O dia que entendi que para as classes D e E não há Customer Experience

Ainda no primeiro dia do CX Summit, a palestra de Fabio Mariano Borges caiu como uma bomba: meu CX é Nutella.

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9:28 am - 30 de novembro de 2019
Colorful painted buildings of Favela in Rio de Janeiro Brazil

Você vive a experiência de ser consumidor. Sabe o que quer, de que forma quer e como tornar a vida da marca estressante caso ela lhe proporcione uma vivência frustrada. Mas você é provavelmente da classe A e B, estudou, tem um bom emprego e acesso à informação privilegiada. E quem não tem, consegue exigir a mesma atenção que você?

Uma das palestras mais impactantes de CX que já assisti estava aqui no CX Summit 19. O palestrante já é meu conhecido e alguém que admiro muito. Doutor em Ciências Sociais e Especialista em Etnografia Urbana, Fabio Mariano Borges trouxe para o enorme palco no Memorial da América Latina o tema Experiência do Cliente nas classes D e E. Um tapa na cara no meu CX Nutella.

As classes D e E representam 32% da população brasileira e a C 52%, segundo a FGV, em pesquisa de 2017. No entanto, essa mais que metade de nossa população consumidora é totalmente invisível e vive essa experiência da invisibilidade no varejo. Fabio traz 2 dados que me impressionaram sobre CX no Brasil:

Clientes são ignorados – 87% dos consumidores sabem citar 3 casos de marcas para as quais reclamaram ou mostraram falhas e não tiveram resposta.

Clientes são reféns – 63% citam 2 marcas com as quais estão insatisfeitos, mas continuam delas comprando porque falta de alternativa.

A pergunta que fica a partir desses dados é “quanto o consumidor tem que se preparar ou se incomodar para ser cliente da sua marca”?

Fabio explica experiência como o conhecimento obtido por meio dos sentidos. Tem tudo a ver com a emoção que geramos enquanto o cliente interage com nossas marcas. Provocou, ainda, executivos de marketing que estavam no evento durante 2 dias inteiros para conhecer mais sobre seus consumidores, mas que talvez estejam vivenciando a “Black Fraude” em suas corporações.

“Brasileiros são os campeões em fake. Há um prazer em enganar o consumidor no Brasil”, Fabio Mariano.

Os exemplos apresentados foram latentes. Começando pelo Edmilson, personagem real, parte da amostra pesquisada por Fabio, que para se casar alugou um quarto e cozinha, onde passaria a noite de núpcias, e o equipou com cama, TV e fogão. A cama, no entanto, quebrou logo após a aquisição.
7 meses foi o tempo que Edmilson levou tentando provar que não foi responsável pela quebra. Mais que isso, foi alvo de piadinhas por parte dos funcionários da empresa fornecedora, atribuindo ao início do casamento e performance do casal a avaria do produto.

A experiência da indignidade também é vivida no Brasil. Moradora de uma viela em Salvador, uma consumidora teve sua geladeira deixada na calçada porque precisava de atenção especial para entrar na viela.

Uma mãe que juntou dinheiro, sonhando comprar um guarda-roupa para filha, recebe o produto danificado e tem que comprovar que a filha não subiu na porta até rachar, acusação que sofreu ao contatar o Atendimento ao Cliente. A solução levou 9 meses.

Não mapeamos a realidade dos consumidores de baixa renda e, assim, desconsideramos totalmente esse consumidor de nossos mapas:

• Lojas se negam a entregar em zonas mapeadas como “de periculosidade”,

• Mulheres demoram 5 minutos a mais para ser atendidas no setor de eletroeletrônicos,

• Pessoas negras levam 7 minutos a mais para ser atendidas no setor de eletroeletrônicos,

• Mulheres negras demoram 10 minutos a mais para ser atendidas no setor de eletroeletrônicos.

Nós, gestores, esquecemos da condição real do consumidor brasileiro. Muitas vezes tratamos os viezes inconsciente como mimimi. Invisibilidade não é frescura, humilhação não é frescura.

Perdemos a oportunidade de negociar com clientes muito fiéis à nossa marca

O testemunho de uma das entrevistadas, no estudo de Etnografia que Fabio apresenta, conta que ela é cliente assídua, só compra no mesmo estabelecimento, mas a rotatividade dos funcionários não permite um relacionamento real com a empresa. Diferentes pessoas fazem a mesma pergunta diversas vezes, elas nem sabem seu nome, não conseguiram perceber que ela é frequente.

Ser empático com o consumidor não é uma tarefa fácil. A verdade que Fabio mostra é que essa afinidade não é natural do ser humano, precisamos exercitar. Mas essa atividade pode nos levar a grandes resultados, palpáveis, financeiros. O consumo empoderado gera lucro, ganham o consumidor e a marca.

A inquietação que ficou para mim, e que está me cutucando é: que experiências de empatia e inclusão estamos oferecendo nas nossas empresas? Temos coragem de sair dessa inércia e nos movimentar?

Encerro esse artigo deixando um vídeo para você, demonstrado na apresentação. Ele me afligiu, desconfortou, provocou sensações ambíguas. Mas exemplificou o sentimento ruim que o descaso promove e quantos valores estão envolvidos na relação dos clientes com as nossas marcas.

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