideário da ciência e seu potencial.”
O reconhecimento público de um grande desafio como impulsionador de investimentos e do desenvolvimento da ciência e da tecnologia em uma nação encontra bom exemplo no programa espacial dos EUA e na criação de sua agência, a Nasa. O salto tecnológico dado pelos norte-americanos nos anos 1960 nasceu em boa parte pela derrota sofrida na corrida espacial contra os soviéticos, que lançaram Iuri Gagarin à órbita terrestre em abril de 1961.
Em setembro de 1962, o presidente John Kennedy fez então um discurso célebre – conhecido pela frase “nós escolhemos ir para a Lua” – em que explicitou a aspiração do país de alcançar nosso satélite natural até o fim daquela década. A missão foi bem-sucedida não só porque de fato Neil Armstrong pisou pela primeira vez na Lua em 21 de julho de 1969, mas porque o esforço colocou o país na liderança global em todas as tecnologias digitais pelo menos até o começo da década de 2010.
“O Vale do Silício foi construído em boa parte por meio de incentivos do programa de defesa e energia dos EUA”, lembrou Meira. Ao invés de ir pelo mesmo caminho, o Brasil seguiu pelo contrário, diz o professor, ao editar uma lei de informática que proibia a importação de tecnologia estrangeira. O objetivo, se dizia, era alcançar a autossuficiência em tecnologias estratégicas, mas como fazê-lo sem uma estratégia?
“Não temos estratégias porque não temos grandes desafios, e também não temos orçamentos. Mas é possível tê-los, como mostra o Porto Digital”, disse Meira, lembrando o parque tecnológico da capital pernambucana que ajudou a criar no começo dos anos 2000. E que nasceu da vontade não só de políticos, mas também de empresários, professores e investidores em torno de dois objetivos: revitalizar e retomar o centro histórico de Recife e criar um polo de negócios digitais de classe global.
Hoje o Porto Digital concentra 350 empresas que empregam 13 mil pessoas. Elas emitem cerca de 9% das notas fiscais de serviço na cidade, e concentram 5% do PIB.
“É possível sonhar e ter estratégia de tecnologia e com tecnologia. Mas é preciso estabelecer desafios, ter políticas e compartilhar a visão de mundo que nós de tecnologia temos com a sociedade”, sentenciou Silvio.
Se o Porto Digital pode ser mencionado como exemplo de estratégia de desenvolvimento técnico e científico brasileiro, parte desse sucesso passa por companhias como a Neurotech. Segundo Domingos Monteiro, fundador e presidente da empresa, ela nasceu nos anos 2000, dentro do parque tecnológico pernambucano, a partir da percepção de que os dados corporativos poderiam ser instrumentos valiosos para os negócios do Brasil. Se o tema é prioritário para os CIOs em 2021, o cenário era diferente no começo do milênio.
Também se aproveitou da disponibilidade de mão de obra qualificada na cidade, formada em universidades locais como a UFPE, mas que à época acaba sendo empregada em outros grandes centros nacionais e internacionais. O Porto Digital – e empresas como a Neurotech – deram oportunidade para que esses profissionais ficassem em Recife e tivessem um propósito. E também conectou as empresas às universidades, aproximando o conhecimento produzido na academia da resolução de problemas práticos das organizações.
“Como juntamos a inteligência dos dados com a humana para tornar o futuro mais previsível? Esse foi o propósito do modelo de desenvolvimento da Neurotech”, explicou Monteiro, durante a plenária. Mas não foi fácil, contou o executivo, tanto pela pouca preocupação da academia com problemas práticos do mercado como pela cabeça dos empresários, naquela época excessivamente voltada para questões de natureza operacional.
“Por incrível que isso possa parecer, não me entendam mal, se não soubermos dosar a eficiência operacional ela pode ser um grande inibidor de inovação”, disse. “Em vários momentos da história empresas ruíram porque só se focaram em eficiência e esqueceram do futuro.”
Atualmente a empresa tem mais de 300 funcionários, sendo quase metade mestres ou doutores – e os demais pelo menos graduados ou especialistas, o que comprova a proximidade com a academia. Além disso, com a guinada da empresa para o campo da inteligência artificial, a academia se tornou novamente uma grande fonte de conhecimento.
“Conseguimos fazer essa conexão, inclusive com pesquisas de doutorado e mestrado, para entender como faríamos novas inovações para ajudar as empresas a habilitar e destravar o valor desse ativo que ninguém mais nega”, disse Monteiro, se referindo aos dados.
Para André Magnelli, sociólogo, professor e diretor do Ateliê de Humanidades, os últimos 200 anos de história brasileira – considerando o período que começa na Independência, em 1822 – foi baseado em inovação e desenvolvimento tecnológico feito em “pulos”, não em saltos. Ou seja, com avanços tímidos e pontuais desarticulados de uma política ou grande projeto nacional amplo.
“Não existe desenvolvimento científico e tecnológico desarticulado do desenvolvimento do país”, lembrou André, o que no caso do brasileiro significa uma posição periférica frente a outras grandes potências. Diversos pensadores refletiram sobre o tema, e sobre como o Brasil acabou relegado a exportar de produtos in natura de baixo valor agregado, e portanto dependente de inovação vinda de fora.
Mencionando Celso Furtado, André lembrou que o desenvolvimento brasileiro foi feito com base em expansão de consumo para pequenos grupos da sociedade, o que acabou gerando concentração de renda e exclusão social. O próprio Furtado constatou a dificuldade de desenvolver a ciência e a tecnologia nesse cenário.
Se em 1822 imperava a economia extrativista e em 1922 a Semana de Arte Moderna tentou imprimir bases para uma cultura genuinamente brasileira, foi só na década de 1930 que a ideia de nação começou a se estabelecer. Foi quando surgiram de fato as primeiras iniciativas educacionais mais amplas, lembra o sociólogo. E, na década de 1960, durante o regime militar, surgem instituições de fomento importantes, como o CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – e a SBPC – Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência.
“Aí vem o desafio dos anos 2000. Toda infraestrutura tecno-cientifica do Brasil está construída, mas é necessário desenvolver e ampliar. Como é possível então fazer com que de fato demos um salto tecnológico ao invés de ficar só saltitando como no regime militar? Essa é a questão”, ponderou André.
Para ele a resposta passa por levar a sério uma perspectiva de desenvolvimento integrado do país, que considere não só o aspecto tecnológico, mas também o social, o político e o científico. É uma tarefa que não pode ser executada sem condições macroeconômicas e um plano de desenvolvimento social e, importante, democracia.
Para Silvio Meira, superar os desafios que impedem o desenvolvimento tecnológico e científico do Brasil passa por um esforço amplo. E que inclui a criação de uma cultura de inovação genuína, que não tente pura e simplesmente replicar modelos de outros países, que têm desafios particulares e diferentes dos nossos.
Outro aspecto importante é “ter uma fé científica na ciência”, ou seja, adotar a dúvida inerente ao método cientifico como método e abandonar o excesso de certezas. “Como isso se conecta ao ambiente de negócios? Ele quer intrinsicamente em todos os cenários minimizar riscos. O que significa para muita gente? Ter certeza. Mas não é isso!”, sentenciou o professor.”
Domingos Monteiro, por sua vez, lembra que nunca o cenário foi tão favorável para uma nova mentalidade por parte das empresas. Há ampla disponibilidade de tecnologias, como a nuvem, uma mudança de padrão de expectativas do consumidor – que espera mais personalização e velocidade –, além da enorme quantidade de dados de negócios disponíveis.
“Temos uma dívida histórica em inovação, mas nunca tivemos tantos habilitadores para fazer a conexão com um propósito relevante e fazer esses saltos”, disse o presidente da Neurotech.
Para André Magnelli, construir um salto tecnológico brasileiro agora depende de construir um ecossistema inovação inclusivo e democrático, que abandone o imediatismo de pensar que o país tem como única vocação a exportação agrária. E abandonar qualquer traço de aversão cultural cientifica, experimental ou tecnológica.
Também melhorar a informação, o conhecimento e a cooperação entre diversos agentes para planejar e agir, tanto em ciência e tecnologia como no desenvolvimento da nação. Modernizar as universidades e instituições de pesquisa, tornar as empresas privadas atores estratégicos e adotar políticas públicas em prol desses objetivos também são passos importantes.
“Não há desenvolvimento nacional sem a construção de políticas sociais. É importante construir um estudo de bem-estar ativo e ativador, que não apenas distribua, mas também ative as capabilidades, fazendo com que o bem estar ative a atividade produtiva do país”, completou Magnelli.
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