Tecnologia no Topo: quando a TI senta na cadeira de CEO
No mês de maio, a XP Inc. e a Ebanx levaram seus executivos de tecnologia para a liderança. Será essa uma tendência ou episódios pontuais?
“Se nós tivéssemos essa conversa há três ou quatro anos, eu não diria que é comum”, avalia Cristiane Gomes, líder da empresa de operações aeroportuárias do Grupo CCR, em conversa com o IT Forum sobre sua trajetória profissional. “Não foram muitas pessoas que tiveram trajetórias assim, iniciando na área técnica”.
Em sua fala, Cristiane examinava um momento específico de sua carreira: setembro de 2018, quando deixou a posição de CIO do Grupo CCR para assumir a cadeira de CEO da CCR Autobahn. Essa foi a primeira vez que a executiva chegava ao posto de CEO de uma empresa, depois de mais de uma década atuando dentro de áreas de tecnologia. No ano seguinte, faria um movimento semelhante, trocando a liderança da Autobahn pela da CCR Aeroportos.
Cristiane Gomes, CEO da CCR Aeroportos (Foto: divulgação)
Em quase qualquer hierarquia corporativa, o xadrez entre executivos de alto escalão pela posição de CEO é comum. Quando a liderança principal de uma empresa deixa o cargo, a oportunidade para outros C-Levels ocuparem o espaço de primeiro executivo da organização se abre. Líderes de tecnologia, incluindo CIOs e CTOs, no entanto, não costumavam aparecer nessa equação.
“A pessoa que está no cargo máximo de TI, ela normalmente não tem a ambição de se tornar o CEO ou chegar a um cargo mais alto. Ela trabalha muito mais com a valorização do seu cargo”, explica Sérgio Lozinsky, consultor e organizador do Jornada do CIO, estudo que mapeia as expectativas, dores e planos profissionais destes executivos.
A tendência se reflete também na mais recente edição da Antes da TI, a Estratégia, pesquisa anual realizada pela IT Mídia com CIOs das maiores empresas do país. Questionados sobre expectativas em termos de próximos passos na carreira, quase metade (48,1%) dos respondentes afirma que pretende se manter como CIO da empresa atual ou de outra empresa.
Pouco mais de um quarto (27,3%) dos participantes diz desejar transitar para uma posição hierarquicamente superior; e apenas 8,8% considera assumir uma nova área de responsabilidade em divisões de negócios. “Existe uma espécie de dogma em TI: o cargo de CIO é o auge da carreira”, pontua Lozinsky. “Muitas pessoas trabalham para atingir esse auge, elas não trabalham para atingir outros alvos”.
Sérgio Lozinsky, consultor e organizador do Jornada do CIO (Foto: divulgação)
A TI sobe de nível
Este cenário, no entanto, dá sinais de mudança. Conforme a digitalização de organizações avança no mundo inteiro, acelerada também pela pandemia da Covid-19, uma nova janela de oportunidade se abre, aproximando profissionais da tecnologia da cadeira de comando de suas organizações.
“Eu venho vendo a agenda de TI subir de nível. Há alguns anos, ela estava sempre no nível do Financeiro, porque TI tinha grandes investimentos, grandes custos e grandes riscos. Ela foi para a agenda do presidente, muitos CIOs reportam ao presidente. Depois foi para a agenda do board de diretores. Um pouco antes da pandemia, por causa da digitalização, ela foi para o conselho.”, avalia Lozinsky.
Antônio Mendonça, sócio sênior da área de Digital e Tecnologia da consultoria organizacional Korn Ferry, também observa o fenômeno, mas pontua que ele acontece em ritmos diferentes de acordo com a área de atuação de cada empresa.
“Para as empresas que já são tecnológicas, isso é bem mais natural. Para as empresas que não são tão tecnológicas, esse caminho é um pouco mais longo. Há dez anos atrás era praticamente inimaginável que você tivesse um CIO ou um CTO sentado na cadeira de primeiro executivo, porque era uma cadeira muito funcionalizada, com fronteiras muito bem delimitadas, mas esse contorno tá se transformando”, diz.
Antônio Mendonça, sócio sênior da área de Digital e Tecnologia da Korn Ferry (Foto: Divulgação)
De acordo com o consultor, o fenômeno já é observado há mais tempo em mercados maduros, como os Estados Unidos. Exemplos disso são Hans Vestberg, ex-CTO que se tornou CEO da Verizon; e Dieter Schlosser, CEO da SoftwareONE que também é egresso da área de tecnologia. Mas exemplos dessa transformação também começam a despontar entre executivos brasileiros. Só em maio, aliás, foram dois casos marcantes no país.
O primeiro deles, no começo do mês, quando João del Valle substituiu Alphonse Voigt no cargo de CEO do Ebanx, fintech de soluções de pagamentos que se tornou o primeiro unicórnio da região sul do Brasil no final de 2019. Além de ser cofundador da startup, del Valle ocupou a posição de COO por três anos, que foram precedidos por quase sete anos como CTO. Voigt, por sua vez, passou para o conselho administrativo da companhia, na posição de presidente executivo.
Em meados de maio foi a vez de Thiago Maffra, então CTO da XP Inc., dar um passo similar. O executivo assumiu a cadeira de CEO da gestora de investimentos, posição até então ocupada por Guilherme Benchimol, um dos fundadores da companhia. Benchimol também seguiu para a presidência do conselho administrativo da XP.
João del Valle, CEO da Ebanx (Foto: Divulgação)
Mendonça hesita em classificar os episódios como uma “tendência”. A massa crítica maior, segundo ele, é da migração de CTOs e CIOs para o conselho de empresas. Ainda assim, afirma já não ver mais essa migração como uma simples “questão pontual”, em especial frente aos riscos que a velocidade de transformação de negócios traz às organizações.
“É muito natural que isso passe a acontecer com mais frequência”, avalia. “[Executivos de tecnologia] conseguem ter uma visão mais ampla do negócio, equilibrando a questão de tecnologia com a criação de valor e formulação de estratégia”, explica. “Têm esse viés duplo de não olhar somente tecnologia e não olhar somente negócios. Quem consegue juntar essas duas coisas está bem-posicionado para fazer essa jornada”.
No evento digital que marcou a transição de Maffra para posição de CEO, Benchimol deixou essa mensagem bem clara. “Quando fazemos o empoderamento do Maffra, do CTO para CEO, queremos a tecnologia atendendo o cliente”, explicou o até então líder executivo da XP.
Thiago Maffra, CEO, e Guilherme Benchimol, presidente do conselho administrativo da XP Inc. (Foto: Divulgação)
“Uma pessoa de tecnologia no processo todo, a tecnologia no centro, isso faz com que a empresa esteja cada vez mais forte”, continuou Benchimol. “Quando o Maffra vira CEO, a mensagem fica mais clara. O pensamento mudou,as pessoas entendem que a forma como constrói negócios é diferente a partir de agora”.
Quando anunciou sua ida para a liderança do Ebanx, del Valle também trouxe a tecnologia para o centro da estratégia. “O caminho que queremos para o Ebanx está muito claro para nós três, cofundadores: foco na missão de prover acesso na América Latina, através de tecnologia, velocidade, consistência e qualidade de execução”, escreveu em um comunicado divulgado na ocasião.
A reinvenção é necessária
O caminho aberto para que executivos de tecnologia alcancem cargos de mais destaque dentro de organizações está aberto, mas traz consigo a necessidade de reinvenção do próprio executivo de TI. Segundo Leonardo de Souza, sócio da empresa de recrutamento de executivos e consultoria de liderança Boyden, a TI ocupou, ao longo de sua história, um papel de uma área de suporte ou de apoio dentro de empresas. Isso, na sua avaliação, ajudou a “moldar” o perfil de profissionais da área. As demandas da TI moderna, no entanto, exigem novas características.
“Esse profissional precisa ser mais polivalente, precisa ter uma conexão mais próxima com o negócio. A tecnologia está muito próxima do marketing, do comercial. Se a empresa tem negócios ligados à tecnologia, ele está diretamente ligado ao resultado final da companhia”, explica. “Ele é demandado atualmente para questões que vão muito além de seu conhecimento técnico”.
Cristiane Gomes, da CCR Aeroportos, é exemplo desse tipo de trajetória. Graduada em matemática e com formação técnica em processamento de dados, a executiva começou sua carreira em funções técnicas de TI, na programação de processos de backoffice. No final da década de noventa, começou a trabalhar com implementações de grande porte de alguns dos primeiros ERPs no Brasil, e buscou aproximar sua atuação das áreas de negócio de empresas por onde passou. Ao longo do tempo, desenvolveu um estilo de liderança próprio, baseado na busca por resultados financeiros e em resultados benéficos para colaboradores.
Leonardo de Souza, sócio da empresa de recrutamento e consultoria Boyden (Foto: Divulgação)
“Tem que ter um preparo, buscar um autodesenvolvimento de todas as questões relacionadas à equipe, gente, ser flexível para ouvir. Não ser aquele profissional técnico que só trabalha sozinho. Isso carece de uma preparação profissional, tem que procurar uma formação mais completa”, narra. A janela de oportunidade aberta, também destacam consultores, é uma janela com concorrência e com desafios.
Apesar de dominarem o conhecimento técnico, executivos de tecnologia que almejam conquistar novas posições dentro da estrutura corporativa devem enfrentar a concorrência de outros líderes de negócio que estão se atualizando sobre temas de TI. “Isso exige de executivos a necessidade de se reinventar, redescobrir, aprender, se desenvolver, tomar decisões baseadas nas circunstâncias, não necessariamente nas experiências. Quem conseguiu ou vem conseguindo exercer bem esse papel nesse cenário novo, é natural que vá colher esse retorno positivamente em termos de carreira”, finalizou de Souza, da Boyden.
A jornada à liderança
A janela para que executivos e profissionais de tecnologia alcancem novas posições de destaque dentro de organizações está aberta. Mas isso não significa que não existam desafios no caminho. Da formação pessoal à gestão de equipes, todos que buscam continuar avançando na carreira precisam estar atentos ao que as empresas procuram. Sergio Lozinsky, sócio-fundador e CEO da consultoria Lozinsky, especializada em estratégia empresarial e tecnologia, destaca algumas das lições necessárias para estes profissionais.
Forme seu sucessor
A área tecnologia sofre com um problema sério de liderança: geralmente composta por quadros técnicos, sucessores para a liderança nem sempre são fáceis de encontrar internamente quando um CTO ou CIO deixa a posição. Formar um sucessor é, portanto, tarefa importante para o líder de TI e evita dores de cabeça para si mesmo e para a companhia quando a hora de seguir em frente chega. “Todo mundo que quer crescer precisa montar equipe. A equipe que vai liberá-lo de tarefas cotidianas para poder se dedicar a assuntos táticos e estratégicos”, pontua o Lozinsky.
Invista em si mesmo
Em especial para executivos mais antigos ou aqueles que passaram por formações técnicas, investir em si mesmo é essencial para alcançar oportunidades em outras áreas de liderança. Segundo Lozinsky, a busca de empresas é por profissionais cada vez mais híbridos. Isso tem tornado áreas de conhecimento como gestão de pessoas e administração de negócios obrigatórias para quem procura se manter atualizado frente aos profissionais de novas gerações. “A formação de quem está chegando agora tende a ser um pouco mais holística”, afirma o consultor.
Você não está sozinho
O cenário para que líderes de tecnologia galguem posições de maior destaque é promissor, mas não é exclusivo. Com mais empresas em busca de profissionais que saibam navegar pelos desafios da TI moderna, líderes de fora da TI, como COOs e CFOs, também estão se atualizando sobre a tecnologia e vão concorrer com executivos da área por espaços estratégicos. “É uma janela de oportunidade com muita concorrência, ela não é só para TI”, explica Lozinsky.
Promova uma TI aberta
Por fim, o consultor destaca a importância de se manter uma boa relação entre a TI e outras verticais de negócio – que ainda é marcada por atritos frequentes. Seja para mostrar à empresa o que a TI está já está fazendo ou para negar demandas que não podem ser cumpridas por seu time, a comunicação deve ser aberta e assertiva para que o profissional se destaque dentro da estrutura corporativa. “Uma das origens dos atritos é a má comunicação e o posicionamento, muitas vezes, subserviente ao extremo da TI”, avalia o consultor.