Política ‘bipolar’ – precisamos de psiquiatra?

Estamos sem rumo: surgem iniciativas contraditórias simultâneas

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3:06 pm - 14 de junho de 2022

A bipolaridade é uma doença psiquiátrica que provoca variações drásticas de humor, ao longo de períodos de tempo relativamente longos, medidos em meses. Os pacientes oscilam de períodos de depressão profunda até momentos de euforia extrema.

Mas o que isso tem a ver com a Tecnologia da Informação?

Em primeiro lugar, observo que o comportamento das nações pode ser comparado com o dos indivíduos: afinal, o comportamento de uma nação é o resultado do comportamento de seus cidadãos mais as suas lideranças, eleitas democraticamente.

Em segundo lugar, tenho observado sintomas preocupantes nessas lideranças, que apontam para a bipolaridade: se bem é compreensível que, na era das redes sociais, nossos governantes tenham desenvolvido o hábito de transformar suas iniciativas em espetáculos, não podemos assistir calados quando essas iniciativas se contrapõem.

Você pergunta por quê? Iniciativas lançadas pelos nossos governantes usam os recursos financeiros resultantes do pagamento de nossos impostos. Mais, num momento de grande crise global – resultado de uma pandemia combinada com ações militares de grande porte desencadeadas por uma potência nuclear – torna-se fundamental fazer bom uso desses recursos.

Um exemplo ‘socialista’

Quero iniciar pedindo desculpas aos meus amigos cariocas, que são muitos. Mas além de ter usado o símbolo da cidade na ilustração deste artigo com base em capas da revista “The Economist”, quero descrever duas iniciativas da prefeitura municipal do Rio de Janeiro, lançadas nos últimos meses.

A primeira delas foi lançada no dia 28 de março. Trata-se do lançamento do aplicativo Valeu, anunciado como rival para o iFood, com a promessa de não ter taxas para os restaurantes e melhor remuneração para os entregadores. Esse aplicativo foi desenvolvido pela IPLANRIO – Empresa Municipal de Informática.

As declarações do prefeito do Rio de Janeiro e do Secretário de Finanças do município se focaram na necessidade de oferecer uma alternativa ao que chamaram de ‘aplicativos tradicionais’, que na opinião deles trabalham com margens de lucro excessivas, tornando seu uso inviável para uma boa parte dos empreendedores cariocas do setor alimentício.

Ainda, foi anunciado que a prefeitura carioca iria “disponibilizar pela cidade pontos de apoio para esses trabalhadores descansarem e usarem sanitários”.

Frente a essa notícia, me surgiu um turbilhão de perguntas, dentre as quais registro duas:

  1. Esse tipo de desenvolvimento respeita a Constituição e o Estatuto da IPLANRIO, no que tange à atuação do governo por meio de empresas públicas?
  2. Se a prefeitura carioca achasse excessivo o lucro de qualquer outro tipo de empresa, ela faria o mesmo em outros setores (fico pensando nos pãezinhos de padaria até empréstimos bancários)?

Um exemplo ‘capitalista’

Poucas semanas após a iniciativa do Valeu, a mesma Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro anunciou com toda pompa e circunstância a realização do WebSummit 2023 na cidade. Este evento, nascido na Irlanda e crescido em Portugal, visa conectar os ecossistemas de startups de todo mundo, com base na visão ‘capitalista’ nascida no Vale do Silício.

Com ou sem exagero, ao afirmar que o WebSummit Rio de Janeiro é uma conquista para o Brasil e para toda América Latina, a prefeitura carioca se compromete com o desenvolvimento ‘capitalista’.

Um diagnóstico desconfortável

Confesso que não tenho informações precisas sobre o volume de recursos públicos comprometidos nas duas iniciativas. Entretanto, elas apontam em direções diametralmente opostas: o setor público como ator da economia, ou o setor público como indutor da atividade econômica privada.

Identificar essa confusão de propósitos numa das maiores cidades do país é para mim conseqüência da total falta de clareza na formulação de políticas públicas específicas para o nosso setor de Tecnologia da Informação. Nenhum psiquiatra sabe curar esta ‘doença’.

Estamos prestes a iniciar uma nova campanha eleitoral que inclui a disputa da Presidência da República. Este é talvez o momento ideal para discutirmos abertamente. Talvez assim o comportamento que chamei de ‘bipolar’ não se alastre pelas diversas esferas de governo.

As entidades associativas do setor privado estão trabalhando para isso. E esperamos encontrar eco entre os que pretendem governar nos próximos anos.

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