Mudanças para vistos de trabalho nos EUA afetarão empresas de outsourcing
Entenda por que prestadoras de serviços indianas serão as mais afetadas pelas alterações propostas por Trump e como o reexame do programa pode proteger os empregos de americanos
O programa anual H-1B dos Estados Unidos, que fornece vistos de
trabalho temporário para funcionários altamente qualificados, incluindo
muitas empresas de tecnologia, se tornou o “Groundhog Day” da imigração. Assim como o célebre filme de 1993 (em português, chamado Feitiço do Tempo), estrelado pelo ator Bill Murray, em que uma marmota faz as previsões climáticas para o ano que se inicia, nenhuma empresa tem certeza que obterá os vistos, mas um grande número participa da espécie de loteria.
É que, geralmente,
o número de solicitações é bem maior que a quantidade de vagas para
este visto. Então é realizado um sorteio aleatório que é a primeira
etapa para a sua obtenção. Os números selecionados (profissionais) vão
para a etapa seguinte independente de qual a universidade cursou, a
experiência profissional e para qual empresa está solicitando.
É exatamente isso que o projeto de decreto do presidente Donald Trump quer mudar — ao menos em tese. Trump
parece decidido desafiar a indústria da tecnologia defendendo a ideia
de que os vistos H-1B deveriam favorecer apenas profissionais que
tivessem estudado em universidades norte-americanas e qualificados para
posições com altos salários. Teoricamente esses estudantes seriam os
melhores e os mais brilhantes, e Trump afirma que a indústria de
tecnologia não tem problema de dinheiro para pagar esses salários.
Trump diz que o
reexame de uma série de programas de vistos visa assegurar que as
empresas priorizem e protejam “os empregos, os salários e o bem-estar
dos trabalhadores dos EUA”.
Debate antigo
A
discussão é antiga. Em 1998, o presidente Bill Clinton não tinha
assimilado completamente a insistência da indústria de tecnologia de que
os EUA estariam sofrendo com a falta de profissionais capacitados. Sua
administração quase reduziu o número de vistos H-1B concedido para
trazer estrangeiros para trabalhar em tecnologia nos EUA e cogitou, mas
desistiu de aplicar, uma regra de que os funcionários contratados nesse
modelo só poderiam ganhar US$ 75 mil ao ano (US$ 110 mil agora,
ajustados pela inflação).
Muitos, inclusive,
concordam que a “loteria” do H-1B favorece as grandes empresas. Em 2015,
por exemplo, as top 10 empresas do setor de TI obtiveram 38% de todos
os vistos H-1B. Todas as empresas, com exceção da Amazon.com e de forma
parcial, a IBM, eram prestadoras de serviços. São companhias têm
recursos para submeter os pedidos de visto e garantir que obtenham um
mínimo de aprovações.
Se consideradas as top 20 empresas do ranking, que incluiu
empresas de serviços de terceirização e de tecnologia, elas
representaram 46% de todos os vistos concedidos. Os dados foram obtidos
pela Computerworld por meio de uma solicitação baseada na Freedom of
Information Act (FOIA) Lei da Liberdade de Informação dos Estados Unidos (veja tabela completa no fim da reportagem).
Os
EUA receberam um total de 172.500 pedidos de vistos H-1B na primeira
semana de abril de 2014, período em que o governo aceita novas
solicitações para o exercício fiscal seguinte (2015), que começa em 1º
de outubro. Naquele ano, o governo realizou um sorteio aleatório e
rejeitou cerca de 87.500 pedidos de vistos porque excederam o teto de 85
mil vistos H-1B.
As empresas mais afetadas pelo
sistema de distribuição aleatória (loteria) de vistos H-1B são aquelas
que desenvolvem apenas alguns aplicativos. Muitas são pequenas
companhias. Havia aproximadamente 9,1 mil empresas que receberam vistos
H-1B para trabalhos relacionados à computação no ano fiscal de 2015.
Deste total, mais de 5 mil tinham um visto H-1B aprovado.
Agora,
no entanto, a administração de Trump quer que sejam estabelecidos
critérios mais rígidos para obtenção do visto pelas empresas de
tecnologia dos EUA. Embora Trump não tenha detalhado o projeto, disse
que quer um sistema que conceda o H-1B aos “melhores e mais brilhantes”
profissionais.
Na realidade, ele quer alterações que possam acabar com o
sistema de distribuição aleatória de vistos e substituí-lo com um
sistema de mérito. Isso poderia resultar na concessão de vistos com base
em salários ou se o pretendente estudou nos EUA. Isso, segundo
especialistas, poderia favorecer as chamadas empresas não dependentes —
que, na definição jurídica, são empresas que têm menos de 15% do seu
pessoal com o visto H-1B —, em detrimento das empresas dependentes, o
que inclui todas as grandes empresas de offshore outsourcing.
Empresas dependentes x não dependentes
As
alterações, se confirmadas, são preocupantes para essas empresas, mas
particularmente para a companhias de serviços de TI indianas. A Nasscom,
um grande grupo de serviços de TI da Índia, está tentando se reunir
neste mês com administração Trump para explicar seu caso. R.
Chandrasekhar, presidente da Nasscom, diz não vê nenhum problema de o
governo dos EUA querer proteger empregos para os trabalhadores
americanos, desde que as mudanças sejam “aplicadas uniformemente.”
Uma
divisão de vistos que favoreça as empresas não dependentes, em
detrimento das chamadas dependentes, seria “altamente discriminatória”,
diz Chandrasekhar. “Estamos plenamente conscientes da falta de
profissionais com habilidades existente nos Estados Unidos”, disse
Chandrasekhar. “Assim não pensamos que as oportunidades de emprego para
os americanos qualificados estão sendo afetadas”, completou.
Mas
o novo procurador-geral de Trump argumenta repetidamente que não há
nenhuma falta de habilidades. “A triste realidade é que não só não há
uma escassez de trabalhadores americanos excepcionalmente qualificados,
mas em todo o país, milhares de trabalhadores dos EUA estão sendo
substituídos por mão de obra estrangeira,” disse há um ano Jeff
Sessions, senador republicano indicado para o cargo de procurador-geral do país.
Como
senador, Sessions realizou várias audiências ao longo dos dois últimos
anos para avaliar o impacto do visto H-1B para os trabalhadores
norte-americanos, e ajudou Trump a desenvolver sua plataforma eleitoral
sobre imigração.
Adequação ao novo cenário
Algumas
empresas offshore já estão tentando se ajustar. A Cognizant Technology
Solutions disse a analistas financeiros durante divulgação de resultados
que está aumentando a contratação de profissionais norte-americanos,
sendo que somente no ano passado contratou 4 mil cidadãos e residentes
permanentes nos EUA. Mas não deixou claro quantos profissionais do país
emprega agora.
Várias pessoas contratadas pela
Cognizant são “rebadged”, transferidas de seu empregador original.
Trabalhadores no Cengage Learning em Mason, Ohio, foram deslocados para
Cognizant em 2015, mas tinham formação na Índia. Alguns, agora, estão
preocupados com a possibilidade de demissão.
“As pessoas
estão perturbadas como que está acontecendo em nosso país e nossos
empregos”, disse um trabalhador de TI, que pediu para não ser
identificado. “Espero que ele [Trump] possa fazer algo sobre esses
vistos, porque é onde a classe média está perdendo seus empregos.”
Fonte: Computerworld com base em dados do serviço
de
imigração e cidadania dos EUA. Os dados abrangem
novas concessões de
H-1B aprovadas para trabalhos
relacionados a computação a partir de 1º
de outubro
de 2014 até 30 de setembro de 2015