Pode jogar com todos menos com o Xandó
Este caso é um daqueles meio emocionantes e frustrantes. Como sabem não sou muito de games. Talvez mais por falta de tempo do que falta de gosto propriamente dito. Mas tive uma fase de fissura. O tipo de jogo que gosto são os simuladores, especialmente os de corrida, F1, etc. Ainda hoje carrego em meu notebook os velhos Grand Prix 3 e Grand Prix 4, duas versões diferentes do mesmo velho jogo. Isso porque cada versão tem para mim ainda seus encantos. O GP3 tem um add-in gerenciador de pistas que permite trocar TODAS as pistas do jogo por outras diferentes ou versões mais novas das mesmas pistas. O GP4 tem um realismo e um visual muito aprimorado. Saíram jogos de corridas mais novos, mas estes são os que ainda me cativam.
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Tive um adversário maravilhoso! “
Combinávamos de nos encontrar virtualmente aos sábados de tarde. Fazíamos treino de qualificação, e corrida. Inicialmente fazíamos treinos de 15 minutos e corrida 30%, que dá mais ou menos uns 30 minutos em média (dependia da pista). Com o passar do tempo viramos “profissionais”, fazíamos qualify de 60 minutos e corrida 100% (cerca de 1h30), com direito a parada de box (de uma a três-dependendo da estratégia), chuvas de surpresa, quebras de carro inesperadas, etc. Os sábados foram passando e muitas vezes jogávamos duas corridas completas, e o longo dos sábados campeonatos completos. Começávamos às 13:30 e muitas vezes só acabávamos perto das 19:00. Minha esposa espumava de raiva quando ficava quase seis horas jogando. Mas era uma higiene mental maravilhosa.
Mas eu ganhava? Quisera eu. O fato é que eu quase SEMPRE perdia. El Carecon era muito muito muito rápido. Só quando ele cometia algum erro (raríssimo) ou seu carro quebrava eu tinha chance. Às vezes eu lhe propunha um desafio. Dizia que ia escolher uma pista e que só lhe informaria no próprio sábado. Eu gastava algumas horas durante a semana treinando sofregamente aquela pista. Quando chegava sábado e eu lhe contava a pista El Carecon só dizia “eu achava que podia ser essa, mas para prevenir treinei todas elas”. E tome tempo nas corridas!! Mais uma derrota pro careca!
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Nosso ímpeto e dedicação ao treino para superar o adversário nos levou a um patamar de jogo que mesmo jogando no máximo nível (ACE – AZ), nós conseguíamos ser de 3 a 4 segundos mais rápidos que os carros pilotados pelo computador. De tanto levar aquelas surras fui aos poucos melhorando. Eu também era muito rápido, mas era inconstante, errava muito. Às vezes até largava na frente, mas errava e ele passava por mim como um foguete.
Resolvi investir na mesma tática para conseguir ganhar dele, forçar seus erros. Eu sabia que ele fumava. Sabia que ele aproveitava as retas dos circuitos para dar suas tragadas. Comecei a insistir com ele na pista de Mônaco. ABRE PARÊNTESES : lembrei dessa história hoje por causa da corrida de F1 que aconteceu este final de semana em Monte Carlo.FECHA PARENTÊSES. Mônaco não tem reta. O túnel é curto e em curva. A “reta” de chegada é curva. Ele não conseguia fumar nessa pista. Depois de algum tempo ele começava a errar e por conta disso ganhava dele eventualmente. Bastava ele perder uma que a próxima ficava mais fácil, he he he!
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Essa jogatina desenfreada demorou alguns anos. Não nos conhecíamos pessoalmente. Combinamos um encontro. El Carecon era gente finíssima, bonachão, bem humorado, divertido e claro, carecão mesmo! Algumas vezes estive em sua casa e fazíamos corridas de exibição para seus filhos para seus amigos que se divertiam com a nossa aguerrida competitividade.
Um belo dia estava jogando online com ele, se não me falha a memória na pista onde tudo começou, MONZA, que parece fácil, é fácil, mas já estávamos abrindo quase 5 segundos por volta na frente dos outros carros (pilotados pelo computador), tirávamos cada centésimo de segundo que podíamos, de cada milímetro de pista. Parece que anos de treino e derrotas atrás de derrotas estavam começando a surtir efeito. Eu o estava incomodando MUITO!!! Pegava seu vácuo na reta, ultrapassava-o. Na reta oposta ele grudava em mim e me passava. Isso por voltas a fio. Percebia que ele estava nervoso por conta de minha performance, grudado nele volta após volta. Ele dava pequenas saídas de traseira e eu aproveitava, enfiava o carro por dentro, por fora… Era demais!! Adrenalina e emoção pura!
Mas de repente ele parou o jogo e no “chat” do mesmo falou “vou desligar, ligo depois” e desconectou sem que ao menos eu pudesse respondê-lo. Passaram-se três horas e eu resolvi ligar para ele para saber o que acontecera. Acreditem, ele tivera uma taquicardia fortíssima enquanto estávamos jogando. Por uma incrível e feliz coincidência um de seus amigos, que era cardiologista estava em sua casa assistindo nossa partida. Quando El Carecon parou o jogo seus batimentos cardíacos já estavam acima de 250 batidas por minuto (ALTÍSSIMO!!). Conversando com seu médico ele dissera que já fazia algumas semanas que ao jogar comigo ele se sentia daquele jeito. Mas dessa vez ele se sentiu um pouco pior, talvez pelo fato de sua pulsação ter subido mais que das outras vezes. Ele podia ter tido algo muito sério!!
Seu amigo, o cardiologista, foi categórico :
“eu sei que você adora este jogo, mas isso está além da conta. Se jogando com seu amigo Xandó você fica assim, eu como seu amigo e seu médico o proíbo de jogar com ele. Pode jogar com qualquer pessoa mas com o Xandó não, você fica muito nervoso e isso pode te fazer muito mal”
.
E é essa a história. Hoje em dia me divirto jogando com meus filhos, que também é muito legal, mas diferente. Foram anos de jogo, anos de fortes emoções, derrapadas, recordes festivamente comemorados, tardes de sábado inesquecíveis, campeonatos incríveis, pistas decoradas milimetricamente, acabaram assim, de repente. Falei mais algumas vezes com El Carecon. Não tinha coragem de convidá-lo para jogar, pois sentia que não queria prejudicá-lo. Tentei jogar com outras pessoas mas não tinha a menor graça. Ao pouco fomos nos falando menos, menos, até que perdi o contato com ele. Não sei se ele ou algum de seus amigos que me conheceu é leitor do ForumPCs. Se for vai ser uma boa chance de reencontrá-lo. Fica aqui a lembrança dessa história, vivida intensamente, e fica também a lembrança de um grande amigo que espero reencontrar um dia, Thelmo, ou seja, o imbatível El Carecon.
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PS : Após dezenas de comentários sobre esta coluna El Carecon foi achado. Agradeço MUITO ao usuário
JTAN que descobriu o e-mail de El Carecon e por isso consegui contato com ele. Ele leu a coluna e fez os seus comentários! Vejam QUE LEGAL!. O reencontro de dois amigos depois de tanto tempo!!!
Oi Xandó,
Você não enfeitou a história,não, mas acho que você exagerou nas minhas vitórias sobre você. Pelo que me lembro, no começo eu era melhor que você, mas no final, pelas minhas contas, a coisa estava pretíssima pro meu lado.
Mas o fato é que eu vivi um bom tempo só pensando nesses finais se semana em que competia com você e acho até que os dias mais frustrantes de minha vida eram os sábados em que você simplesmente não podia correr. Eu tinha outros parceiros, mas eram verdadeiros Barrichelos, eu queria o Shumi.
Nunca mais joguei F1, até tenho os jogos, mas……
Fiquei arrepiado ao ler sua coluna, pois me lembrou de dias fantásticos em que a adrenalina ia a 1000.
A propósito, este é o primeiro ano, desde a morte do saudoso Senna, em que tenho alguma esperança na F1, graças ao Massa+Ferrari.
Fiquei muito contente em te ler, espero que esteja tudo bem com você e sua família.
Um grande abraço,
Thelmo – El Carecon
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Comentário do usuário ClowReed :
Nossa, que absurdo…
Xandó, tenho que admitir que isso foi uma das maiores coincidências da minha vida.
Deixe-me explicar…
Estava eu no laboratório de C++ na ETE Getúlio Vargas num breve intervalo lendo sua coluna quando meu professor, falando algo comigo ao meu lado que não lembro agora, pára e fica olhando pra tela. Já pensei: “Putz, ele viu que não estou programando e lendo coisas fora do tema da aula e vai me dar aquele esporro” quando de repente ele vira e fala “Eu sou o El Carecon”, aí eu “Ahn?” e ele “É, o El Carecon que o Xandó tá falando” aí eu fiquei em choque pois era MUITA coincidência e fiquei meio zonzo também, logo após isso ele me contou a história de vocês dois e me levou até a sala dos professores pra me mostrar o adesivo que ele colava nos armários da GV promovendo o BBS dele que havia impresso o número do mesmo e entre aspas “El Carecon”.
Já havia visto aqueles adesivos – antigos, diga-se de passagem, amarelados pelo tempo – só que não sabia o que era, agora tudo faz sentido!
Foi realmente absurda a coincidência de estar exatamente naquele momento lendo sua coluna e ele estar falando comigo ao meu lado e reconhecer a sua matéria.
Coincidência que vou lembrar pra vida inteira com certeza!
Bom, precisava deixar isso aqui registrado. Fico atônito ao ver como este mundo pode ser tão pequeno.
Se não me falha a memória este ocorrido se passou segunda-feira passada, dia 04/06.
É isso aí! Doideira total!
Abraços!