Análise: Intel é prejudicada por sua própria dominância do setor
IT Forum conversou com analistas de mercado sobre os desafios vividos pela Intel nos últimos anos e quais as perspectivas futuras
Uma das principais fabricantes de semicondutores do planeta, a Intel não vive seu melhor momento. A companhia vem enfrentando dificuldades financeiras há anos: em 2020, sua receita anual foi de US$ 79,02 bilhões, mas caiu gradativamente em anos seguintes até atingir US$ 55,12 bilhões no ano passado. Nas últimas semanas, no entanto, uma nova sucessão de eventos desfavoráveis trouxe ainda mais incertezas.
O choque mais recente veio no início de agosto, quando a companhia divulgou seus resultados financeiros relativos ao segundo trimestre fiscal de 2024. No documento, a organização revelou uma receita de US$ 12,8 bilhões, uma queda de 1% em relação ao ano anterior. O balanço não atendeu às expectativas do mercado, e as ações da companhia despencaram. Desde o início do ano, os papeis da Intel já se desvalorizaram em mais de 50%.
A Intel reconhece a fase ruim. Dave Zinsner, diretor financeiro (CFO), afirmou, na ocasião, que a receita “não está onde queremos que esteja”. Pat Gelsinger, CEO da empresa, se juntou ao coro, classificando o resultado como “decepcionante”. “Nossos custos estão altos, nossas margens estão baixas. Precisamos de ações mais enérgicas para lidar com os dois — principalmente devido aos nossos resultados financeiros e às perspectivas para o segundo semestre de 2024, que é mais difícil do que o esperado”, escreveu Gelsinger em comunicado interno.
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Como parte dessas “ações enérgicas”, a companhia anunciou um corte de 15% da sua força de trabalho, o equivalente a cerca de 15 mil funcionários em todo o mundo. A ação é parte de um “plano de redução de custos” que visa cortar US$ 10 bilhões em despesas. Áreas como marketing, administrativo e pesquisa e desenvolvimento (P&D) foram as mais afetadas.
“A Intel segue trabalhando para causar o menor impacto possível na vida de seus funcionários. Essas são decisões difíceis, e estamos comprometidos em tratar os funcionários impactados com dignidade e respeito. As medidas que estamos tomando tornarão a Intel uma empresa mais enxuta, mais simples e mais ágil”, informou a companhia em nota enviada ao IT Forum à época do anúncio. A Intel não revelou dados locais sobre cortes em sua operação nacional.
Os resultados financeiros aquém do esperado não são o único desafio enfrentado pela gigante de Santa Clara. Nos últimos meses, a organização encarou problemas de oxidação e instabilidade nos processadores de 13ª e 14ª geração (Raptor Lake). A situação prejudicou a imagem da marca junto ao segmento de consumidores finais e obrigou a Intel a reconhecer a falha publicamente e a estender a garantia dos produtos.
Há ainda um desafio considerável na corrida bilionária pelo mercado de Inteligência Artificial (IA). Enquanto a Intel amargou resultados fracos ao longo dos últimos anos, a Nvidia assumiu uma ampla dominância no segmento de IA para servidores e data centers, anunciando receita de US$ 26 bilhões no trimestre, acréscimo de 18% em relação ao trimestre anterior e de impressionantes 262% em relação ao mesmo período do ano passado. A AMD também vive um bom cenário, e anunciou receita recorde de US$ 2,8 bilhões no segmento de data centers em seus resultados mais recentes, acréscimo de 115% em relação ao ano anterior.
“O dilema do inovador”
Para Eric Hanselman, analista-chefe de tecnologia, mídia e telecomunicações da S&P Global Market Intelligence, os desafios enfrentados pela Intel não são de hoje. “Acredito que há uma convergência de uma série de problemas internos”, avaliou em conversa com o IT Forum.
O analista relembra, por exemplo, as dificuldades que a companhia enfrentou em sua lenta transição da litografia de 14nm para os 10nm, que se arrastou por anos até 2019. “A Intel se deparou com uma série de dificuldades tanto em suas capacidades de engenharia e design quanto em algumas das peças de fabricação”, anotou Hanselman.
A situação, avaliou o analista, remonta ao clássico “dilema do inovador”, em que a organização foi prejudicada por sua própria dominância do setor. “Como você se afasta de algo que representa uma parte tão importante do seu negócio para novas áreas que são potencialmente mais arriscadas e nas quais existem concorrentes fortes?”, ponderou.
A situação em que a Intel se encontra também tem um potencial impacto para o mercado de TI, na forma da aceitação de novas arquiteturas de processadores pelo mercado. Exemplo disso são os chips Graviton, da Amazon Web Services (AWS), desenhados pela subsidiária Annapurna Labs e baseados em ARM. O mesmo vale para os processadores Axion, do Google.
“Quando se tem uma empresa do tamanho da AWS promovendo alternativas a processadores tradicionais, isso significa que o mercado verá essas alternativas como muito mais aceitáveis. Isso é mais uma peça que começa a minar o domínio da arquitetura tradicional da Intel”, explicou.
A tendência tem impacto direto no mercado enterprise. Na avaliação do analista, o movimento pode levar mais organizações a trabalharem com arquiteturas alternativas. Em um primeiro momento, isso não deve corroer ou substituir o domínio de mercado que a Intel desfruta hoje, mas cria “desafios” para a empresa continuar sua expansão no mesmo ritmo. “Não existe mais o tempo que, historicamente, a Intel teve para testar seus designs”, indicou.
Próximos passos
“Não vemos como uma crise ainda”, disse Reinaldo Sakis, diretor de Pesquisas e Consultoria do segmento de Dispositivos da IDC para a América Latina, em conversa com o IT Forum. “Pensando em números globais, cerca de 70% da fatia do mercado é da Intel. Na América Latina e no Brasil, nós estamos falando em algo próximo a 80% do mercado. É uma dominância expressiva em desktop, notebooks e workstations.”
O diretor IDC também vê como “natural” as transformações que têm sido vistas no mercado nos últimos anos, resultado do avanço de tendências como a inteligência artificial (IA) e novos chipsets entrando no mercado. Além dos exemplos levantados por Hanselman em infraestrutura, o avanço da AMD em alguns segmentos de dispositivos e a entrada da Apple no mercado de chips também reforçam o panorama. “Imaginar que a participação de mercado vá diminuir é natural nesse cenário, mas ninguém vê um impacto que possa afetar a dominância da Intel”, disse.
Para Hanselman é também importante fazer a diferenciação entre o estado atual do negócio da companhia e as expectativas do mercado. “O mercado financeiro precifica uma ação com base em expectativas de curto prazo. Isso é um desafio”, anotou. Boa parte das apostas recentes da Intel, sob a tutela de Pat Gelsinger, que chegou à companhia em 2021, são de longo prazo, entretanto.
Exemplo disso é o modelo de “Foundry” da organização. O termo, que significa “fundição” em inglês, é usado para definir organizações que produzem chips sob demanda para outras companhias que não têm fábricas próprias. A taiwanesa TSMC é líder desse mercado, mas a expectativa da Intel é disputar essa dominância e se tornar a segunda do ramo no mundo até 2030.
O foco da Intel será na crescente demanda por processadores exclusivos de inteligência artificial. A aposta, no entanto, requer tempo e investimentos intensivos. Nos resultados fiscais do segundo trimestre do ano, a Intel afirmou estar se aproximando da conclusão de sua prometida estratégia de “cinco nodes em quatro anos”, a caminho de entregar chips de 18A (1,8nm), o Panther Lake para clientes e o Clearwater Forest para servidores, em 2025.
“Acredito que o negócio de Foundry é fundamental”, indicou o analista da S&P Global. Em sua avaliação, os desafios que a Intel enfrentou durante a chegada da litografia de 10 nanômetros acabaram gerando um “efeito colateral” positivo para a organização, que foi a melhoria de sua tecnologia de empacotamento. Isso é particularmente útil para arquiteturas modernas de GPUs altamente integradas.
“Ao observar o que eles estão fazendo em áreas como Gaudi [chips de IA da Intel] e recursos de computação de alto desempenho, verá que essas tecnologias se beneficiam da capacidade de chips multi-die. E o que isso significa é que agora há mais flexibilidade na forma como realmente se produz o produto. É possível começar a misturar e combinar nodes de processo. Assim, pode ter uma GPU e muita memória, e tê-los todos integrados em um dispositivo de alto desempenho”, explicou. “A Intel melhorou muito nisso.”
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