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Quer trabalhar com games? Tenha disciplina, flexibilidade e saiba lidar com pressão

O mercado de games é promissor. Somente no ano passado, movimentou cerca de R$ 5,6 bilhões no Brasil, conforme a consultoria Newzoo. A cifra deixa o país como o 13º maior mercado, com 75,7 milhões de jogadores (o equivalente a 36% da população), na liderança entre os países latino-americanos. O avanço do segmento tem tudo a ver com o crescimento dos jogos online e da modalidade eSports, competições profissionais de games transmitidas por TV ou canais de streaming. Mas não só isso: as oportunidades estão também em jogos para PC e projetos de gamificação para empresas.

 

Um exemplo do “boom” do mercado brasileiro de games é o crescente número de empresas desenvolvedoras de jogos digitais. Claro que a quantidade é pequena comparada às estatísticas de outros países, mas a evolução nos últimos anos é digna de nota. Entre 2014 e 2018, o número de empresas saltou 182%, atingindo 375 no início do ano passado, segundo o 2º Censo da Indústria Brasileira de Jogos Digitais, realizado pela Homo Ludens.

 

Atuar em um estúdio de desenvolvimento de games é, sem dúvida, um dos caminhos para quem deseja trilhar uma carreira nesse mercado. Ainda assim, a produção de um jogo demanda uma gama ampla de profissionais. Inclui o programador, que pode precisar de competências específicas de desenvolvimento de softwares, mas também o artista 2D ou 3D, ou ainda o UI (user interface) e UX (user experience) designer, um dos responsáveis pela interface do jogo. As oportunidades passam também pelas áreas de inteligência de negócio, marketing e distribuição, observa Sandro Manfredini, presidente da Associação Brasileira das Empresas Desenvolvedoras de Jogos Digitais (Abragames) e sócio do estúdio de games Aquiris.

 

Perfil multidisciplinar

 

“Começa a surgir um perfil de profissional que não existia, que mistura habilidades de artes 2D, modelagem 3D e ‘skills’ de programação. Antes estava muito fragmentado entre quem era artista e quem era desenvolvedor”, analisa Agesandro Scarpioni, coordenador do curso de tecnologia em jogos digitais da FIAP. A lista de habilidades técnicas por si só não é suficiente, ou seja, não basta ser um programador ou artista brilhante. É necessário saber trabalhar em equipe e conseguir resolver problemas complexos. Em suma, o desenvolvimento das habilidades socioemocionais, as chamadas “soft skills”, também é importante para a pessoa que vai trabalhar com games.

 

Disciplina, flexibilidade e saber lidar bem com pressão e prazos curtos são outros atributos exigidos no mercado de games, exemplifica André Felipe de Melo Mecheto, 20 anos, desenvolvedor front-end na LG lugar de gente. Formado em jogos digitais pela FIAP, André cultivava o desejo de trabalhar com games desde pequeno. Na adolescência, estudou arte digital e fez trabalhos de design digital como freelancer durante o ensino médio, além de estudar 3D para games no tempo livre.

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Na faculdade, tomou mais gosto por programação. Logo, foi contratado como estagiário em back-end na eguru, desenvolvedora de ‘serious games’ para a área de RH, empresa comprada em 2016 pela LG lugar de gente, especializada em softwares para gestão de RH. Ao fim do estágio, André foi contratado como desenvolvedor front-end, função que exerce desde janeiro deste ano. Fora do expediente, o profissional dedica parte do tempo para projetos como freelancer em arte de cenário 3D para games, mas não deixa de reservar um espaço para jogar.

 

Mercado em ascensão

 

Para ele, as oportunidades de carreira estão principalmente em “serious games”, usados na educação ou para projetos corporativos, por exemplo. “Fora isso, existem posições como conteudista, designer instrucional, designers gráficos, analistas de BI [business intelligence] e cientistas de dados”, aponta. Scarpioni, da FIAP, lembra que antigamente o mercado era basicamente voltado para entretenimento. Hoje, o avanço dos “serious games” ajudou a impulsionar os negócios do setor. “Um exemplo é o treinamento no uso de colheitadeiras no agronegócio, por meio de um ambiente virtual.”

 

Grandes empresas estão de olho em profissionais formados em jogos digitais. O curso da FIAP, que já formou quatro turmas desde 2015, recebe demandas para projetos de companhias de diversos setores. Neste ano, a Bayer propôs aos alunos o desafio de tornar a tradicional marca Aspirina mais acessível para determinado público – tudo isso com gamificação, realidade virtual e realidade aumentada, conta Scarpioni. Além da farmacêutica alemã, já foram desenvolvidos projetos para Marinha do Brasil, everis, PagSeguro e Blue365.

 

Com duração de dois anos, o curso de tecnologia em jogos digitais da FIAP é oferecido nas modalidades presencial e online. Na graduação, além de programação, arte 2D, modelagem 3D e game design, os alunos têm disciplinas de roteirização, realidade virtual, criação de vídeos e marketing digital.

 

A partir de 2020, a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) vai começar a oferecer bacharelado em jogos digitais, com duração de quatro anos. A metodologia de ensino é baseada em projetos, divididos em módulos semestrais. No primeiro semestre, por exemplo, o objetivo será produzir um jogo de tabuleiro. Ao longo dos semestres seguintes, os desafios evoluem para jogos 2D, 3D e projetos de inteligência artificial (IA) e modelagem avançada, além de edição de vídeo e animação. “A produção de um jogo é multidisciplinar: envolve desde animação, desenho, conceito, sonorização, ambiente, programação, engenharia de software e IA”, observa Reinaldo Ramos, vice-coordenador do curso de jogos digitais da PUC-SP e fundador da T4 Interactive, empresa de desenvolvimento de jogos.

 

Segundo ele, o mercado de games sofre de um mal que atinge a área de tecnologia como um todo: falta de mão de obra qualificada. Como se não bastasse, oportunidades de trabalho em outros países fisgam talentos brasileiros. O mercado é dinâmico, diz Thiago Diniz, cofundador da Nuuvem, plataforma digital de jogos em PC. “Alguns anos atrás, tinha muito jogo para Facebook, de repente mudou. Voltou agora para mobile, PC está voltando a crescer, surgiram realidade virtual e aumentada. É preciso estar antenado nesses movimentos para se posicionar”, aponta.

 

Formado em jogos digitais, Diniz montou a Nuuvem há oito anos. Na época, quase não havia jogos para computador à venda na América Latina. O empreendedor enfrentou o desafio de convencer as produtoras de games a acreditar no mercado brasileiro. No início, o negócio tinha parceria com cinco produtoras, entre elas, Ubisoft – uma das maiores do mundo –, Rockstar Games e Paradox Interactive. Hoje, são mais de 300, desde grandes empresas até desenvolvedoras independentes. Atualmente, a plataforma vende mais de 100 mil unidades de games por mês. O catálogo reúne mais de 3.000 jogos, incluindo GTA 5, Rainbow Six, e Pro Evolution Soccer (PES).

 

O avanço das transmissões de jogos via streaming começa a pavimentar um segmento com oportunidades de trabalho das mais diversas, entre elas, edição de vídeo, produtor de eventos online, narração e comentários de partidas e treinamento de equipes. “É uma demanda que já existe e vai aumentar ainda mais”, afirma Diniz. Existem, ainda, carreiras que circundam o mercado, por exemplo, profissionais de relações públicas especializados em “Youtubers” ou criadores de conteúdo. Isso porque os canais no YouTube especializados em games têm um papel muito importante na estratégia de divulgação de novos títulos, diz Manfredini, da Abragames.

 

Independentemente da área dentro do mercado de games, o especialista recomenda conciliar criatividade com técnica, o que nem sempre é fácil de conseguir dependendo do perfil do profissional. “É como o jogo: uma camada de criatividade, em cima de uma camada de tecnologia.”

 

Entrevista: Guilherme Camargo, CEO da produtora de games Sioux Group e ex-executivo da Microsoft

 

O caminho para atuar no mercado de games não é fácil, mesmo com tantas oportunidades. Exige conhecimento, treino, experiência e resiliência. É o que defende Guilherme Camargo, CEO da produtora de games Sioux Group e ex-executivo da Microsoft, responsável pela divisão de games da companhia por seis anos. Para ele, pode parecer divertido, mas não deixa de ser um trabalho. É necessário ampliar o olhar, e não ficar restrito ao universo dos games. “Quem gosta de jogar e é um bom gamer não necessariamente será um bom profissional na área”, diz. Leia, na íntegra, a entrevista que ele concedeu à IT Trends.

 

 

IT Trends: Qual o potencial do mercado de games no Brasil?

 

Guilherme Camargo: O Brasil é um país ainda em expansão para o mercado de games. Ocupa a 13º posição no mundo em termos de receita e 66% dos brasileiros têm o hábito de jogar jogos eletrônicos, mais do que jogos de quadra (esportes tradicionais), por exemplo. Existem barreiras econômicas como impostos que minam o crescimento mais exponencial dos games, em especial consoles, questões de infraestrutura que necessitam diversos ajustes para colocar o Brasil em pé de igualdade comparado aos países mais desenvolvidos e pouco incentivo para o desenvolvimento de tecnologia e propriedade intelectual do setor. Por outro lado, o mercado de consumo cresce ano após ano por questão da acessibilidade e mobilidade dos smartphones e existe uma força dos eSports, que crescem exponencialmente em termos de audiência, investimentos e até como uma nova carreira dentro do setor: a do jogador profissional.

 

IT Trends: Quais as principais oportunidades de carreira no mercado?

 

Camargo: As principais oportunidades estão nas áreas mais tradicionais como marketing, administração e economia, já que existem muitas empresas multinacionais que publicam os jogos no Brasil como Microsoft, Sony, Warner, Ubisoft, Activision, Blizzard, etc., além de empresas como Google, Facebook e outras que já têm áreas dedicadas ao segmento e focadas na construção de conteúdo. As áreas de programação, usabilidade (game designer /UX), conteúdo, gamificação e o próprio crescimento dos eSports já apontam ser uma realidade de carreira para quem quiser trabalhar ou se especializar nesse segmento.

 

IT Trends: Quais habilidades e competências são fundamentais para quem vai atuar no setor?

 

Camargo: Não existe nada muito específico para o setor que vale a pena destacar como um grande diferencial versus outro. Quem gosta de jogar e é um bom gamer não necessariamente será um bom profissional na área. Ter um conhecimento do segmento é importante, mas não é fundamental para iniciar no setor. Eu destacaria duas habilidades fundamentais: ser resiliente. Nada é fácil no segmento e por parecer divertido as pessoas acham que é um setor mais leve em termos de pressão, mas é só uma carenagem diferente para um trabalho. A segunda habilidade é saber lidar com pessoas, pois por mais óbvio que isso seja isso, são poucos os profissionais que se destacam pela gestão e formação de equipes para ajudar nessa escala de crescimento do setor. Incluiria uma terceira habilidade, que é a pontualidade: seja para uma reunião de trabalho ou entrega de uma fase de projeto, ser pontual é algo que se perdeu no tempo como prioridade e cada vez mais se torna importante para evitar que um atraso impacte em algo maior como um lançamento de produto ou mesmo perda de credibilidade com um cliente.

 

IT Trends: Quais profissões tendem a ser criadas com o avanço do mercado?

 

Camargo: Vejo um crescimento em diversas áreas que ainda estão expandindo o espaço para profissionais com formação em UX, programação e game design. Hoje ser um profissional de game design muitas vezes está limitado a uma atuação apenas dentro do segmento, porém com o crescimento da gamificação como parte da experiência do consumidor e do seu engajamento, elas já aparecem dentro das organizações como áreas independentes ou nas áreas de inovação. A produção de conteúdo continua sendo um dos principais pilares de consumo da categoria bem como a profissionalização dos esportistas digitais. O empreendedorismo também cresce à medida que os desenvolvedores de games buscam projetos autorais, com os indie games, que criam jogos por meio de editais do governo, investidores-anjo ou mesmo dinheiro do próprio bolso.

 

IT Trens: Quais recomendações você daria para quem vai trilhar uma carreira no mercado de games? Por onde começar?

 

Camargo: Novamente a questão da resiliência, que será fundamental para trilhar qualquer caminho em games. É etapa por etapa. E não esquecer que é trabalho e pode não ser divertido, ainda mais quando o projeto é de prestação de serviço e não um produto autoral. Procure se informar, estudar e fazer conexões com as pessoas que atuam no mercado. A atitude positiva e uma comunicação clara do que você quer e pode oferecer para a vaga desejada pode ser um diferencial. Participe de eventos do segmento, leia, pesquise, discuta para se manter atualizado e apto a entrar nesse competitivo mercado Extrapolar os conhecimentos dos jogos fora do entretenimento é uma ótima oportunidade para se diferenciar. Nem todo bom jogador de futebol será um bom treinador. Gerir um projeto, gerenciar um produto, gamificar um processo de contratação, desenvolver um advergame, jogar profissionalmente não é para amadores. Requer conhecimento, treino, experiência e claro, resiliência.

 

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