Seu propósito é fraco!

Usar regras de redação de um propósito não são suficientes para mudar sua organização

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5:24 pm - 27 de julho de 2023

Em 14 de outubro de 2014, o livro “Organizações Exponenciais” de Salim Ismail, alcançou a posição de Best-Seller na categoria de negócios da Amazon. E, desde então, empresas de todos os segmentos de negócios ao redor do mundo, debruçaram-se sobre a redação de um Propósito Transformador Massivo. Mas, usar regras de redação de um propósito não são suficientes para mudar sua organização…

O PlayBook de Organizações Exponenciais

Quatro anos após atingir o ápice de sua categoria no maior marketplace de publicações do mundo, Salim Ismail, publicou um artigo para reforçar o conceito e a importância de um Propósito Transformador Massivo. No título, ele menciona, em tradução livre, que o PTM é, em essência a frequência cardíaca das organizações exponenciais.

O artigo termina por permitir o download de um canvas que se propõe a ajudar você e seus executivos a criarem o PTM de sua própria organização e, embora venha recheado de exemplos conhecidos de grandes empresas que conseguiram traduzir PTM’s como Tesla e Google e motivem a reflexão e a construção do PTM de sua organização, deixa a sensação de que ainda falta alguma coisa nesta receita de bolo.

A Epifania do Propósito

A Jornada de descoberta do propósito pode percorrer caminhos não-óbvios. A que descrevo encontrou uma bandeira quadriculada em novembro de 2022, em Lisboa, no palco principal do WebSummit.

Toto Wolff, CEO e sócio da AMG Petronas F1 Team, ou como simplesmente chamamos “Equipe Mercedes de F1”, ao lado de Oliver Steil, presidente e CEO da empresa de software de TeamViewer, descreviam e desvendavam um pouco dos bastidores da empresa.

O executivo e chefe de equipe nos revelou que ele se enxerga como um presidente de uma empresa de médio porte, de 2.000 colaboradores. A FIA, órgão máximo da F1 e responsável pelas regras que regem a competição mais sofisticada do automobilismo mundial, permite, em pista, por final de semana de corrida, um limite de 90 pessoas e, a ferramenta que habilitava os 1.920 restantes a trabalharem juntos era o TeamViewer.

Toto Wolff nunca precisou genuinamente se preocupar com a performance ou a cultura nos formatos de trabalho presencial, híbrido ou remoto. O propósito, mesmo sem estar escrito em lugar nenhum, é tão forte e presente que absolutamente 100% de sua empresa está conectada com cada dado, informação e potenciais oportunidades de maximização de resultados nas pistas.

Nenhum colaborador tem qualquer dúvida sobre o propósito do time, mesmo que ele como Salim Ismail pregue, não descreva um “futuro melhor para o mundo, para a indústria ou apenas para sua comunidade”. E, embora não esteja escrito e não siga a receita de redação, ele se faz tão presente que cumpre o papel de atrair clientes, comunidades, parceiros e recursos para deixar uma marca na história.

A Doutrina Friedman

Muito antes de Salim Ismail, surgia uma doutrina que linearizou e massificou o propósito.

Milton Friedman, em 13 de setembro de 1970 publicou um artigo no The New York Times chamado: “The Social Responsibility of Business is to Increase Its Profits”, ou em tradução livre, a responsabilidade social de um negócio é de aumentar os seus lucros.

Friedman era economista e lecionou na Universidade de Chicago, inclusive ganhando um prêmio Nobel em 1976.

O reflexo do pensamento de uma abordagem única para todas as empresas em todos os segmentos pautou toda a escola de administração e a estruturação do capitalismo moderno nos anos seguintes.

Não era necessário se pensar sobre um propósito maior do que o de dar lucro para os acionistas. E, se é verdade que o pensamento evoluiu com o Capitalismo Consciente de John Mackey e Raj Sisodia, integrando na lógica do lucro/benefício outros stakeholders, também parece ser verdade que quanto mais em crise uma economia, mercado ou empresa está, mais ela se volta para o pensamento de Friedman.

Propósitos Mutáveis

À luz da complexidade do mundo atual, de economias e seus efeitos cada vez mais integrados e de tecnologias emergentes capazes de redefinirem a paisagem e os alicerces da sociedade pode-se mudar o propósito de uma empresa?

Por mais contra intuitivo que seja, o propósito não precisa ser escrito na pedra. Ao contrário ele pode mudar ou evoluir.

O propósito original da Kodak era o de tornar a câmera fotográfica tão conveniente quanto um lápis. Ao longo do tempo, este propósito poderia ter evoluído para tornar a fotografia ou as imagens tão convenientes como um lápis.

Uma mudança de redação deste PTM, no entanto, não seria suficiente para salvar a empresa de seu destino. Momento em que uma mudança completa de propósito e uma simplificação de raciocínio como a de Friedman poderia ter feito a diferença. A Kodak vendeu seu altamente rentável negócio de imagens de diagnósticos de saúde em 2007 para continuar a queimar caixa com o negócio de câmeras e impressões de fotos por mais tempo.

Se as decisões da organização naquele dado momento histórico estivessem exclusivamente pautadas no lucro, possivelmente sua trajetória seria outra.

Repactuando o Propósito

O que se pode estabelecer como pacto entre as lógicas definidas por Milton Friedman, John Makey, Raj Sisodia e Salim Ismail?

Por melhor que seja a redação e a comunicação de seu propósito como elemento cultural corporativo, ele provavelmente é fraco, seja porque o contexto inexoravelmente vai mudar e ele precisará ser reescrito, refeito, reinventado.

Para além disso, poucas sociedades capitalistas, especialmente as de capital aberto, gozam de um conceito tão simples e puro como o de ganhar corridas e vencer campeonatos, naturalmente mobilizando todos em uma mesma direção.

Em um mundo cada vez mais complexo, precisamos de todos os tipos de organização. Desde as que tenham como simples propósito gerar lucro para seus acionistas, honrando todas as suas obrigações, até as que possam deixar sua marca de transformação no mundo.

Saber ler o cenário externo, em qual arena se posicionar e como definir seu propósito é uma arte que poucas organizações cumprem. É comum ver workshops para construção de frases de efeito cuidadosamente emolduradas nos ambientes das organizações sem que a maioria das pessoas saiba, conheça ou viva seu significado.

Você leitor, conhece, sem consultar, o propósito da organização em que trabalha?

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