Diversidade e privacidade: o que esperar do futuro das cidades inteligentes?

Em meio à digitalização das cidades, inclusão e privacidade devem pautar o desenvolvimento tecnológico para que as cidades sejam eficientes para todos

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1:54 pm - 11 de novembro de 2022

Até o ano de 2050, mais de 70% da população mundial deve viver em áreas urbanas, segundo estimativa das Nações Unidas. Uma maior densidade populacional coloca pressão sobre o gerenciamento das cidades e seus recursos. Soma-se a isso a crescente necessidade de descarbonizar nossas operações para contribuir com metas de desenvolvimento sustentável e reverter o processo das mudanças climáticas.

Nesse cenário, o projeto de cidades inteligentes é visto como uma solução para tornar cidades mais eficientes do ponto de vista da mobilidade, da gestão de resíduos e de energia e da segurança pública. Dados abertos e tecnologias como inteligência artificial, quando combinados, conseguem entregar maior previsibilidade para que o poder público possa atuar com mais rapidez. Assim, o saldo que se espera é uma melhora na qualidade dos serviços e do bem-estar local.

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Nos últimos anos, a Nova Zelândia tem liderado o tema cidades inteligentes, implementando Internet das Coisas em diferentes projetos, entre eles o monitoramento de níveis de poluição do ar, o gerenciamento do transporte público e, até mesmo, a medição da qualidade da água dos oceanos. Com esta informação enviada para a população, pode-se decidir, por exemplo, se é seguro nadar ou não. Em 2020, quando foi liberado o 5G comercial em Auckland, maior cidade do país, a operadora Spark e o Auckland Transport firmaram uma parceria para demonstrar o potencial da conectividade. Em uma região da cidade foi instalada iluminação inteligente, o que permitiu controlar remotamente a iluminação. Sensores conectados a lixeiras agora podem detectar quando as mesmas estão cheias e contactar o serviço responsável para esvaziá-las. O desdobramento do 5G, certamente, destravará outras iniciativas inteligentes.

No entanto, trago o exemplo da Nova Zelândia como também um modelo para pensar cidades inteligentes a partir da perspectiva da inclusão e diversidade. Como sabemos, as tecnologias não são neutras. Elas carregam vieses preconceituosos – muitas vezes inconscientes – de quem as desenvolveu. Uma cidade inteligente pensada por homens pode não cobrir as preocupações e necessidades que uma mulher tem ao andar na rua ou ainda não cobrir pontos de acessibilidade que alguém que se movimente em uma cadeira de rodas precisa. A diversidade é, portanto, no desenvolvimento de cidades inteligentes, imprescindível. Afinal, cidades devem ser boas para todos.

Reflexo importante da diversidade no país está no fato de que, recentemente, a Nova Zelândia — pela primeira vez em sua história — tem em sua maioria legisladoras mulheres. São 60 mulheres e 59 homens. A conquista coloca a Nova Zelândia entre as seis nações no mundo que possuem metade da sua representatividade feminina no parlamento. Ter diversidade desde a concepção de leis visa também garantir perspectivas mais justas e inclusivas para cidadãos.

Há outro ponto que merece destaque dentro da agenda de cidades inteligentes que diz respeito a todos nós: a privacidade. Com a coleta de dados pessoais sendo naturalizada pelo avanço tecnológico, o que isso nos reserva de efeitos colaterais no futuro? Assim como o Brasil conta com a Lei Geral de Proteção de Dados, a Nova Zelândia possui uma regulamentação dedicada. O Privacy Act do país foi atualizado em 2020 para lidar com um contexto totalmente diferente de quando foi primeiramente criado em 1993. Entre as regras está como empresas estrangeiras devem tratar dados de cidadãos neozelandeses.

Tendo em vista a crescente digitalização de todas as nossas esferas, é de se esperar que a legislação sobre o tema seja sempre atualizada. No próximo ano, o governo da Nova Zelândia planeja fechar uma brecha que permite que as empresas compartilhem dados pessoais entre si. Qualquer entidade hoje, que queira coletar informações sobre indivíduos, precisa do seu consentimento. Entretanto, ainda não há uma exigência que cobra que as empresas notifiquem os cidadãos sobre se esses dados foram compartilhados.

Testemunhamos na história recente grandes vazamentos de dados que, na mão de pessoas má intencionadas, podem provocar estragos que ainda não imaginamos em sua extensão. Essas mudanças também servem para elevar a consciência da população a respeito do tratamento de dados.

Cidades inteligentes devem desempenhar um grande papel na qualidade de vida das nossas sociedades e elas terão protagonismo no desenvolvimento sustentável. No entanto, elas devem refletir a diversidade de sua população e priorizar a privacidade visando também a segurança e autonomia das futuras gerações.

*Jacqueline Nakamura é uma experiente profissional de Diplomacia comercial internacional com mais de 15 anos trabalhando para diferentes governos estrangeiros na América Latina. Depois de seis anos atuando no Departamento de Comércio Internacional do Reino Unido, liderando tanto as exportações comerciais quanto investimento estrangeiro, Jacqueline assumiu o cargo de Comissária de Negócios para a New Zealand Trade and Enterprise para o Brasil e Mercosur. Com experiência na indústria de tecnologia, trabalhando para empresas multinacionais de tecnologia e associações setoriais de comércio, ela lidera o plano de tecnologia da Nova Zelândia na América Latina. Sua formação acadêmica inclui bacharelado em Relações Internacionais pela PUC-SP e mestrado em economia empresarial pela FGV-SP com Recomendação de Honra.

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