“Privacidade precisa ser revista na era da IA”, afirma líder de empresa de Sam Altman no Brasil
Ao IT Forum, Rodrigo Tozzi, da Tools for Humanity, falou sobre “venda de íris”, investigação da ANPD e operações da empresa no Brasil

Na última semana, o noticiário de tecnologia brasileiro foi quase completamente tomado por uma discussão inusitada: paulistanos estavam formando filas em diferentes pontos da capital para “escanear” suas íris em máquinas futuristas. Em troca do registro biométrico, os usuários recebiam criptoativos chamados Wordcoins, que podem ser convertidos em reais por meio de um Pix.
A iniciativa é da Tools for Humanity (TFH), uma das empreitadas mais recentes de Sam Altman, CEO da OpenAI. Ao lado de Alex Blania, empreendedor que atua como CEO da empresa, a dupla busca criar um novo método de comprovar a humanidade de pessoas na internet em um futuro em que a rede deve ser dominada por bots cada vez mais capazes de imitar humanos.
“No futuro próximo, eu e você poderemos ter dúvidas se estamos falando com pessoas reais ou com avatares. Por isso, a transparência na internet será essencial para que possamos tirar proveito de tudo isso. É nesse ponto central que todo o protocolo Word foi desenvolvido”, conta Rodrigo Tozzi, head of Operations da Tool for Humanity no Brasil, em entrevista ao IT Forum. “Na era da inteligência artificial, a nossa privacidade precisa ser revista.”
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Tozzi é veterano com mais de 20 anos de experiência no mercado de tecnologia, e já atuou como head de Canais da Apple para a América Latina, além de ter passagens pela Kavak e pela Grow. No Brasil, lidera a Tools for Humanity desde setembro de 2024, dois meses antes da empresa voltar a operar com suas “orbs” em São Paulo.
Até a última semana, a operação da TFH no mercado brasileiro tinha sido tranquila. No entanto, após uma série de vídeos viralizar em redes sociais como o TikTok, a ação da empresa despertou a curiosidade do público da noite para o dia e se tornou o centro das atenções. Hoje, mais de 400 mil brasileiros já realizaram o escaneamento biométrico com a empresa. “A semana passada foi intensa, mas muito positiva”, contou o executivo em entrevista ao IT Forum.
Durante a conversa, Tozzi falou sobre o objetivo da companhia com o escaneamento de íris, os recursos de segurança adotados para garantir a proteção dos dados biométricos dos usuários e a investigação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), que já está em curso sobre as operações da TFH.
IT Forum: Em julho de 2023, a Tools for Humanity começou uma operação no Brasil, mas ficou por poucas semanas. Em novembro do ano passado, vocês retornaram. Por que esse hiato?
Rodrigo Tozzi: Na verdade, o que aconteceu em 2023 foi que o protocolo decidiu realizar um teste de operação em várias cidades ao redor do mundo, antes dos lançamentos oficiais. O Brasil, especificamente São Paulo, foi uma das cidades escolhidas. Algumas orbs foram trazidas para cá para testar o funcionamento completo do projeto e do processo como um todo. Foi basicamente um piloto. O lançamento oficial ocorreu, agora, em 13 de novembro de 2024.
ITF: Vocês já anunciaram que ultrapassaram a marca de 400 mil escaneamentos no Brasil. A que vocês atribuem esse resultado no país?
RT: Primeiro, o país tem massa crítica – tem população. Esse é um fator. O segundo fator é que a barreira tecnológica no Brasil é muito baixa. Se analisarmos a quantidade de smartphones vendidos e a penetração de telefones celulares, percebemos que o brasileiro é um povo muito tecnológico. Além disso, quando observamos a questão da bancarização – dinheiro digital e digitalização bancária da população –, os índices também são muito altos. O Pix, por exemplo, é um grande destaque. Isso faz com que o brasileiro não só compreenda rapidamente os projetos e tudo o que está acontecendo, mas também contribua significativamente para o engajamento.
ITF: Esses fatores fazem do Brasil um candidato ideal para o projeto?
RT: Não sei se seria o local ideal, mas, com certeza, é um país extremamente importante. Não só para o protocolo Word,mas para qualquer entidade que queira operar em escala global. No entanto, existem diversos outros países com bastante sucesso também.
ITF: A Tools for Humanity quer desenvolver ferramentas que ajudem a comprovar a humanidade das pessoas. A ideia é comprovar quem é humano em uma internet cada vez mais tomada por bots. Qual o tamanho deste problema hoje?
RT: A gente já tem vários indícios do problema, mas eu acho que ele ainda não se tornou algo em escala. Temos alguns exemplos aqui ou ali. Por exemplo, hoje está sendo noticiado na imprensa o caso de um golpe aplicado envolvendo a figura do Brad Pitt e uma francesa. É um problema iminente. Acho que esse é um grande desafio da humanidade na próxima fronteira da inteligência artificial. A inteligência artificial é essa grande fronteira que a humanidade vai ultrapassar. Diferenciar humanos de robôs será algo fundamental para que possamos aproveitar ao máximo essa era da inteligência artificial. No futuro próximo, eu e você poderemos ter dúvidas se estamos falando com pessoas reais ou com avatares. Por isso, a transparência na internet será essencial para que possamos tirar proveito de tudo isso. É nesse ponto central que todo o protocolo Word foi desenvolvido – mas não só nesse aspecto. Também entra uma questão importante: a privacidade. Na era da inteligência artificial, a nossa privacidade precisa ser revista. A forma como compartilhamos dados deve ser reconsiderada, porque, com apenas um pequeno trecho de vídeo nosso, uma inteligência artificial consegue se passar por nós, imitar nossos trejeitos, voz, imagem e assim por diante. Dessa forma, a IA vai trazer muitos benefícios para a humanidade – não tenho dúvidas disso – , mas também trará novos desafios. Vamos precisar de novas ferramentas para aproveitar ao máximo essa era.
ITF: Você falou em privacidade. Ferramentas de autenticação associadas a dados biométricos não colaboram para uma internet em que navegar de forma anônima se torna impossível?
RT: Na verdade, é o contrário. Tudo isso está sendo feito para garantir o anonimato das pessoas. O que acontece no processo é que o usuário vai até o centro de verificação e realiza sua prova de humanidade. Essa verificação só pode ser feita de forma presencial, pois exige um dado biométrico, que é a única coisa que uma inteligência artificial não consegue simular. Uma vez validada a biometria, o processo é completamente privado e anônimo. O Orb [dispositivo que faz a captura da biometria] nada mais é do que uma câmera digital de altíssima definição. Quando você vai realizar a verificação de humanidade, o Orb tira três fotos suas: uma do rosto e uma de cada olho. Com essas imagens, o Orb gera um algoritmo local, no próprio hardware, para processar os dados e validar, primeiro, que você é humano e, segundo, que você é único. Ele criptografa todos os dados e os envia para o telefone do usuário, onde ficam armazenados em uma carteira de autocustódia. Concluído esse processo, o Orb apaga permanentemente os dados do usuário e gera apenas um código de verificação criptografado. Esse código é fragmentado e enviado para diferentes nós na internet, que pertencem a colaboradores do protocolo, como universidades americanas e alemãs. Portanto, os dados fragmentados se referem apenas à verificação da íris, e não à íris em si. O processo inteiro, inclusive quando o usuário prova que é humano, é totalmente anônimo. Tudo isso está sendo feito para garantir a privacidade dos usuários nesta era da inteligência artificial.
ITF: Esse processo que você descreveu também é porque a TFH argumenta que não é possível excluir os dados de sua plataforma. Como funciona isso?
RT: Na blockchain, é impossível retirar a chave criptografada, que está fragmentada. O que pode ser excluído é todo o dado em posse do usuário. Isso, sim, está sob o controle do usuário: ele pode apertar o botão e apagar todas as informações presentes no aplicativo, na sua carteira de autocustódia. Mas a chave de verificação fragmentada, essa, permanece na blockchain.
ITF: Hoje já falamos sobre criptografia pós-quântica, que terá o potencial de superar chaves de criptografias atuais. A TFH já adota esses padrões?
RT: Essa criptografia é nova, é o que chamamos de AMPC [Computação Multipartidária Anônima, que tem código aberto]. Embora exista, na teoria há bastante tempo, só recentemente se tornou viável. Isso aconteceu no ano passado devido às limitações computacionais que tínhamos até então. Agora, é a computação quântica que está possibilitando esse tipo de criptografia. Trata-se da criptografia mais avançada e segura possível.
ITF: E em relação à segurança da carteira digital do usuário?
RT: Existem algumas camadas de segurança. A primeira delas é a autenticação facial. A autenticação facial é a validação necessária para acessar sua carteira, emitir um código de prova de humanidade ou realizar ações com seus criptoativos. É como aquela autenticação facial do telefone celular, só que muito mais poderosa, porque utiliza outros códigos, uma criptografia avançada, e não se limita a comparar um único usuário. Ela compara a imagem capturada quando você foi fotografado na Orb – uma imagem de altíssima definição – com o que a câmera do telefone está captando no momento. Por isso, essa referência é muito mais fidedigna do que outros métodos de autenticação facial. O acesso a tudo isso só é possível por meio dessa camada de autenticação. E ela é de autocustódia, ou seja, não está na nuvem. Hackear uma carteira de autocustódia, além de ser muito mais complexo, é pouco escalável do ponto de vista técnico para hackers.
ITF: Aproveitando o tema da segurança. Estive em um ponto de coleta da TFH e conversei com pessoas que tinham acabado de fazer o processo de escaneamento. Percebi que a maioria das pessoas não entendia completamente como se dava a segurança das informações e para que seriam utilizados os dados. Como vocês estão lidando com essa questão?
RT: O cuidado que a gente tem envolve todo o centro de verificação e segue alguns protocolos. Entre eles, garantir que o time esteja todo treinado e pronto para esclarecer dúvidas, além de ensinar os usuários sobre tudo isso. Temos televisores exibindo vídeos que explicam o projeto para cada um dos usuários. Todo usuário que passa pelo centro também passa por esse sistema de educação. Disponibilizamos folhetos como parte desse processo. Os usuários visitam os centros por diversos motivos: desde aqueles mais ligados à tecnologia, até os interessados no mundo dos criptoativos, ou até mesmo pessoas que ouviram falar que, de alguma forma, podem transformar isso em dinheiro. Mas essa educação é um processo contínuo. Não é algo que conseguimos explicar completamente em dois, três ou cinco minutos dentro de um centro de verificação. Essa é uma jornada. Toda nova tecnologia, especialmente uma tecnologia disruptiva, gera dúvidas e demanda tempo para educar a população como um todo. Não é apenas um vídeo no centro de verificação que vai cumprir esse papel. Ali é apenas o início da jornada para todos.O que a World está fazendo, requer tempo e muitas conversas. Visitar o centro de verificação e utilizar o aplicativo são passos importantes para que a população realmente aprenda e entenda tudo o que está sendo construído.
ITF: Os centros serão temporários ou fixos?
RT: “Os centros de verificação não são necessariamente temporários, mas também não são fixos. O que quero dizer com isso? Eles continuarão ativos enquanto houver demanda de novos usuários querendo realizar a verificação. Em algum momento, muitos desses centros deixarão de operar e migrarão para outro local da cidade. Tudo depende de quantos usuários ainda desejam realizar sua prova de humanidade. Assim, é natural que alguns centros, de repente, comecem a se deslocar para outra região ou, eventualmente, para outra cidade. Eles nunca chegarão a zero, pois sempre haverá novos usuários interessados em fazer a verificação. No entanto, a tendência é que haja um pico de abertura, seguido por uma estabilização.”
ITF: Há planos de expansão aqui no Brasil para outros locais além de São Paulo?
RT: Como é um protocolo feito para todos os humanos com mais de 18 anos, no limite, todas as cidades do Brasil estariam virtualmente no nosso radar. Temos a ambição e planos para expandir. Não temos nada concreto nesse momento, nem próximos passos, mas, muito em breve, teremos novidades.
ITF: Outra dúvida frequente que ouvi de pessoas que tinham escaneado as íris era em relação a cotação da Wordcoin. Ela tem algum lastro?
RT: Não, ela não tem lastro. Ela é um criptoativo, não uma criptomoeda. A Worldcoin é um token de utilidade, mas segue a flutuação do mercado sem nenhum lastro específico, seja em dólar ou em qualquer outra coisa. Ele acompanha a flutuação, a demanda, a compra e a venda do mercado, como qualquer outro criptoativo.
ITF: Desde o retorno da TFH para o Brasil, a empresa tem enfrentado uma investigação por parte da ANPD sobre suas operações. Essa não é a primeira geografia onde isso ocorre: a empresa já enfrentou multas e até foi suspensa em outros países. Como vocês estão lidando com a questão no país?
RT: Na verdade, o que aconteceu em outros países foi uma pausa temporária na operação, até que os órgãos regulamentadores realizassem as análises necessárias e obtivessem as respostas que buscavam em relação ao projeto. Como mencionamos, trata-se de algo novo, disruptivo, que, por definição, gera dúvidas, e é natural que isso aconteça. Em relação a ANPD, quando iniciamos a operação em novembro, eles fizeram algumas perguntas que foram prontamente respondidas. A própria ANPD menciona isso publicamente e está atualmente no processo de análise das respostas enviadas. O que posso afirmar é que a TFH mantém o diálogo aberto em qualquer esfera da sociedade.
ITF: Qual o modelo de negócio da TFH?
RT: É uma dúvida muito comum. Não está exatamente claro como será o modelo de negócio. Não temos uma resposta definitiva, mas existem algumas hipóteses naturais sobre como isso pode acontecer. A Tools for Humanity tem uma aplicação chamada World ID, que permite ao usuário provar que é um humano. A resposta mais natural seria vender integrações por API. Qualquer empresa, instituição ou pessoa que queira garantir que seu serviço ou processo na internet seja realizado exclusivamente por humanos encontrará na World ID a solução para isso. Para algumas redes sociais, isso pode ser extremamente relevante. No caso de bancos, por exemplo, determinadas transações bancárias precisam ser realizadas exclusivamente por humanos. São inúmeros casos de uso possíveis apenas com a integração da World ID. Existe também outra possibilidade, que são os miniapps. Dentro do WordApp, há uma categoria de miniapps, como uma loja de aplicativos, onde está se criando um grande ecossistema baseado na premissa de humanos únicos. Esse ecossistema também pode ser monetizado de diferentes formas. Por fim, há uma terceira via que nem eu, nem você, nem ninguém ainda conhece totalmente: os desafios que a inteligência artificial trará para nós e as soluções de que precisaremos. Mas uma coisa é certa: a distinção entre humanos e robôs será o centro dessa discussão nesta nova era que estamos construindo.
ITF: Vocês não monetizarão dados dos usuários?
RT: Não, porque não há dados. O único dado que existe é o código de verificação, que está fracionado na blockchain. Não há nenhum dado para ser vendido. Não há nenhuma transação comercial envolvida. Nenhum colaborador do Worldcoin, fica com qualquer informação. Então, se não há nada armazenado, não há nada para ser comprado ou vendido. O que os usuários recebem são tokens, e não dinheiro.
ITF: Dentro do World App já há uma opção que sugere que a empresa fará o escaneamento de passaportes. Quais os próximos passos da companhia?
RT: O conceito básico é criar uma rede de humanos únicos. Não necessariamente a biometria da íris é o único caminho para isso. Existem outras formas de validar essa questão da humanidade. O passaporte é uma delas. Através do passaporte, as pessoas podem ingressar na rede da World, provando que são humanos únicos. Afinal, o passaporte é um documento muito confiável, provavelmente um dos mais rigorosamente controlados pelos governos ao redor do mundo. Em alguns países, usuários podem realizar sua prova de humanidade utilizando o passaporte. Vale ressaltar que as informações não são armazenadas pela World. Não se trata de a World criar um banco de dados de passaportes; é o mesmo conceito aplicado à verificação por íris, mas usando o passaporte como meio de validação. Por enquanto, essa solução não está disponível no Brasil, e ainda não temos previsão para lançá-la por aqui.
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