O copo meio vazio do 5G: alinhando expectativas

O 5G chegou cheio de promessas e expectativas. É importante visualizar o copo meio vazio e entender as reais dificuldades e alinhar as expectativas.

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9:12 pm - 01 de fevereiro de 2022
5G

Depois de uma longa discussão, que envolveu atores dos diversos setores, finalmente, o leilão do 5G foi publicado e os contratos com as operadoras foram assinados. O leilão do 5G arrecadou R$ 46,7 bilhões e a maior parte será usada para investimentos em infraestrutura.

Poucas vezes vi a implantação de uma plataforma tecnológica com tamanho marketing e sofrer uma discussão tão acalorada como a que ocorreu antes e durante a aprovação do leilão do 5G. Vários interlocutores criaram enormes expectativas, muitas delas, inclusive, que não dependem do 5G para serem atingidas. Frases como: ¨o 5G poderá elevar o PIB brasileiro em 1 trilhão até 2035¨, ¨o 5G irá elevar o emprego e renda no Brasil, sem causar impacto no bolso do consumidor¨, ¨o 5G irá ajudar a retomada da economia¨, ¨se o leilão do 5G sofrer mais atrasos, o Brasil irá sofrer um forte impacto econômico¨, ¨o 5G provocará uma enorme revolução em nossa indústria¨ viraram rotina. Só para citar algumas!

Eu costumo dizer que a gente sempre olha o copo meio cheio do 5G. Temos que olhar também o copo meio vazio, para entender aquilo que ele não é e nem se propõe a ser. O 5G é uma infraestrutura de conectividade e, como uma infraestrutura, é um meio, não um fim.

Ainda temos muito chão pela frente, até conseguirmos usufruir dos enormes benefícios que o 5G poderá propiciar.

Aliás, a discussão quanto aos reais benefícios que o 5G trará é um tema extremamente atual no mundo, não apenas no Brasil. Na prática, ainda existem pouco cases bem-sucedidos que estão sendo implantados agora em alguns países.

E, por incrível que pareça, estão ocorrendo insatisfações por parte dos usuários em vários países, principalmente, relacionadas com as expectativas geradas e não atendidas e as falsas promessas. Vejamos alguns exemplos:

  • Pesquisa recente realizada pela Ericsson aponta que cerca de 70% dos usuários 5G ao redor do mundo, embora estejam satisfeitos com as velocidades oferecidas, estão insatisfeitos com os serviços diferenciados e bundle que as operadoras estão ofertando nos novos planos;
  • Na Coreia do Sul, um dos países onde o 5G encontra-se em estágio mais adiantado de implantação, grupo de usuários entraram com uma ação coletiva contra as operadoras, pleiteando indenizações por insatisfação nos serviços oferecidos e por promessas não atendidas.

No Brasil, estamos iniciando implantação das redes, de acordo com o cronograma do Edital. O Edital prevê uma implantação gradativa, até porque o Brasil é um país continental, onde teremos inicialmente as capitais e as grandes cidades atendidas. As capitais e o Distrito Federal deverão ter a implantação do 5G até julho de 2022, embora, já se preveja que, em algumas delas, não em sua extensão territorial total. Só vamos ter cobertura em cidades com até 500 mil habitantes em julho de 2025. Posteriormente, aquelas com até 200 mil habitantes em julho de 2026, e de até 100 mil habitantes em 2027. O cronograma prevê ainda que as cidades com até 30 mil habitantes terão cobertura até 2028, ou seja, dos 5.570 municípios, 4.395, ou 79%, dos municípios brasileiros, não estão contemplados no cronograma de implantação do 5G, por terem uma população inferior a 30 mil habitantes.

Vou listar alguns pontos para termos uma visão da complexidade e dos reais problemas existentes e que devem ser considerados na análise de quando poderemos realmente usufruir dos reais benefícios das redes 5G no Brasil.

a) Hoje, o 4G sequer oferece cobertura para um enorme contingente de brasileiros. Segundo dados da Anatel, temos mais de 20 mil usuários de redes 2G (que é a rede analógica). Cerca de 10% dos brasileiros (20 milhões) ainda estão presos ao 3G. Cerca de 220 municípios ainda não possuem redes 4G e 15,8 milhões de brasileiros atualmente não têm acesso à banda larga fixa ou móvel. Cerca de 29% da população brasileira ainda não tem acesso à Internet, notadamente a população das classes D e E e da área rural. O Brasil é o nono país mais desconectado do mundo. Estamos vivendo no Brasil um processo preocupante de Exclusão Digital no Brasil.

Segundo o estudo “Connecting Humanity“, da União Internacional de Telecomunicações (UIT), em uma parceria com os países do G20, o Brasil necessita de US$ 11,1 bilhões em investimentos até 2030 para a universalização da Internet.

Portanto, nós temos todo um processo de migração desses usuários que ainda sequer possuem acesso à rede 4G ou a Internet e oferecer cobertura para áreas urbanas e rurais que ainda não são assistidas por redes banda larga fixa ou móvel.  Esses problemas não serão resolvidos simplesmente pela implantação do 5G no Brasil. Se isso não ocorrer, poderemos ver uma ampliação dessa desigualdade e da Exclusão que hoje vivenciamos!

Um estudo realizado recentemente pela consultoria Teleco para o movimento Antene-se revelou que os brasileiros mais pobres, que já possuem uma qualidade de Internet muito abaixo do mínimo aceitável ou mesmo sequer tem acesso à Internet, podem ter mais prejuízos ainda com a implantação do 5G no Brasil.

b) Um dos fatores críticos de sucesso para a implantação das redes 5G no Brasil está relacionado com a implementação pelos municípios da Lei Geral das Antenas (Lei 13.116/15). Cada um dos 5570 municípios deve aprovar sua legislação e regulamentar as questões urbanísticas e ambientais, compatíveis com o 5G. Hoje, a maioria das cidades brasileiras ainda adota leis antigas, com determinado nível de burocracia e que versam sobre o uso e a ocupação do solo urbano e o  processo de aprovação para a instalação de antenas é excessivamente burocrático e moroso e que, não raro, demora longos meses para serem concluídos.

Por operar em frequências maiores, o que diminui o alcance de cobertura de cada antena, as redes 5G exigem uma quantidade de 5 a 10 vezes maior de antenas do que as redes 4G, considerando a mesma área de cobertura. Estima-se que deveremos ter uma ampliação em mais de uma milhão de torres no Brasil. Ao contrário das tradicionais redes de transmissão de telefonia, as antenas 5G são pequenas e podem ser instaladas, por exemplo, em postes de iluminação púbica, nas fachadas dos edifícios, em semáforos, em placas e em estruturas construídas especificamente para isso.

O edital da Anatel para o 5G prevê que as empresas vencedoras do leilão instalem pelo menos uma nova antena para cada grupo de 100 mil nas capitais.

Segundo o levantamento da Conexis, apenas sete das 27 capitais brasileiras estão prontas para receber a tecnologia 5G nesse momento (Boa Vista, Brasília, Curitiba, Fortaleza, Palmas, Porto Alegre e Porto Velho).

Dados levantados pelo Movimento Antene-se, criado em 2021 para fomentar discussões e incentivar a atualização das leis de antenas das cidades brasileiras, mostram que apenas 59 dos 5.570 municípios brasileiros já possuem legislações aprovadas por suas Câmaras Municipais que estão adequadas às necessidades do 5G.

 Um outro ponto importante e crítico está relacionado com o modelo de negócios que as operadoras irão oferecer para os serviços 5G. Esse é um grande desafio e a experiência mundial mostra que está sendo frustrante para usuários em muitos países, pois o modelo de negócio que as operadoras estão ofertando ainda é fortemente focado em dados, com a oferta de bundle de alguns serviços de mídia digital. Ou seja, é muito pouco pelas enormes funcionalidades que o 5G oferece para a diferenciação de serviços digitais.

c) Na minha opinião, um dos maiores fatores críticos para o sucesso do 5G, e para o qual, pouco tenho visto discussões, está relacionado com a falta de mão de obra qualificada, tanto para a implantação da infraestrutura, como para o desenvolvimento das aplicações. Essa escassez é mundial e não afeta apenas o Brasil.

As aplicações que se beneficiarão da baixa latência e das altas taxas de transferência do 5G requer skills que, infelizmente, ainda não encontramos em quantidade suficiente nos profissionais brasileiros. Pior ainda, parcela expressiva de nossas Universidades ainda não alteraram seus programas educacionais para formar alunos com as novas habilidades que serão requeridas.

Estudo recente da Brasscom (“Demanda de Talentos em TIC e Estratégia¨) aponta um déficit anual de 106 mil profissionais de tecnologia – 530 mil em cinco anos – até 2025. Com apenas 53 mil pessoas formadas por ano em cursos de perfil tecnológico e uma demanda média anual de 159 mil profissionais de Tecnologia da Informação e Comunicação, temos um grande desafio. O relatório estima que as empresas de tecnologia demandem 797 mil talentos de 2021 a 2025.

Para piorar a situação, a nova edição do estudo Decoding Digital Talent, conduzida pelo Boston Consulting Group (BCG) e a The Network, aponta que nove a cada 10 profissionais de Tecnologia na América Latina querem trocar de emprego. Os profissionais de tecnologia latinos dispostos a se mudar para outro país para trabalhar eram 55% em 2018, agora são 67%. Outra tendência identificada no estudo é a maior disposição dos profissionais de tecnologia por trabalhar remotamente para uma empresa de outro país. Cerca de 88% dos respondentes latinos demonstram essa disposição. Ou seja, como temos uma carência mundial de profissionais qualificados, já estamos vivenciando essa fuga de talentos para trabalharem virtualmente em empresas de outros países. O que já está ruim, tende a piorar, se ações concretas para formar, atrair e reter talentos não for desenvolvida no Brasil!

d) Outro ponto a se considerar é que as operadoras ao redor do mundo se contentaram em lançar 5G em redes non-standalone (NSA) e Dynamic Spectrum Sharing (DSS), que, por utilizarem o core das redes 4G, não demandam uma nova rede de núcleo de quinta geração, postergando a implementação de redes 5G Standalone (SA). Essas configurações não implementam todas as funcionalidades diferenciadas das especificações 5G SA, como, por exemplo, latências mais baixas (de 50 ms para 5 ms) e maior densidade de acessos por Km². De acordo com estudo do Dell’Oro Group, apenas 19 redes lançadas até agora no mundo implementam o 5G SA. Essas redes utilizam a tecnologia DSS para dar apoio à infraestrutura inicial da nova rede.

e) Por esse e por outros fatores, a experiência tem demonstrado que as redes que estão sendo implantadas ao redor do mundo não têm atingido desde o início, de forma uniforme, alta taxas de upload e download, seja para vídeo, áudio ou game, por exemplo. Inclusive, no início da implanrtação, em alguns países, essas taxas não foram muito superiores do que as oferecidas pelas redes 4G. Ainda hoje, as diferenças de performances das redes 5G entre os diversos países ainda são sensíveis. Por exemplo, segundo o relatório Benchmarking the Global 5G Experience — November 2021, da Open Signal, as taxas médias de download na Coreia do Sul foram de 423 Mbps, e em Israel de 189 Mbps.

No Brasil, mesmo antes da conclusão do Edital 5G, algumas operadoras já ofereciam o 5G DSS. Resta aguardar o cronograma de implantação das operadoras, para sabermos na prática qual será a estratégia de implementação, quando e onde teremos implementações de redes 5G SA.

  • Por último, mas não menos importante, é fundamental ter em mente que muitas aplicações críticas e que dependem da baixa latência que o 5G oferece, por exemplo, os carros autônomos e as cirurgias remotas, somente serão viáveis, do ponto de vista técnico, quando tivermos a implantação em larga escala no Brasil das redes 5G Edge, que irão oferecer a possibilidade da implantação efetivas de aplicações baseadas em computação em borda (edge computing), com o processamento e armazenamento sendo feito no local ou próximo à aplicação, não dependendo da nuvem para a sua execução. E isso ainda vai demorar algum tempo para se tornar realidade no Brasil.

É importante entender que o 5G, como qualquer infraestrutura de conectividade, não garantirá por si só as enormes melhorias que foram apregoadas, inclusive, na nossa economia.

Essas melhorias dependem fundamentalmente de uma Política de Estado, que contemple, dentre outros, pesados investimentos tanto do setor público e do setor privado, de ações concretas para erradicar a Exclusão Digital que vivemos hoje, a formação e capacitação da mão de obra qualificada para suportar os requisitos que uma rede de baixa latência exige, associada a um programa governamental e ações das empresas para atrair e reter talentos. Adicionalmente, é dependente dos modelos de negócios das operadoras e da mudança cultural de parcela expressiva de nossos empresários para investirem em projetos inovadores e de digitalização de seus negócios, dentre outros.

Em não ocorrendo, corremos o risco desses benefícios se tornarem  exclusivos para uma parcela mais privilegiada de brasileiros

Novos players deverão surgir no Brasil, oferecendo, por exemplo, conectividade 5G associada a plataformas de IoT e computação em borda, redes privativas, acesso a redes de satélite de baixa órbita, dentre outras.

Ainda temos um longo caminho pela frente para que efetivamente os benefícios do 5G gerem o impacto esperado!

Edelvicio Souza Junior – Especialista em Inovação Industrial da EMBRAPII (Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial) e professor convidado da Fundação Dom Cabral em temas relacionados com a Inovação, Internet das Coisas e Transformação Digital, onde atua em projetos de formação de liderança inovadora para executivos C-Level envolvidos em projetos de digitalização de negócios. Foi membro do Conselho de Tecnologia e Inovação da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais. Foi membro do Comitê de avaliação do prêmio 100 empresas mais inovadoras do Brasil (edições 2020 e 2021), organizado pela IT Mídia. Foi membro da Câmara IoT, coordenada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, que elaborou o Plano Nacional de IoT.

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