E tinha um parafuso no meio do caminho

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1:26 pm - 31 de março de 2005

Em uma coluna recente que escrevi ( “E a base de dados cresceu” ) um colega aqui do Fórum PCs classificou meu texto como um “causo”. Eu não tinha visto dessa forma, mas no final ele tinha razão, pois era uma história pitoresca digna de ser chamada assim. Semana passada eu me encontrei pessoalmente com alguns dos nossos colunistas, Paulo, Julio, C@t e Piropo e jogando um pouco de conversa fora desenterrei de minha memória um outro “causo” que nos fez dar algumas risadas mas também pensar um pouco.

Em coluna anterior comentei que trabalhei durante certo tempo com comunicação micro-mainframe, que me fez aproximar também deste outro mundo que são estas máquinas de milhões de dólares. Nesta época toda e qualquer ampliação de plataforma era um acontecimento, pois sempre exigia grandes investimentos e um grande planejamento.O tal mainframe era usado por muitas centenas de usuários, em épocas de pico por mais de mil, quase dois mil com certeza. O problema era um dos conjuntos de discos utilizados, que estava chegando perto de sua capacidade máxima. Quando eu falo disco não pense no HD se seu PC, pequeno, discreto e eficaz. Pense em um pequeno armário com mais ou menos 130 cm de altura, 90 cm de largura e uns 50 cm de profundidade. Este tal disco tinha a astronômica capacidade de 4 Gigabytes. Para a época era astronômica mesmo pois os PCs ainda eram PCs XTs e os mais afortunados tinham entre 20 Mbytes e 40 Mbytes.

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Tinha sido contratada da IBM a ampliação do tal “disk pack”. Um belo dia o responsável pela operação me perguntou “vem o pessoal da IBM aí para trocar o disk-pack, você quer ir ver para conhecer?”. Garotão de tudo e ávido por conhecer coisas novas não me fiz de rogado e aceitei prontamente o convite.Mas minha supresa começou quando o “pessoal” da IBM chegou. Era um técnico, impecavelmente vestido com o tradicional terno azul (era marca registrada da IBM na época) com uma valise tipo 007. Mas cadê o disco novo???? O técnico, de forma muito educada, respondeu “conforme contratado estou aqui para realizar a troca de capacidade do disco”. Isso me deixou ainda mais encafifado! Seguindo seu trabalho o técnico retirou uma tampa situada na parte superior do “armário” (disk-pack) e em seguida abriu sua valise tipo 007 e retirou uma longa chave de fenda (ou seria uma chave de boca de meia polegada ?) e de maneira firme e determinada encaixou-a em algo que parecia a ponta de um parafuso. Após algumas dezenas de voltas ele retirou um longo parafuso, de uns 30 cm mais ou menos e no local onde este estava colocou um parafuso bem pequeno, como se fosse só para tampar aquele buraco. Fechou a porta do compartimento e disse “pronto”.

Como pronto!!!??? Pasmem! O tal sofisticado disk-pack instalado, que custava algumas dezenas de milhares de dólares,tinha capacidade de 8 Gigabytes, mas um longo parafuso, que funcionava de fato como um limitador mecânico de curso para as cabeças de leitura do disco, limitava o acesso somente até uma parte dos “pratos” magnéticos do sistema de discos. Retirado o parafuso, as cabeças de leitura podiam agora acessar toda a superfície disponível e, por conseguinte, usar todos os 8 Gigabytes!! “Pronto, agora só mandar o sistema operacional alocar a nova área livre”.

Alguns podem achar uma solução brilhante e criativa, outros podem achar de ética duvidosa. Era mais barato para a IBM instalar os discos já com a capacidade grande e cobrar do cliente só pelos 4 Gigabytes usados. No dia que quisesse a ampliação o custo dessa ampliação era virtualmente zero e o cliente passaria a pagar pelo espaço total.

Mas não era só a IBM que tinha idéias “criativas” assim. Nosso nobre colega Piropo aqui do Fórum PCs relembrou outro episódio semelhante, mas protagonizado pela Intel na época do saudoso (??!!) processador 486. Para baratear o produto 486 que fora recém lançado, a Intel criou uma versão mais simples, com menos memória cachê e clock mais baixo. Inventou uma motherboard que tinha, além do soquete para o processador, um soquete extra para um tal “Overdrive Processor”. Seria um segundo processador que supostamente somaria forças com o processador existente no dia que o usuário resolvesse que precisaria de mais força em seu PC. Mas segundo o Piropo (e ele está certo), este segundo processador especial, o tal “Overdrive” era na verdade um 486 comum, aquele mais caro, com mais cachê e clock maior, travestido por razões de marketing de uma aparência diferenciada, mas que ao ser plugado nesta placa mãe “especial” fazia somente desabilitar o 486 mais simples pré existente e este novo assumia completamente o controle do outro que provavelmente até frio ficava (se não ficava frio ficava com certeza na ociosidade 100% do tempo).

A dúvida, ou mesmo pergunta que faço, é se você considera corretas estas abordagens de marketing afetando a suposta utilidade técnica dos produtos? Seria correto ou algum tipo de “grupo”?

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