CSOs emergem nas empresas como orquestradores das estratégias de sustentabilidade
No mercado brasileiro, a posição ainda está diluída em várias áreas, como comunicação, RH e institutos das empresas
*Por Karen Ferraz
À medida que as empresas avançam no desenvolvimento de uma agenda ESG (sigla em inglês que se refere às questões ambientais, sociais e de governança corporativa) e percebem o impacto da sustentabilidade nos negócios, a posição de CSO (Chief Sustainability Officer) ganha destaque no C-level. Esta cadeira nova, ou o equivalente a ela, já está consolidada em mercados internacionais, com canal de comunicação direto com o CEO. No Brasil, emerge da necessidade de estruturar uma transformação capaz de incorporar esta agenda de maneira transversal.
“O CSO é uma profissão recente e tem a missão de apontar quais os riscos não financeiros, sociais e ambientais impactam a operação e quais oportunidades podem ser aproveitadas a partir deles”, detalha Ricardo Assumpção, Sustainability & ESG Leader and Chief Sustainability Officer para a América Latina na EY.
Oito em cada dez empresas americanas já possuem um CSO para gerenciar as estratégias de sustentabilidade alinhadas aos objetivos do negócio, sendo que 30% desses líderes reportam diretamente para o CEO. Este é o diagnóstico do estudo Sustainability and ESG Trends Index da EY, que entrevistou 500 líderes C-Level de companhias dos Estados Unidos com faturamento acima de US$ 1,5 bilhão que integram o ranking da Fortune 1000.
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No mercado brasileiro, a posição ainda está diluída em várias áreas, como comunicação, marketing, RH, operacional, finanças, ou até mesmo ligada a algum instituto ou fundação da empresa. “A tendência para o país é que este se torne um cargo centralizado, com todas as responsabilidades de uma posição de C-level efetivamente estruturada dentro de um departamento único”, evidencia Ana Carla Guimarães, gerente de negócios da Robert Half.
O objetivo é garantir a integração global da estratégia de sustentabilidade, conectada com a estratégia macro da organização. Na visão dela, o cargo está se tornando mais popular especialmente em grandes empresas multinacionais presentes no país e que já têm a sustentabilidade como abordagem estratégica. Nas organizações menores, contudo, as práticas de sustentabilidade ainda são conduzidas de forma transversal por diversas áreas.
Orquestrador das práticas de ESG
Os executivos de sustentabilidade surgiram há dez anos nas áreas de comunicação e marketing, encarregadas de mitigar riscos reputacionais das empresas em relação à agenda de sustentabilidade. Um papel pouco estratégico, com pouco poder de influência na companhia e muito ligado ao aspecto reputacional, analisa Assumpção.
Com o avanço da agenda, houve uma migração real da posição debaixo das áreas de comunicação e marketing para as áreas operacionais e ligadas ao CFO. Para ele, o “segundo momento” do CSO comprovou que a agenda ESG só dá resultado se for integrada ao plano de negócios, e agora a posição vivencia um “terceiro momento”, com o “CSO orquestrador”.
Assim, a sustentabilidade não deve ser tarefa de uma unidade de negócio ou de um profissional, sendo atribuição do cargo integrá-la à estratégia corporativa de modo a permear todas as áreas. “É um pouco do que venho fazendo na EY desde que o cargo foi criado há um ano e meio. Já respondo para o CEO, participo dos comitês, tenho acesso aos meus pares e a missão de garantir uma agenda robusta, uma vez que fazemos parte da cadeia de valor do cliente, com olhar não apenas para o risco, mas também para a oportunidade – este é o ponto de virada da agenda de sustentabilidade”.
O desafio de tornar as operações mais sustentáveis é comum a todo o mercado, impactando também o segmento de tecnologia. Em 2020, a SAP Brasil criou seu Comitê de Sustentabilidade, que deu origem ao projeto “ESG para Todos”, com a integração de todos os pontos da agenda em uma estratégia única. O processo foi liderado pela comunicação e com o envolvimento da presidência, de outras áreas e mais seis comitês voluntários de diversidade e inclusão.
Luciana Coen, diretora de comunicação e coordenadora do Comitê de Sustentabilidade da SAP Brasil desde o início, conta que o primeiro fruto veio em 2021. A SAP Brasil foi a primeira subsidiária da companhia alemã de tecnologia a publicar um relatório anual de sustentabilidade com iniciativas locais. “São iniciativas adotadas nas operações internas, em diversas frentes, e que nos posicionam como referência e exemplo em sustentabilidade no mercado”.
O órgão é responsável pela análise e mensuração das ações e projetos, composto por colaboradores de diversas áreas da empresa, o que contribui para a diversidade de pontos de vista, integração efetiva da estratégia e espalhamento das ações e resultados. “O comitê da SAP Brasil tem como sponsor o CFO da companhia, como forma de reforçar que a agenda ESG está intimamente ligada à estratégia de negócios”.
Para Luciana, que também liderou a área de Responsabilidade Social Corporativa da empresa por sete anos, enquanto executiva de comunicação, não há uma tendência sobre a adoção do CSO no Brasil. Cada empresa adota a estratégia mais aderente ao seu negócio e modelo de gestão.
“Áreas de Facilities, Compras, Finanças, Vendas, Marketing, RH e outras, juntas, conversando sob a ótica ESG, traz ganhos enormes porque encurta caminhos e decisões e faz a empresa mover os ponteiros mais rapidamente. Fora isso, é sempre uma conversa inspiradora”, conclui
Perfil escasso
Perfil estratégico, habilidade de gestão, alta capacidade de influência, autonomia para promover a transformação, capacidade de definir KPIs que orientarão a mudança são algumas das “skills” do CSO. Além disso, a tomada de decisão com impactos diretamente nos objetivos do negócio e na rentabilidade da corporação demanda que o Chief Sustainability Officer reporte diretamente para CEO ou para um conselho.
“A implementação de práticas sustentáveis exige um perfil altamente influenciador, que deve replicar as estratégias definidas pelo Conselho de Administração para todas as áreas do organograma, a fim de promover uma disseminação padronizada e viabilizar que o futuro da empresa esteja conectado com as ações socioambientais e coerente com os valores organizacionais”, pontua Ana Carla.
O primeiro desafio, segundo ela, é construir uma área de sustentabilidade nas organizações, e depois reunir os perfis adequados. Mais da metade (55%) das companhias brasileiras relatam a escassez de especialistas como um dos principais entraves para implementação do ESG, de acordo com o Guia Salarial 2023 da Robert Half.
Setores como financeiro, tecnologia e de uso intensivo de capital natural (como mineração, mineração, cimento, energia e empresas químicas) são listados pelos entrevistados como os que já possuem a figura do CSO no país. Também são conhecidos por desenvolver profissionais ligados à sustentabilidade, que geralmente possuem formação em Engenharia Ambiental, Gestão Ambiental e Administração com foco em sustentabilidade. “A experiência pregressa em cargos ligados à sustentabilidade também é bastante valorizada nas posições de CSO”, complementa a executiva da Robert Half.
O futuro do CSO
Por mais que o CSO seja uma tendência, Ana Carla acredita que não há como precisar a adoção do cargo pelas empresas brasileiras na linha do tempo. “O assunto toma corpo conforme as organizações implementam seus relatórios e entendem a relevância desse papel como influenciador na direção estratégica da agenda ESG, porém a implementação ocorre de acordo com as características e objetivos de cada empresa”. As que saírem na frente com a adoção do cargo servirão de benchmarking.
A incorporação da posição deve aumentar nas empresas de capital aberto nos próximos dois anos, na perspectiva de Assumpção, que estima que mais da metade delas já possui o cargo. Um movimento esperado a partir da Resolução CVM 193 aprovada pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) em 2023, que torna o Brasil o primeiro país do mundo a adotar o reporte das ações de sustentabilidade atrelado às demonstrações financeiras com base no padrão internacional (IFRS S1 e S2) do International Sustainability Standards Board (ISSB).
A expectativa é que o Brasil saia da posição de lanterna em relação a CSOs para uma posição de extremo protagonismo, uma vez que a exigência será obrigatória em 2026 para o exercício de 2025. É nesse cenário que o CSO deve garantir a integridade dos números reportados.
“O CSO é uma das profissões-chave da economia de baixo carbono e é profissão do futuro no Brasil, uma vez que mais de 70% do PIB do país depende do capital natural. O país detém uma posição única devido a sua biodiversidade e matriz energética, de forma que ele ajudará as empresas a entender qual o papel da natureza nas estratégias net zero”.
Esta agenda influenciará também a educação, que deve se moldar para integrar práticas e disciplinas para uma formação voltada à economia verde. “O próprio Distrito Itaqui faz isso de forma muito clara, evoluindo para esse modelo que o mercado precisa”. E para aqueles que querem trilhar uma carreira como Chief Sustainability Officer, o CSO da EY afirma que não é preciso uma formação técnica direcionada em alguma matéria e recomenda a formação em estratégia de sustentabilidade ou liderança sustentável.
Apesar da relevância estratégica do CSO na liderança da transformação para um modelo de negócio que incorpore a sustentabilidade, esta agenda deve “murchar” a longo prazo para permear as organizações como um todo. Individualmente ela perde força para que coletivamente fique mais sólida, vislumbra Assumpção.
Na mesma linha, Luciana Coen compreende que no mundo ideal não seria necessário um CSO, uma vez que o conceito de Sustentabilidade deveria estar introjetado em todas as áreas da companhia. “Na prática, esse profissional tem como responsabilidade unir diferentes áreas para conversar, criar pontes entre departamentos e entre a companhia e o cliente, em um ambiente colaborativo”, ressalta. “Espero que no futuro não seja necessária uma área específica de sustentabilidade, porque estes conceitos, valores e métricas já estarão permeando todas as divisões da empresa”.
*Karen Ferraz é jornalista freelancer do Distrito Itaqui
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