O bônus da inocência

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4:00 pm - 22 de junho de 2016

O ano era o de 1990. Fernando Collor havia se tornado o primeiro presidente civil eleito democraticamente, depois de quase três décadas. Ele trazia consigo a esperança do brasileiro, que logo se viu desconcertado, paralisado diante do confisco das poupanças e aplicações financeiras. Mas, naquela época, o instinto e a intuição supriam minhas escolhas, até porque pouco eu sabia sobre planejamento, cenários de mercado e previsões.

Recém-casado, eu havia estabelecido com Cássia, em nosso novo lar, um laboratório de integração de PCs, negócio que já funcionava desde 1987, na casa em que vivia com minha mãe, na periferia de São Paulo. Bastava a nós a realidade, concreta e particular, incluindo o calo no polegar da mão direita, que persiste até hoje, de repetidamente socar memória em placa mãe para montagem dos microcomputadores.

Antes de iniciar com a informática, meu negócio era carregar e distribuir alho – acredite, uma boa oportunidade de fazer dinheiro, naquela época. Só que eu havia encontrado uma melhor. E então, sem base acadêmica e teórica sobre qualquer coisa, perguntei a quem pude, vasculhei materiais e corri atrás dos componentes. Vendíamos uma média de 150 PCs por mês, às vezes um pouco mais, com a ajuda de dois funcionários. Cada equipamento custava, mais ou menos, 2 mil dólares, mas o preço de um modelo sofisticado chegava a 5 mil dólares.

O negócio de integração era um setor novo, mas não exclusividade minha, obviamente. Com a reserva de mercado, um País fechado a produtos internacionais e uma indústria nacional limitada, muita gente começou a fazer o mesmo. Eu me lembro de carregar com todo cuidado os discos rígidos, blocos frágeis, pesados e com “incrível” capacidade de armazenamento de 10, 20, 50 megabytes. Recordo também de uma viagem para os Estados Unidos e de ver, por toda parte, a bíblia do setor de informática, a revista Byte.

Nunca imaginaria, um dia, publicar no Brasil um título tão relevante. Distinguir o possível do improvável, aliás, nunca foi o meu forte.

Mas, voltando a 1990, diante do anúncio do Plano Collor, do limite para saques e das filas que se formavam nos bancos, transferi todas minhas reservas em conta corrente para compra de mercadoria, entre gabinetes, monitores, placas e outros. Ninguém sabia o que iria acontecer, então, resolvi fazer estoque e, literalmente, sentar em cima dele. Era muita coisa. Mesmo. Somava o que hoje corresponde, talvez, a uns 400 mil ou 500 mil reais. E, com o dinheiro investido nas máquinas, dentro de casa, mantive um negócio altamente lucrativo.

Para muitos que testemunharam o final da década perdida, as recordações são duras – vínhamos de anos bastante áridos. Algo, em partes, semelhante ao que enfrentamos hoje. No rosto dos jovens, vejo a frustação pelo sonho que viveram de um País próspero, agora com seu futuro ameaçado pela crise que atravessamos. Mas, a diferença é que, naquela época, estávamos acostumados com a falta de perspectiva. E, mesmo com tudo o que ocorria, consegui tocar a minha vida, tirando proveito do momento complicado.

Eu não entendia de crises e dogmas econômicos. Entendia, sim, do desejo de prosperar, que nos move sejam quais forem as circunstâncias. Tive o bônus da inocência.

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