Futuro do trabalho e a sua dependência por políticas públicas
Por Ana Cláudia Donner Abreu*
Tanto aqui no Brasil, como no mundo, a transformação digital tem provocado um grande impacto na maneira como o trabalho é executado. As tecnologias digitais têm mudado a forma como as organizações operam e as pessoas executam suas funções.
Uma grande onda de automação está em andamento, o que aumenta a produtividade do trabalho, mas também desloca muitas tarefas, exigindo requalificação e suporte para as pessoas passarem por essa transição. É um paradoxo que tantas pessoas já estejam subempregadas ou desempregadas e que, por outro lado, muitos empregadores enfrentem escassez de pessoas com as habilidades técnicas e interpessoais necessárias às suas organizações. A escassez de talentos é particularmente grave em ocupações que exigem habilidades digitais.
No Brasil, uma pesquisa da MGI (2018) verificou que com a tecnologia existente já é possível automatizar metade do tempo total do trabalho existente. A manufatura e o comércio varejista são os setores com maior potencial de automação, com 10,9 e 10,4 milhões de empregos equivalentes a tempo integral (FTE) automatizáveis, respectivamente. A manufatura também é o setor com a maior taxa de potencial de automação (69%), seguida por transporte e armazenamento (61%).
A mesma pesquisa afirma que o equivalente a 15,7 milhões de empregos em tempo integral (cerca de 14% do total desses empregos) poderiam ser eliminados até 2030 devido às tecnologias de automação, em um cenário de adoção intermediária. Ainda assim, a demanda de trabalho e por trabalhadores tendem a aumentar à medida que a economia também cresce, o que pode ser potencializado pelo progresso tecnológico, criando um ciclo virtuoso de inovação e crescimento.
Para que esse ciclo de crescimento ocorra, a capacitação profissional ao longo da carreira será essencial à medida que as habilidades necessárias para ocupação dos empregos também tendem a mudar . Isso, por si, desafia o atual modelo educacional de formação e capacitação de pessoas que ainda está projetado para uma sociedade industrial, exigindo uma abordagem nova de aprendizagem ao longo da vida. Desse modo, estamos diante do desafio da capacitação e do suporte para que as pessoas possam enfrentar essa contínua transição.
Os novos empregos serão muito diferentes daqueles substituídos pela automação, mas as projeções de aumento na demanda por bens e serviços apontam que serão criadas ocupações suficientes para compensar as perdas de empregos. Nos países avançados, isso já é um padrão verificado. Por aqui, cerca de 10% da força de trabalho terá que mudar de categoria ocupacional até 2030.
Por tudo isso até aqui exposto, é preciso tornar a capacitação das pessoas um processo permanente, parte da cultura de inovação das organizações. A transformação digital já está modificando e impactando o mundo do trabalho e tem o poder de aumentar a produtividade da economia. Mas, é preciso escolher agora se a disrupção que vem sendo provocada será uma oportunidade, ou uma armadilha para nosso país e nossas organizações.
O dilema exposto demanda solução conjunta, combinando ações da Academia, do Mercado e dos Estados. Exige a coprodução de políticas públicas de suporte às organizações e às pessoas para enfrentarem essa transição. A ABES, por meio de seu Think Tank, pretende facilitar a articulação de uma resposta a este desafio, articulando sua rede de governança tanto na formulação dos propósitos públicos, quanto na implantação e avaliação das políticas públicas.
Ana Cláudia Donner Abreu é Pesquisadora THINK TANK ABES – IEA/USP e Pesquisadora Sênior do Laboratório de Engenharia da Integração e Governança do Conhecimento do PPGEGC/UFSC.