Open Banking: ameaça ou oportunidade?

Desde a ascensão dos bancos digitais e das fintechs, o modelo tradicional dos bancos está sob forte pressão.

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10:18 pm - 21 de outubro de 2019

Desde a ascensão dos bancos digitais e das fintechs, o modelo tradicional dos bancos está sob forte pressão. De um lado novos competidores nascendo a todo momento com propostas mais ágeis e digitais, elevando ao máximo a experiência dos usuários e utilizando massivamente dados para gerar insights e prover produtos e serviços customizados. De outro lado, novas regulamentações como o Open Banking surgem nutrindo a abertura e compartilhamento controlado de dados bancários por meio de APIs (Application Programming Interface). A expectativa é que o movimento regulatório mude radicalmente a maneira como os negócios são realizados no setor financeiro, aumentando a concorrência e eficiência das cercas de 550 fintechs existentes hoje no Brasil, segundo dados do estudo Fintech Mining Report.

Em linha com o amadurecimento do tema na Europa, Hong Kong, Austrália e outras regiões do mundo, o Banco Central está criando as normas e diretrizes que vão orientar a implementação da medida no Brasil. O objetivo é padronizar o modelo de Open Banking, bem como, trazer maior segurança jurídica para os bancos que possuem os dados dos clientes e para os usuários que quiserem compartilhar esses dados, mantendo o alinhamento com a LGPD – Lei Geral de Proteção de Dados.

Afinal, o que muda para os usuários?

O conceito de Open Banking parte do princípio que o consumidor é o dono dos seus próprios dados e não mais o banco. Com a abertura de informações para outros canais, os usuários poderão procurar produtos e serviços que tragam mais vantagens e conveniência, organizar a vida financeira em somente um aplicativo (sem ter que baixar diversos apps para organizar cada gasto) e trazer seu histórico financeiro para outros bancos que poderão fazer ofertas personalizadas, de acordo com cada perfil. Esses são alguns cenários de uso do Open Banking.

Nesta jornada, o potencial de inovação e novas soluções é assustador. O Chip é um exemplo de aplicativo que se conecta via Open Banking com alguns bancos na Europa. Sua função é analisar o perfil de gastos do usuário através das suas movimentações financeiras nas suas contas bancárias e de cartões de crédito. Aplicando um algoritmo de inteligência artificial, o aplicativo realiza investimentos automaticamente sem impactar os gastos diários do usuário. Em resumo, o Chip “esconde” o dinheiro automaticamente facilitando o processo de economia financeira pessoal.

A expectativa é que, a obrigatoriedade de os bancos abrirem as informações de seus clientes para outras instituições financeiras aumente a concorrência pelos serviços, diminua os preços para os consumidores  e crie novos produtos, serviços e formas de pagamento.

Mas e para os bancos, o Open Banking é uma oportunidade ou ameaça?

O Open Banking muitas vezes soa como uma grande ameaça. O fato é que existe um oceano de oportunidades a serem exploradas, além da pureza da regulamentação. O posicionamento estratégico que cada instituição financeira adotar irá direcionar os benefícios que serão extraídos do Open Banking. Abaixo três exemplos de posicionamento:

  1. Conformidade regulatória: a instituição financeira deseja cumprir as normas na medida mais limitada possível para permitir que as TPPs (Third Party Providers) executem serviços de pagamento e tenham acesso à informações básicas de produtos e serviços oferecidos, acesso à dados cadastrais e transacionais dos clientes. Basicamente, cumpre com os compromissos da regulação definida pelo Banco Central.
  2. Novas experiências e alavancar produtos: a instituição financeira utiliza a abertura das transações dos seus serviços e produtos (por meio de APIs) como uma oportunidade para alavancar receitas ou gerar um valor novo. Neste nível, a ideia é utilizar a API como um novo canal que amplifica a capacidade de distribuição de seus produtos, suportado por um modelo de negócio gerador de receitas. O QRCode da Cielo é um exemplo desse tipo de posicionamento, onde diferentes aplicativos de parceiros podem criar a experiência de pagamento consumido o seu produto QRCode por meio de APIs. Neste patamar de maturidade, o Open Banking deixa de atender apenas a regulamentação e começa a alavancar as receitas.
  3. Expandir Ecossistemas: a instituição financeira se posiciona como uma plataforma de serviços (BaaS – Bank as a Service) para permitir que outras empresas construam novas soluções compondo com os seus serviços financeiros expostos por meio de APIs. Um grande exemplo desse tipo de posicionamento é o Banco Topázio que oferece uma plataforma de serviços financeiros digitais também por meio de APIs.

Neste momento onde a regulamentação do Open Banking no Brasil está em discussão, o posicionamento no patamar de “Novas Experiências e Alavancar Produtos” é algo relativamente fácil de alcançar (low-hanging fruit). Produtos e serviços já estabelecidos nas instituições financeiras tradicionais podem ser rapidamente modernizados para exposição em uma camada de Open Banking. Essa estratégia permite não só alavancar as receitas desses produtos e serviços, como preparar a instituição para regulamentação no futuro antecipando a criação de estruturas tecnológicas, jurídicas e de segurança, tornando assim uma vantagem competitiva. Ou seja, a instituição entra no jogo e eleva seu patamar de maturidade digital.

Os quatro pilares do Open Banking

O início da jornada ao Open Banking pode se basear em algumas frentes de trabalho, no entanto, quatro pilares são fundamentais:

  1. Exposição de APIs: a luz da regulamentação que está se desenhando, os dados e transações a serem abertos não cria diferencial competitivo na perspectiva de quem fornece os dados. Diferente de quem realiza o consumo, que pode trabalhar a informação, enriquecê-la e utilizá-la com inteligência para o negócio. Gerar valor deve ser o principal direcionador sobre quais APIs expor primeiro no Open Banking. Digamos que a API tem que estar no caminho do dinheiro. Um próximo passo é garantir que o propósito da API esteja claro, seu desenho de acesso seja simples e o consumo esteja livre de atritos.
  2. Parcerias estratégicas: com o Open Banking, os bancos podem criar parcerias B2B, não apenas com fintechs, para fazer melhor uso dos dados dos clientes ou dos seus serviços e produtos financeiros expostos por APIs. Essas parcerias, em um primeiro momento, podem focar no segmento de negócio ou perfil de cliente que a instituição financeira já atua, aproveitando a rede de relacionamento do parceiro para ganhar capilaridade.
  3. Segurança: dentre os itens básicos de qualquer banco está a liquidez e a segurança, o que gera confiança e credibilidade. Ao expor dados e transações financeiras, é imprescindível garantir que isso está sendo feito da forma mais segurança possível. A tecnologia de criptografia aqui é importante para garantir que as informações sensíveis estão seguras durante a transmissão dos dados. O consumos das APIs precisam de autenticação e autorização, mecanismos similares a outros canais digitais existentes hoje nos bancos. Quando se fala em dados abertos (Open Banking) os termos levam a acreditar que as informações dos clientes em um banco ficarão expostas. Isso não é verdade, o acesso ao dado é controlado e seguro. Só quem tem permissão de acesso o fará. Em qualquer momento o acesso de TTP (Third Party Provider) pode ser revogado.
  4. Governança e Compliance: os provedores dos dados e transações abertas precisam ter mecanismos jurídicos para respaldar a responsabilidade no caso de uma violação de segurança ou transação não autorizada. Informar os clientes – sejam eles pessoas físicas ou jurídicas – sobre como  seus dados estão sendo usados, como eles podem controlá-los, como são armazenados ou como a empresa é auditada são formas de prover transparência. A disponibilidade dos registros das transações é essencial neste caso. Saber exatamente quem está consumindo as APIs, quando, onde, e por qual dispositivo e aplicativo. Outro aspecto neste tema é a gestão do consentimento de acesso aos dados financeiros. O acesso aos dados de uma conta bancária, bem como suas transações, só é possível ser realizada por um TPPs (Third Party Providers) se houver consentimento de acesso ao dado, que pela definição do Open Banking, deve ser feita pelo dono da conta, ou seja, o usuário do banco.

Os bancos que  derem esses primeiros passos estarão muito mais preparados para atender a regulamentação: com a estrutura tecnológica instalada e planejada, a ameaça de só estar atendendo à mais uma regulamentação pode ser desviada para um olhar de como os novos negócios podem beneficiar essas empresas.

Mas, o Open Banking é somente para bancos?

O Open Banking será responsável por criar um mercado mais aberto e integrado no setor financeiro e essa tendência acompanha as novas oportunidades de negócios, não só para os bancos, mas para empresas de outros segmentos também, onde fluxo do dinheiro é significativo. É o caso do varejo: há uma tendência e um movimento muito forte que está transformando grandes varejistas em instituições financeiras. Os prêmios pagos para fintechs são altos e, usufruindo da capilaridade dos grandes varejistas esse movimento ganha escala. Riachuelo, Pernambucanas, ViaVarejo e o Carrefour com a compra da fintech Ewally estão posicionados nessa tendência.

O jogo do Open Banking é agora. Olhar para o tema muito além da regulamentação se mostra um caminho para desfrutar uma posição privilegiada na nova economia do setor financeiro.

*Por Fábio Rosato é Diretor de Soluções na Sensedia

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